terça-feira, 27 de abril de 2010

Triste Bahia, Ildásio Tavares.


Tenho andado, trafegado pelas ruas favelizadas de Salvador; pelo asfalto esburacado; pela solidão babelizada de não nos vermos mais a não ser em enterros ou efemérides significativas. Tenho assistido ao esboroar-se de uma das cidades mais amenas que já conheci e presenciado o embrutecimento de uma gente antes doce e cordial, envolvida pela violência; atolada em condições subhumanas de existência; uma gente que já foi unida e solidária e de Itapuã a Paripe falava mais ou menos a mesma língua, terra da felicidade.


Todo mundo se conhecia em Salvador. Numa geografia aprazível os bairros se distribuíam pelas colinas, cada uma com uma infra-estrutura própria. Onde eu morava, por exemplo, no Boulevard América, havia uma cocheira de onde vinha o leite, os vendedores passavam com a verdura, o peixe, cavala, peixe, a gorda negra de manhã, mungunzá, lelê, a camionete da Sorveteria Primavera passava no horário certo, os meninos vendendo taboca, o amolador de facas com seu realejo e na esquina da entrada o Armazém de Mendes vendia tudo na base do caderninho para pagar no fim do mês.

Os bondes rolavam nos trilhos, 1 Nazaré, 2 Barra, 7 Federação, 14 Amaralina. Havia as opções perfeitas para tudo. De refrigerante o famoso Guaraná Fratelli Vita que ainda oferecia a gasosa de maçã e a de limão que eu bebia escondido em casa, enchendo as garrafas de água até que um dia uma visita refugou e tomei uma bela surra depois.

As lojas do comércio eram personalizadas. A gente ficava amigo dos donos da loja. A Ernesto, por exemplo. Fiz meus primeiros óculos ali na Piedade, receitados por Dr. Marback, um monumento da oftalmologia, 1949. E nunca mais deixei de fazer óculos na Ernesto. Griffe de boa qualidade, seu Ernesto sério, austero, ele mesmo atendendo a freguesia; ele mesmo garantindo o nível do produto.

Mais tarde eu iria conhecer Bubba e Willy, lá mesmo na loja e Liselotte na ACBEU, vistosamente bela, toda de negro, do alto de uma varanda, fumando um cigarro, vejam. Lise foi a primeira menina que eu vi fumando em público na minha vida, 1956, e sua imagem, loura do alto da varanda, cigarro nos dedos, nunca saiu de minha cabeça. A Ernesto não era uma ótica despersonalizada. Como não era A Suprema Móveis do meu amigo Leão, a Foto Jonas de meu tio Vivaldo que era presidente do Ipiranga e botava os sobrinhos todos pra jogar no juvenil. Me lembro que eu ia pra Fonte Nova e dizia ao cara da entrada no campo, vou ficar com meu Tio Vivaldo, ele abria o portão e eu via o jogo do banco, era uma glória.

Lojas como as Duas Américas, A Florensilva de seu Florentino, O Adamastor do pai de Glauber, a Civilização Brasileira de Dmeval Chaves.Jornais como os Diários Associados de Odorico Tavares, A Tarde de Jorge Calmon. O dusty miller da Cubana? Ou o carnaval no Bahiano, Associação e Yacht e de botar cadeira na rua na Av. Sete pra assistir as batucadas, os Filhos de Ghandy, Mercadores de Bagdá, os caretas. As matinés do Excelsior, Glória, Guarany. A cidade era proporcional a si mesma. Desgovernou-se. Desandou. Assusta.

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