sexta-feira, 2 de abril de 2010

Reinaldo Azevedo diz: CHICO BUARQUE. OU: CHUTE DEUS, MAS PRESERVE O CHICO.


Lá vou eu dedicar um pouquinho das minhas férias a Chico Buarque…

Em 1991, fiz uma resenha de Estorvo, o primeiro romance de Tchico. Quase ao mesmo tempo, Bruna Lombardi lançara Filmes Proibidos. Pediram-me uma resenha de ambos. Lembro que fiz uma piada mais ou menos assim: se é pelos belos olhos, o livro de Bruna é - e é mesmo! - muito melhor. Mas ela foi recebida com o ceticismo que se pode imaginar; ele, com o embevecimento costumeiro e a reverência injustificada da crítica. Estorvo é um livro chato e pretensioso. Desisti do “Chico-enquanto-romancista”. Cai em tentação, anos mais tarde, com Budapeste, ainda mais festejado. E ainda mais chato e mais pretensioso. E fiquei e ficarei nesses dois.

Chico não sabe o que é romance — ou, mais amplamente, prosa de ficção. Não como autor ao menos. Ignora as ferramentas para construir uma personagem e tenta compensar a falta de carpintaria com uma linguagem supostamente densa, enfileirando metáforas que conferem à narrativa cediça uma aparência de profundidade filosófica, misturando doses de melancolia de apartamento, pessimismo blasé e desconstrução de moderno romance francês. A parada é indigesta. Sigamos. E vamos começar a desmisturar as coisas para desmitistificá-las.

Chico é um idiota político. Foi e ainda é propagandista de uma das ditaduras mais assassinas da terra: a de Fidel Castro, em Cuba. Não! Isso não faz dele um mau romancista. O que o torna um mau romancista são seus romances ruins. Sua parvoíce ideológica também não compromete a qualidade de suas músicas — das líricas, ao menos, não; as políticas são de doer. Já o critiquei aqui várias vezes e levei porrada de todo lado — e a mais usual, evidentemente, é o famoso “quem é você para criticar Chico Buarque?”. Como, para quem faz tal indagação, ninguém está à altura do ídolo, pouco importa o que ele diga ou faça, a única atitude aceitável é a reverência. Reitero: todas as vezes em que o critiquei, o que pode ser constatado no arquivo do blog, eu o fiz em razão de declarações políticas que ele deu. Não buli com o que chamam, tolamente, a sua “poesia”. Não que não pudesse fazê-lo. Como “poesia”, elas resistem pouco a um escrutínio. Mas o fato é que não o fiz. E, mesmo assim, veio a gritaria: “Quem é você para…?”

O que temos? Porque um ídolo é um letrista apreciado da MPB, um “poeta”, então não pode receber uma crítica de natureza política quando faz uma declaração… política? Tenham paciência! Sim, este texto integra, vamos dizer, o ambiente da gritaria que se seguiu à coluna de Diogo Mainardi na VEJA desta semana. O parágrafo que reproduzo parece dar conta, com eficiência, da questão:

Edna O’Brien conheceu “Chico” uma semana atrás, na Flip, em Paraty. Depois de participar de um debate, ela foi arrastada a um encontro entre Chico Buarque e Milton Hatoum. O que ela afirmou, assim que conseguiu escapar do encontro? Que Chico Buarque era uma fraude. O que ela afirmou em seguida, durante o jantar? Que se espantou com a empáfia e com o desconhecimento literário dos dois autores. E o que ela repetiu para mim, alguns dias mais tarde, em outro jantar, no Rio de Janeiro? Que Chico Buarque era uma fraude, que ela se espantou com sua empáfia e com seu desconhecimento literário, e que se espantou mais ainda com sua facilidade para enganar a plateia da Flip.

Qual é o ponto? Edna O’Brien era um dos medalhões da tal Feira de Livros de Paraty. Chico era outro. Resolveram juntar os dois. E ela expressou seu juízo sobre o ídolo brasileiro enquanto leitor e, sei lá como dizer, artífice da literatura. Claro, claro, pode-se dizer que a escritora irlandesa não é de nada, mas o fato é que era uma das grandes convidadas da Flip porque, no ambiente em que Chico decidiu transitar — que não é o do banquinho & violão —, ela é considerada, lamento pelos descontentes, uma autoridade.


De fato, ela foi até mais dura — e o foi publicamente: afirmou que Chico se aproveita também do fato de ser bonito, “como o Steve McQueen”. E revolveu uma polêmica de que os meios culturais brasileiros fogem como o diabo da cruz: “Música popular não é poesia. No Brasil ou em qualquer lugar do mundo”. E não é mesmo!

As reações que tenho lido são as mais estapafúrdias — como já escrevi aqui, estou apanhando por tabela porque publiquei, como faço toda semana, um trecho da coluna do Diogo. Há os nacionalistas furiosos: Edna teria sido indelicada ao falar mal de um brasileiro no Brasil! Santo Deus! Só agora me dei conta de que fui um malcriado quando falei mal de Saramago numa entrevista a uma revista cultural portuguesa! Qual é a regra geral? Devemos sempre exaltar os mitos locais por uma questão de decoro e etiqueta, é isso? Há quem afirme que Diogo bate em Chico “para aparecer”. Convenham: ele nem bateu tanto. O que fez foi reproduzir os bastidores de um encontro literário, o que deveria ser corriqueiro no jornalismo cultural se boa parte dele não vivesse de uma espécie de compadrio moral com os objetos da notícia, pautado por afinidades eletivas — isso na hipótese benevolente. Diogo também infoma que Edna está escrevendo um conto sobre “Tchico”, que recebe, na narrativa, o nome de “Harpo”. É espantoso que nenhum dos furiosos tenha comentado a provocação, que Diogo ainda faz questão de esclarecer: “Como em Harpo Marx”. Mais adiante: “Como Chico Marx”. Definitivamente, o “gauchismo” brasileiro é involuntariamente “grouchista”…

E há quem tenha observado que não podemos misturar as coisas; que Chico é, sim, um grande letrista etc. Não sei o que Diogo pensa a respeito. Jamais conversamos sobre MPB — e creio que jamais o faremos. Mas suas rimas ao violão passaram longe da coluna. O texto trata do Tchico como escritor e como personagem da cena cultural brasileira. E considera-o ao alcance da crítica terrena. Para muitos, esse foi o maior pecado da coluna de Diogo.

A indagação de uma leitora talvez expresse bem o espírito de uma época: “Diogo e você não podem suportar a existência de uma unanimidade? Vão logo partindo para o ataque? Afinal, qual o problema de vocês?”. Bem, a resposta poderia ser longuíssima, deixando claro que ele, eu ou qualquer pessoa intelectualmente honesta não damos pelota pra isso ao escrever; que esse critério não tem a menor relevância etc. Mas seria inútil. Então respondo assim:“Isso, leitora! Você está certa! Diante das unanimidades, reivindicamos a condição de minoria. Você, como parte da maioria, não pode nos tolerar? Afinal, qual é a o seu problema?”

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