terça-feira, 27 de abril de 2010

Saulo não cabe só na Holofote, James Martins.

Uma das discussões mais freqüentes neste Bahia Notícias ultimamente pretende separar os assuntos que seriam dos domínios da coluna Holofote e os da coluna Entretenimento. Às vezes embola, porque afinal de contas tudo é entretenimento na imprensa atual. Até a morte da mãe de Roberto Carlos saiu na capa do Correio* com a seguinte manchete “QUE DOR / MEU REI”. Brincadeiras à parte, parece que a Holofote é uma coluna sobre os astros da Axé Music e correlatos, enquanto a Entretenimento está seguindo uma linha que às vezes eu acho enjoativamente internacional: uma espécie de World Music do Axé! Mas por que é que eu tô falando disso? Porque hoje eu quero falar de Saulo Fernandes, um assunto dos domínios da Holofote. Posso, Lívia? Saulo participou do projeto Veja Música, da revista Veja, onde aparece cantando uma canção de Cartola (Nervos de Aço) e outra de Alcivando Luz e Carlos Coqueijo (É Preciso Perdoar), imortalizada por João Gilberto. Acho que este assunto já é domínio da Entretenimento. Enfim, quando um astro da Axé Music se coloca numa posição difícil de classificar eu tenho orgulho de tudo o que ainda representa este movimento da MPB – Música PraPular Brasileira.

É preciso que eu diga que, diferente de um monte de gente, não fiquei surpreso com Saulo interpretar tais canções. E nem tampouco com o seu modo à vontade diante (e por dentro) delas. Vou contar um caso rápido e esclarecedor: certa feita Chico Kertész me chamou para vermos juntos um show de Ângela Rô Rô & Ivete Sangalo, na Concha. No meio do caminho eu soube que Saulo Fernandes viria conosco, mas achei que não pegava nada. O cantor da banda Eva usava boné cobrindo o rosto, jeans surrado e chinelinhos flip-flop: um figurino de anti-astro. Você reconheceu ele? Pois a multidão sim. E o assediou de todas as formas. Todas mesmo. Até os homens com cara de pai de família pediam pra tirar uma foto. Querem saber um segredo? Saulo tem uma paciência de São Francisco de Assis. Mas eis o que eu queria dizer: como ficou difícil ver o show, fomos embora, comemos um sanduíche de pernil no Líder e depois, já na casa de Chico, Saulo tocou e cantou ‘É Preciso Perdoar’, que agora gravou no programa da Veja. Repetimos várias vezes o encanto diante da linha melódica do refrão que diz “pobre de quem não entendeu que a beleza de amar é se dar (...)”. Eu ainda toquei algumas canções da Los Hermanos para ele cantar.

Para mim o grande problema da cultura baiana atualíssima é que ela tende a carnavalizar tudo. Até num velório toca-se uma levada louca pra dançar. Eu mesmo já disse que Salvador é uma cidade devastada pela alegria, frase diante da qual o maestro Aldo Brizzi exultou e que repercutiu em seu Facebook, para meu orgulho bobo. Vendo Saulo no Veja Música, quieto, sereno, cantando uma música que eu sei que ele gosta e compreende realmente, com arranjo cool e preciso, sem prejuízo de nada o que nele é efusividade, alio isso ao fato de o Morotó Slim, guitarrista da pulsante Retrofoguetes, estar interessado em alguns aspectos da música de carnaval da Bahia, via guitarra baiana, e crio esperanças. Aliás, a versão de ‘Cordas de Aço’ me agradou ainda mais que a de É Preciso Perdoar, onde Saulo faz ainda uma surpreendente menção a ‘Jesus Chorou’, dos Racionais MC’s (veja aqui). Espero que isso não seja apenas um episódio isolado, como o interesse de Paul McCartney por Stockhausen, mas o início de uma quebra dessas demarcações atoleimadas que hoje vigem na Bahia, que afinal é de todos os santos e não pode descobrir um para cobrir o outro. É preciso misturar. É preciso variar. É preciso perdoar... e só não há perdão para o chato. E pro cagão.

PS: Minha filha Dora, batizada assim por causa de Caymmi, adora aquela música da Banda Eva que diz “Ô zuzum bá zumbaiôba / Oba oba oba (...)”. Eu também gosto.


Um comentário:

tadeu vinicius disse...

ótimo texto de james. espero que seus devotos possam ler e apreciar. Incluir no cardápio diário além de joão gilberto e de caetano, saulo tmb.

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