Que mudanças a Igreja Universal do Reino de Deus, no contexto pesquisado pelo senhor, introduziu no campo religioso, político e social?
Ronaldo de Almeida - É realmente uma igreja inovadora. A Universal significou, em primeiro lugar, uma transformação no jeito de ser pentecostal. Essa é a diferença frente às igrejas mais tradicionais, de pentecostalismo clássico, como a Assembleia de Deus. No meio político, ela, junto com outros movimentos maiores de evangélicos, tem participação na esfera política, políticos com mandatos e assim por diante.Acho que tem uma mudança interessante também no comportamento em relação aos meios de comunicação, que é utilizado por ela em grande escala. Não é só uma comunicação religiosa, mas sim algo que disputa o mercado não-religioso dos meios de comunicação. Também acho que é uma religiosidade que emprega outra relação com a pobreza, com os bens materiais, que visa muito mais uma melhora de vida do que simplesmente achar que tem algum valor religioso positivo na pobreza. Na verdade, a Universal inova em muitas coisas, essas são algumas delas, mas é importante saber que existem outros agentes e religiões participando disso.
Durante o ritual do exorcismo, os pastores e bispos convocam os demônios a se manifestarem. Qual a importância desse momento para os fiéis?
Ronaldo de Almeida - Uma das coisas que a Igreja Universal inova é no conflito mais aguerrido com outras religiões, além do aspecto evangélico. Para eles, de um lado está o catolicismo e, de outro, as religiões afro. Neste momento de conflito e disputa que a igreja faz, o que ela argumenta é que os males da vida, sejam financeiros, físicos, familiares, têm causa maligna e diabólica. Portanto, o homem precisa ser libertado disso.Um dos lugares onde está a fonte desse mal são, para a Universal, as religiões afro, em particular. Então, quando ela exorciza as pessoas, está libertando dos espíritos malignos, que causam esse males e que são apresentados como espíritos ou entidades de outras religiões. Para os fiéis, o momento do exorcismo representa todas essas coisas: do ponto de vista particular, uma libertação daquilo que seria a fonte do mal; e, por outro lado, uma condenação de outras religiões.
Como a figura do diabo aparece no discurso dessa religião?
Ronaldo de Almeida - Aparece sendo a causa dos males, e os males não têm muito a ver com ir para o inferno ou uma condenação pós-morte. Na verdade, o diabo causa problemas cotidianos que enfrentamos. De um lado, ele representa esses males, e, de outro, se tem uma performance ritual desses males. A referência sai das religiões afro-brasileiras ou espírita kardecista. Há uma manifestação diabólica naquele formato de Exu e Pomba Gira. Essa é a referência simbólica.
Qual a diferença do discurso sobre o diabo feito pela Igreja Universal do Reino de Deus em relação a outras religiões?
Ronaldo de Almeida - Acho que, no aspecto cristão, todo mundo fala de diabo, isso não é novidade. Na própria evangelização das Américas no período colonial português, demonizaram-se as práticas indígenas, por exemplo. Isso vem de longe, da Idade Média. Acho que a novidade que a Universal introduz, primeiro, é uma ênfase exacerbada em relação ao diabo, mais do que as outras religiões cristãs. Em segundo lugar, é a caracterização desse diabo em forma daquelas religiões que estão competindo com ela. Enquanto o diabo, nas outras religiões, é mais medieval, na Igreja Universal ele tem uma cara afro-brasileira.
Quem ou o que são esses demônios da Igreja Universal?
Ronaldo de Almeida - Do ponto de vista acadêmico, antropológico, a Igreja Universal acaba criando a própria performance do diabo, que só aparece desse jeito em seus cultos. A Universal diz que são manifestações de entidades afro-brasileiras. Quando se olha por um lado se parece, por exemplo, com uma Pomba Gira ou Exu, com as mãos cruzadas para trás ou com as mãos na cintura e gritando. De certa forma, isso nos remete às manifestações das entidades da umbanda, mas também há representações de outras coisas que não tem nada a ver com a umbanda, tem a ver com a dinâmica de uma Igreja evangélica. Há uma ênfase em que o exorcizado se ajoelhe, bata a cabeça para Jesus, além de uma combinação de uma série de outras coisas. De um ponto de vista não religioso, a impressão é de que a Igreja faz uma síntese entre uma prática religiosa cristã e as religiões afro. Daí a ideia da brincadeira do título é dizer que, de certa forma, a Universal produz aquilo que combate, fazendo com que a própria Igreja fique parecida com a religião que está combatendo. Os tais "demônios" são essas coisas que estão em nossas cabeças, que remoemos atacando o outro, mas que, na verdade, estamos falando de nós mesmos. Tenho essa leitura da Igreja Universal.
Como o senhor define o universo simbólico construído pela Igreja Universal do Reino de Deus?
Ronaldo de Almeida - É bastante amplo. Estou dando uma ênfase a essa questão dos demônios exatamente por que estou dando uma ênfase à dimensão do conflito, da maneira como ela lida contra as outras religiões. Hoje isso está um pouco mais suave, pois a Universal sofreu reações, mas em sua formação, nos anos 1980 e 1990, ela viveu períodos de conflito. Na verdade, é uma Igreja que também motiva muito as pessoas a ter iniciativa própria, a enfrentar seus problemas financeiros, por exemplo. Mas em uma lógica muito empreendedora do que propriamente uma disciplina do trabalho que era o clássico de uma tradição protestante, a ênfase está em que você monte seu próprio negócio e tenha pretensões de ser chefe e empresário mais do que ser empregado. Há toda uma dimensão simbólica de um jeito de se comportar e se conduzir na vida material e econômica. Isso é uma coisa importante para a Igreja e que tem eficácia na vida de muitas pessoas.
Como o senhor vê a relação da Igreja Universal do Reino de Deus com a mídia?
Ronaldo de Almeida - A Universal entra não como uma mídia religiosa, mas para disputar o mercado. Muito do que está ocorrendo no momento é mais um capítulo deste conflito, ou seja, a condenação da Igreja Universal pela Rede Globo no primeiro semestre deste ano, a própria reação da Rede Record e da Rede Globo - que já havia ocorrido em 1992 e em 1995 - com uma história mais pesada. São vários capítulos de um mesmo conflito. Os atores desses conflitos são aqueles que estão na disputa do campo da mídia, e que, às vezes, se travestem em uma linguagem religiosa, aí entra a Igreja Universal e a Igreja Católica. Na verdade, existe um grande jogo de interesses religiosos e econômicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário