quarta-feira, 23 de junho de 2010

João, capítulo 7, versículos 1-27.



Depois disso, Jesus percorria a Galiléia; não queria andar pela Judéia, porque os judeus procuravam matá-lo.

Estava próxima a festa dos judeus, chamada das Tendas.

Os irmãos de Jesus disseram-lhe: “Sai daqui e vai para a Judéia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes.

Ninguém faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido. Já que fazes essas coisas, manifesta-te ao mundo”.

Pois nem os seus irmãos acreditavam nele.

Jesus, então, disse a eles: “Ainda não chegou o tempo certo para mim. Para vós, ao contrário, é sempre o tempo certo.

A vós, o mundo não pode odiar, mas a mim odeia, porque eu dou testemunho dele, mostrando que suas obras são más.

Vós podeis subir para a festa. Eu não subo para esta festa, porque meu tempo ainda não se cumpriu”.

Dito isso, permaneceu na Galiléia.

Depois que seus irmãos subiram para a festa, Jesus subiu também, não publicamente, mas em segredo.

Os judeus, no entanto, o procuravam na festa e perguntavam: “Onde está ele?”

Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo. Uns diziam: “Ele é bom!”, outros: “Não, ele engana a multidão!”

Ninguém, entretanto, falava dele publicamente, por medo dos judeus.

Lá pelo meio da festa, Jesus subiu ao templo e começou a ensinar.

Os judeus comentavam admirados: “Como ele é tão letrado, sem nunca ter recebido instrução?”
Jesus respondeu: “O meu ensinamento não vem de mim mesmo, mas daquele que me enviou.

Se alguém quiser fazer-lhe a vontade, saberá se meu ensinamento é de Deus ou se falo por mim mesmo.

Quem fala por si mesmo procura a sua própria glória; mas quem procura a glória daquele que o enviou é verdadeiro e nele não há falsidade.

Moisés não vos deu a Lei? No entanto, nenhum de vós cumpre a Lei. Por que procurais matar-me?”

A multidão respondeu: “Tu tens um demônio! Quem é que te quer matar?”

Jesus replicou: “Fiz uma obra só, e vós todos ficastes espantados.

Moisés vos deu a circuncisão ( embora ela não venha de Moisés, mas dos patriarcas ); por isso, fazeis a circuncisão mesmo no dia de sábado.

Então, se alguém pode receber a circuncisão num dia de sábado, para não faltar com a Lei de Moisés, por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de sábado?

Não julgueis pelas aparências; julgai de acordo com a justiça”.

Alguns de Jerusalém diziam: “Não é este a quem procuram matar?

Olha, ele fala publicamente e ninguém lhe diz nada. Será que os chefes reconheceram que realmente ele é o Cristo?

Sevilha em Casa, João Cabral de Melo Neto.

O carnaval do arlequim, Joan Miró.
Tenho Sevilha em minha casa.
Não sou eu que está chez Sevilha.
É Sevilha em mim, minha sala.
Sevilha e tudo o que ela afia.

Sevilha veio a Pernambuco
porque Aloísio lhe dizia
que o Capibaribe e o Guadalquivir
são de uma só maçonaria.

Eis que agora Sevilha cobra
onde a irmandade que haveria:
faço vir as pressas ao Porto
Sevilhana além de Sevilha.

Sevilhana que além do Atlântico
vivia o trópico na sombra
fugindo os sóis Copacabana
traz grossas cortinas de lona.

João Alexandre Barbosa explica José Saramago.



Vejo agora que venho lendo a obra de José Saramago há muito tempo. A prova está na mistura de edições em que tenho os seus textos publicados por duas ou três editoras portuguesas e, a partir de uma certa época, a brasileira Companhia das Letras, que, para quem lê no Brasil, seguindo aquilo que é feito, do lado de Portugal, pela Editorial Caminho, veio dar uma certa ordem no caos editorial que costumam sofrer os escritores de língua portuguesa.

E por aí se vê que, embora tenha começado como romancista desde 1947 com "Terra do Pecado", publicado pela Editorial Minerva, somente em 1977, com "Manual de Pintura e Caligrafia, da Edição Moraes, assume a identidade de romancista que, para o público mais amplo, atinge a sua plenitude com a publicação, em 1982 e já pela Caminho, do "Memorial do Convento". Duas consequências para a reflexão: durante 30 anos entregou-se ao jornalismo e à poesia (de que dão notícias os livros "A Bagagem do Viajante", "Os Apontamentos" e "Os Poemas Possíveis", "Provavelmente Alegria" e "O Ano de 1993", respectivamente) e somente há 21 anos vem escrevendo os romances que lhe conferem, sem qualquer sombra de dúvida, a posição de um dos melhores prosadores de língua portuguesa deste século que vamos terminando -e, para dizer a verdade, o plural só está aí pela existência anterior de João Guimarães Rosa. São dez romances: além dos já citados "Terra do Pecado", "Manual de Pintura e Caligrafia" e "Memorial do Convento", "O Ano da Morte de Ricardo Reis", "A Jangada de Pedra", "A História do Cerco de Lisboa", "O Evangelho segundo Jesus Cristo", "Ensaio sobre a Cegueira" e "Todos os Nomes". E não é muito difícil estabelecer, desde logo, uma marca narrativa que, por assim dizer, articula a variedade ficcional de cada um: a presença forte de um narrador, quase sempre no limiar da dicção autobiográfica, que busca fixar, no patamar mais objetivo da história e da realidade circunstancial, as dissonâncias das experiências subjetivas de que a linguagem tem dificuldades em dar conta.

Neste sentido, o chamado romance histórico sofre, com Saramago, um desvio fundamental: a história circunstancial não lhe serve apenas para alimentar a imaginação, mas esta, por meio de pequenos e substanciais erros de leitura, como vai estar explícito naquele "não" introduzido pelo revisor de "A História do Cerco de Lisboa", cria uma complexidade de maior realidade, pois inclui no real histórico as dissonâncias da própria linguagem que é utilizada para a sua apreensão. O que, por outro lado, permite ou mesmo imanta a presença contínua de uma desconfiança de base para com os dados históricos, freqüentemente embaralhados pelo imaginário da linguagem. E como este, no caso de um romancista, está constituído, sobretudo, pelas fontes próprias da tradição narrativa, o chamado romance histórico, em Saramago, inclui necessariamente, e de modo solidário, a história do próprio gênero. Por isso, é possível dizer que, na esteira do que há de mais inovador na narrativa moderna e pós-moderna, o romance de Saramago é uma prolongada discussão acerca das relações possíveis entre a representação da realidade pela linguagem da narrativa e as inserções operadas pela imaginação ficcional.

Quando, portanto, o próprio Saramago apontava Pessoa, Borges e Kafka como, para ele, os mais importantes escritores do século, estava sinalizando para aquilo de que a sua própria obra dá testemunho, isto é, quer para a multiplicidade de vozes ficcionais que está em Pessoa, quer para a realidade da ficção, como está em Borges, quer para a precisão do sonho e do imaginário de Kafka, tudo, no entanto, por assim dizer, sob a tensão de uma consciência dilacerante da linguagem. Veja-se, por exemplo, o modo pelo qual, no seu último romance, "Todos os Nomes", transmite ao leitor lugares e tarefas que constituem o espaço da grande sala da Conservatória Geral do Registro Civil e que serve de pórtico à narrativa:

"A disposição dos lugares na sala acata naturalmente as precedências hierárquicas, mas sendo, como se esperaria, harmoniosa deste ponto de vista, também o é do ponto de vista geométrico, o que serve para provar que não existe nenhuma insanável contradição entre estética e autoridade. A primeira linha de mesas, paralela ao balcão, é ocupada pelos oito auxiliares de escrita a quem compete atender ao público. Atrás dela, igualmente centrada em relação ao eixo mediano que, partindo da porta, se perde lá no fundo, nos confins escuros do edifício, há uma linha de quatro mesas. Estas pertencem aos oficiais. A seguir a eles vêem-se os subchefes, e estes são dois. Finalmente, isolado, sozinho, como tinha de ser, o conservador, a quem chamam chefe no trato cotidiano.

A distribuição das tarefas pelo conjunto dos funcionários satisfaz uma regra simples, a de que os elementos de cada categoria têm o dever de executar todo o trabalho que lhes seja possível, de modo a que só uma mínima parte dele tenha de passar à categoria seguinte. Isto significa que os auxiliares de escrita são obrigados a trabalhar sem parar de manhã à noite, enquanto os oficiais o fazem de vez em quando, os subchefes só muito de longe em longe, o conservador quase nunca. A contínua agitação dos oito da frente, que tão depressa se sentam como se levantam, sempre às corridas da mesa para o balcão, do balcão para os ficheiros, dos ficheiros para o arquivo, repetindo sem descanso estas e outras sequências e combinações perante a indiferença dos superiores, tanto imediatos como afastados, é um factor indispensável para a compreensão de como foram possíveis e lamentavelmente fáceis de cometer os abusos, as irregularidades e as falsificações que constituem a matéria central deste relato".

Eis, portanto, um traço estilístico de Saramago em sua essência: os dados da realidade objetiva são expostos até os seus últimos limites, não obstante as interferências irônicas, para que então possa surgir o elemento de dissonância que se introduz pela movimentação final do trecho citado e que é sua decorrente: o erro, o abuso, a irregularidade ou a falsificação que transformam a rasura do nome num motivo de procura pelo nome que é o romance e que por aí faz o leitor retornar, mesmo que não o saiba, às fontes primordiais do gênero narrativo. Mas a busca pelo nome, que é também a da identidade, tudo envolve, desde aquele que busca até o objeto que se busca e, por isso, a história se confunde com as histórias individuais, sejam as do personagem Sr. José, sejam as deste romance que dialoga com as suas origens. Nascimento e morte, fichas hierárquicas da Conservatória, diapasões pelos quais se mede o pulsar da realidade, é o espaço e o tempo que são alterados e renomeados pela presença do erro que somente o imaginário da ficção foi capaz de provocar.

Endymion, John Keats (trecho).


Tradução: Augusto de Campos.


O que é belo há de ser eternamente

Uma alegria, e há de seguir presente.

Não morre; onde quer que a vida breve

Nos leve, há de nos dar um sono leve,

Cheio de sonhos e de calmo alento.

Assim, cabe tecer cada momento

Nessa grinalda que nos entretece

À terra, apesar da pouca messe

De nobres naturezas, das agruras,

Das nossas tristes aflições escuras,

Das duras dores. Sim, ainda que rara,

Alguma forma de beleza aclara

As névoas da alma. O sol e a lua estão

Luzindo e há sempre uma árvore onde vão

Sombrear-se as ovelhas; cravos, cachos

De uvas num mundo verde; riachos

Que refrescam, e o bálsamo da aragem

Que ameniza o calor; musgo, folhagem,

Campos, aromas, flores, grãos, sementes,

E a grandeza do fim que aos imponentes

Mortos pensamos recobrir de glória,

E os contos encantados na memória:

Fonte sem fim dessa imortal bebida

Que vem do céus e alenta a nossa vida.




No tempo do livro, João Ubaldo Ribeiro.

Ah, nem conto a vocês como era, fico com medo de acharem que estou mentindo. Mas sei que não estou, quando lembro o dia começando a se esgueirar por entre as frestas dos grandes janelões do casarão térreo em que morávamos, e eu, menino de oito ou nove anos, pulando afobado da cama, para mais uma vez me embarafustar pelo meio dos livros. Quase febril, ansioso como se o mundo fosse acabar daí a pouco, eu nem sabia com quem ia me encontrar e aonde viajaria, em nova manhã encantada. Não havia problemas para eu me embolar com os livros, porque eles não só estavam junto à minha cama, mas espalhados da cozinha ao banheiro, em estantes para mim altas como torres, algumas das quais tão pejadas que volta e meia estouravam, viravam cachoeiras de papel e vinham abaixo, dando a impressão de que as paredes e o chão se dissolviam em livros.

Problema havia na escolha, porque nenhum deles era proibido por meu pai, a não ser, como muito depois ele me contou, os que ele queria que eu lesse, me escondendo sem saber que tinha caído num ardil. Podia ser mais um volume da coleção de Tarzan que eu já tinha lido praticamente toda e não acabava nunca, porque repetia os favoritos. Não, talvez o Dom Quixote, em dois tomos imponentes que eu mal conseguia sopesar e cheio de palavras portentosas que eu não compreendia e não ousava me esclarecer com o velho, porque já conhecia a resposta.

- Dicionário, jumento bípede – respondia ele. – E copie o verbete para me mostrar depois.
- O que é verbete?

- Dicionário, miolo ralo. E copie esse também.

As gravuras de Gustave Doré que ilustravam as desditas do engenhoso fidalgo, em imagens cheias de sombras e figuras desconhecidas, me metiam medo mas eram irresistíveis e, mesmo sem entender direito o que aquele livro tremendo me contava, eu sempre voltava a ele e muitas vezes me pilhei devaneando em meio a um descampado e diante de cata-ventos, na companhia de um magrelo em seu cavalo ainda mais magro e de um gordo em seu burrico. Mas eu podia preferir ingressar na Legião Estrangeira, relendo Beau Geste ou Beau Sabreur, que me deixavam com sonhos de me alistar assim que completasse vinte anos, para ir viver entre os lendários tuaregues e conquistar o amor da mais linda princesa do deserto.

Ou podia ir para o Sítio do Picapau Amarelo. Quando Monteiro Lobato, ainda hoje, para mim, um dos maiores escritores de todos os tempos, em qualquer lugar, morreu e seu enterro foi mostrado pela revista O Cruzeiro, demorei muito para acreditar. O sítio continuou a existir, do mesmo jeito que o pó de pirlimpimpim, a viagem ao céu, o saci-pererê e toda a mágica que o grande Lobato criou. Tanto assim que peguei um caderno e comecei a escrever novas aventuras de Narizinho, Emília e Pedrinho, até que meu pai olhou minha produção, disse que estava mal escrita, me chamou de plagiário e me mandou ver no dicionário o que isso queria dizer.

Desisti da empreitada, mas persisti em escrever, para desgosto do velho, que até morrer lamentou que eu não fosse tabelião, como ele com toda a razão queria.

Os outros meninos do bairro podiam não morar num mar de livros como eu ou, ainda menos, ter um pai igual ao meu, mas não eram muito diferentes. Jogávamos bola (eu, hoje craque do passado, era fominha), brincávamos de médico com as meninas, fazíamos tudo o que as crianças daquela época podiam fazer, mas todo mundo gostava de ler, porque ler representava a liberdade e a fantasia. Comentávamos nossos heróis, organizávamos empréstimos de livros e gibis e mentíamos esplendidamente, em tertúlias em que acreditávamos nas histórias dos outros, contanto que acreditassem nas nossas – era tudo a verdade de nossas imaginações. A vã memória não distingue mais entre o que eu contava e os outros contavam, mas isso não tem importância. Todos nós, afinal, voávamos com Peter Pan e Sininho e alguns de nós namoraram com a Wendy. Não houve um que não tivesse enfrentado piratas, descido ao fundo do mar, ficado invulnerável a qualquer arma ou invisível à vontade, decifrado códigos secretos, falado todas as línguas e vencido todas as guerras e batalhas. Para isso, não tínhamos mais que os livros, não precisávamos de mais que eles.

Mas isso era naquele tempo. Hoje, como nos informam a toda hora, os livros estão mudando, aperfeiçoam-se cada vez mais. Para ler modernamente, dever-se-á usar um dos muitos leitores eletrônicos que já existem no mercado e que ainda vão surgir. Segundo uma notícia, um desses aparelhos possibilita que seu usuário (não é mais leitor, é usuário) interaja com as chamadas redes sociais na Internet. Suponho que se lê um pedacinho e se manda um comentário via Twitter. Também estarão disponíveis, em breve, livros com trilha sonora e com trechos narrados por voz. Os romances e peças virão com clipes dos cenários descritos pela narrativa, entrevistas com o autor, facilidade em substituir palavras difíceis por sinônimos acessíveis, interatividade com o usuário (“faça seu final, case Romeu com Julieta”) – o céu é o limite.

Acredito que, em relação a isso, vale uma comparação com o celular, o qual começou como telefone, mas hoje é máquina fotográfica, batedeira de bolos e ferro de passar e desconfio que está substituindo o(a) parceiro(a) sexual. Admirável livro novo, que faz uma maravilha atrás da outra e nem puxa pela imaginação, tudo já vem imaginado para você. Espero que, tão famosamente equipado, o usuário ainda encontre um tempinho para ler.



Intervalo Comercial: Vale do Rio Doce.

A Pintura das Ruas, João do Rio.

Há duas coisas no mundo verdadeiramente fatigantes: ouvir um tenor célebre e conversar com pessoas notáveis. Eu tenho medo de pessoas notáveis. Se a notabilidade reside num cavalheiro dado à poesia, ele e Lecomte de Lisle, ele e Baudelaire, ele e Apolonius de Rodes desprezam a crítica e o Sr. José Veríssimo; se o sucesso acompanha o indivíduo dado à crítica, este país é uma cavalariça sem palafreneiros; e se por acaso a fama, que os romanos sábios confundiam com o falso boato, louva os trabalhos de um pintor, ele como Mantegna, ele como Leonardo Da Vinci, ele como todos os grandes, tem uma vida de tormentos, de sacrifícios, de ataque aos seus processos; e jamais se julga recompensado pelo governo, pelo país, pelos contemporâneos, de ter nascido numa terra de bugres e numa época de revoltante mercantilismo. É fatigante e talvez pouco útil. Um homem absoluta, totalmente notável só é aceitável através do cartão-postal – porque afinal fala de si, mas fala pouco. Foi, pois, com susto que ontem, domingo, recebi a proposta de um amigo:

– Vamos ver as grandes decorações dos pintores da cidade?

– Heim? Estás decididamente desvairando. As grandes decorações? Uma visita aos ateliers?

– Não; a outros locais.

– E havemos de encontrar celebridades?

– Pois está claro. Não há cidade no mundo onde haja mais gente célebre que a cidade de S. Sebastião. Mas não penses que te arrasto a ver algum Vítor Meireles, alguns Castagnetto apócrifos ou os trabalhos aclamados pelos jornais. Não! Não é isso. Vamos ver, levemente e sem custo, os pintores anônimos, os pintores da rua, os heróis da tabuleta, os artistas da arte prática. É curiosíssimo. Há lições de filosofia nos borrões sem perspectiva e nas "botas" sem desenho. Encontrarás a confusão da populaça, os germes de todos os gêneros, todas as escolas e, por fim, muito menos vaidade que na arte privilegiada.

Era domingo, dia em que o trabalho é castigar o corpo com as diversões menos divertidas. Saí, devagar e a pé, a visitar bodegas reles, lugares bizarros, botequins inconcebíveis, e vim arrasado de confusão cerebral e de encanto. Quantos pintores pensa a cidade que possui? A estatística da Escola é falsíssima. Em cada canto de rua depara a gente com a obra de um pintor, cuja existência é ignorada por toda a gente.

O meu amigo começou por pequenas amostras da arte popular, que eu vira sempre sem prestar atenção: os macacos trepados em pipas de parati, homens de olho esbugalhado mostrando, sob o verde das parreiras, a excelência de um quinto de vinho, umas mulheres com molhos de trigo na mão apainelando interiores de padarias e talvez recordando Ceres, a fecunda. Depois iniciou a parte segunda:

– Vamos entrar agora nas composições das marinhas. Os pintores populares afirmam a sua individualidade pintando a Guanabara e a praia de Icaraí. Por essas pinturas é que se vê quanto o "ponto de vista" influi. Há o Pão de Açúcar redondo como uma bola, no Estácio; há o Pão de Açúcar do feitio de uma valise no Andaraí; e encontras o mesmo Pão, comprido e fino, em S. Cristóvão. O povo tem uma alta noção dos nossos destinos navais; a sua opinião é exatamente a mesma que a do ministro da marinha – rumo ao mar! Por isso, não há Guanabara pintada pelos cenógrafos da calçada que não tenha à entrada da barra um vaso de guerra. A parreira como o bêbado tem uma conclusão fatal: carga ao mar!

– E depois?

– Depois entramos nas grandes telas, as grandes telas que a cidade ignora.

Estávamos na Rua do Núncio. O meu excelente amigo fez-me entrar num botequim da esquina da Rua de S. Pedro e os meus olhos logo se pregaram na parede da casa, alheio ao ruído, ao vozear, ao estrépito da gente que entrava e saía. Eu estava diante de uma grande pintura mural comemorativa. O pintor, naturalmente agitado pelo orgulho que se apossou de todos nós ao vermos a Avenida Central, resolveu pintá-la, torná-la imorredoura, da Rua do Ouvidor à Prainha. A concepção era grandiosa, o assunto era vasto–o advento do nosso progresso estatelava-se ali para todo o sempre, enquanto não se demolir a Rua do Núncio. Reparei que a Casa Colombo e o Primeiro Barateiro eram de uma nitidez de primeiro plano e que aos poucos, em tal arejamento, os prédios iam fugindo numa confusão precipitada.

Talvez esse grande trabalho tivesse defeitos. Os dos "salões" de toda a parte do mundo também os têm. Mas quantos artigos admiráveis um crítico poderia escrever a respeito! Havia decerto naquele deboche de casaria o início da pintura moral, da pintura intuitiva, da pintura política, da pintura alegórica... Indaguei, rouco:

– Quem fez isto?

– O Paiva, pintor cuja fama é extraordinária entre os colegas.

Voltei-me e de novo fiquei maravilhado. Aquele café não era café, era uma catedral dos grandes fatos. Na parede fronteira, entre ondas tremendas de um mar muito cinzento rendado de branco, alguns destroyers rasgavam o azul denso do céu com projeções de holofotes colossais.

– Há coisas piores nos museus.

– Mas isto é digno de uma pinacoteca naval.

O amador, que é o dono do botequim, e o artista cheio de imaginação, que é o Paiva, não se haviam contentado, porém, com essas duas visões do progresso: a avenida e o holofote. Na outra parede havia mais uma verdadeira orgia de paisagem: grutas, cascatas, rios marginados de flores vermelhas, palmas emaranhadas, um pandemônio de cores.

Quando me viu inteiramente assombrado, esse excelente amigo levou-me ao café Paraíso, na Avenida Floriano.

– Já viste a arte-reclamo, a arte social. Vamos ver a arte patriótica.

– E depois?

– Depois ainda hás de ver os artistas que se repetem, a arte romântica e infernal.

A arte patriótica, ou antes regional, dos pintores da calçada é o desejo, aliás louvável, de reproduzir nas paredes trechos de aldeia, trechos do estado, trechos da terra em que o proprietário da casa, ou o pintor, viu a luz. No café Paraíso, o artista, que se chama Viana, pintou a cidade de Lourenço Marques, vista em conjunto, mas, como qualquer sentimento de amor naquela elaboração difícil brotasse de súbito no seu coração, Viana colocou à entrada de Lourenço Marques um couraçado desfraldando ao vento africano o pavilhão do Brasil. Dessas pinturas há uma infinidade – e eu vi não sei quantas pontes metálicas do Douro ao atravessar algumas ruas.

– Entremos neste botequim, aqui à esquina da Rua da Conceição. Vais conhecer o Colon, pintor espanhol. Colon tem estilo: este painel é um exemplo. Que vês? Uma paisagem campestre, arvoredo muito verde, e lá ao fundo um castelo com a bandeira da nacionalidade do dono da casa. É sempre assim. Há outros mais curiosos. O Oliveira completa os trabalhos sempre com cortinas iguais às que se usavam nos antigos panos de boca dos teatros. O trabalho é o abuso do azul, desde o azul claro ao azul negro.

– Mas estás a contar os tiques de grandes pintores.

– São parecidos. Eu conheço muitos mais: o velho Marcelino, que tem a especialidade de pintar os homens no pifão; o Henrique da Gama, o primeiro dos nossos fingidores, que faz um metro de mármore em cada cinco minutos; o Francisco de Paula, que adora os papagaios e faz caricaturas; o Malheiros, que reúne gatos, cachorros, cascatas e caboclos em cada tela. É o ideal da arte! São eles os autores dos estandartes dos cordões; são eles que enriquecem! Já entraste num desses ateliers, no Cunha dos PP, no Garcia Fernandes da Rua do Senhor dos Passos? Pois é como um desses studios da Flandres antiga, em que os grandes artistas assinavam os trabalhos dos discípulos, é como se entrasse na grande manufatura da pintura assinada. Vamos ao Cunha.

– Não, não, por hoje basta.

– Mas pelo menos vem admirar na Rua Frei Caneca 1660 famoso trabalho do Xavier.

– O famoso trabalho?

Se os outros, que não eram famosos e não eram de Xavier, tanta admiração me haviam causado, imaginem esse, sendo de Xavier e sendo famoso. Precipitei-me num bonde, saltei comovido como se me assegurassem que eu iria ver a Joconda de Da Vinci, e, quando os meus olhos sôfregos pousaram na criação do pintor, uma exclamação abriu-me os lábios e os braços. Era simplesmente um incêndio, o incêndio de uma cidade inteira, a chama ardente, o fogo queimando, torcendo, destruindo, desmoronando a cidade do vício. Tudo desaparecia numa violentação rubra de fornalha candente. Seria o fogo sagrado, a purificar como em Gomorra, ou o fogo da luxúria, o símbolo devastador das paixões carnais, a reprodução alegórica de como a licença dos instintos devora e queima a vida?

Xavier fora mais longe. Aquele mar de incêndio, aquele braseiro desesperado e perene era a fixação do fogo maldito da luxúria, era o fogo de Satanás, porque Satanás, em pessoa, no primeiro plano, completamente cor de pitanga, com as pernas tortas e o ar furioso, abatia a seus pés, vestida de azul celeste, uma pobre senhora.

Esse último painel punha-me inteiramente tonto. Mas não é uma das grandes preocupações da Arte comover os mortais, comovê-los até mais não poder? Xavier comovia, eu estava comovido. Nem sempre é possível obter tanta coisa nas exposições anuais. O meu amigo levou o excesso a apresentar-me o ilustre artista.

– Aqui está o Xavier.

Voltei-me.

– Os meus sinceros cumprimentos. Há sopro romântico, há imaginação, há ardência nesta decoração, fiz com o ar dogmático dos críticos ignorantes de pintura.

Ingenuamente, Xavier olhou para mim e, primeiro homem que não se julga célebre neste país, balbuciou:

– Eu não sei nada...Isso está para aí...Se soubesse fazer alguma coisa de valor até ficava triste – só com a idéia de que um dia talvez a levassem do meu país...

Playboy entrevista John Lennon [trecho – 1975]



Playboy: Falemos dos "irmãozinhos". Por que é tão impensável a idéia de que os Beatles voltem a fazer música juntos?

Lennon: Você quer voltar ao ginásio? Por que eu haveria de recuar dez anos só para dar a ilusão de uma coisa que não existe mais?

Playboy: Esqueçamos a ilusão. Por que não fazer apenas bela música juntos?Você admite que os Beatles fizeram bela música?

Lennon: Por que os Beatles teriam de oferecer mais? Não deram tudo nessa bendita terra, por dez anos? Não 'se' deram? Você é do tipo do fã amor-e-ódio, que diz: "Obrigado por tudo - mas não daria mais? Só um milagre?"

Playboy: Não estamos falando de milagres - só de boa música.

Lennon: Dean Martin e Jerry Lewis tinham de ficar juntos só porque 'eu' gostava deles juntos? Por que fazer as coisas só porque os outros querem? A própria ideologia dos Beatles era: faça o que bem quiser - assumir sua própria responsabilidade.

Playboy: Perfeito. Mas você não acha que os Beatles criaram o melhor rock jamais produzido?

Lennon: Não. Os Beatles - veja bem, estou muito envolvido com eles, não consigo vê-los com objetividade. Mas não me satisfaz nenhuma porra de álbum que os Beatles fizeram. Não haveria 'um' só que eu fizesse de novo. Fizemos coisa boa, mas fizemos coisa ruim.

Playboy: Muita gente acha que nenhuma das canções que Paul fez sózinho se compara às que ele fez como Beatle. Você acredita que 'suas' canções terão a perenidade de "Eleanor Rigby" ou "Strawberry Fields"?

Lennon: "Imagine", "Love" e aquelas músicas da 'Plastic Ono Band' estão no mesmo nível de 'qualquer' música que eu fiz como Beatle. Pode até ser que se leve vinte, trinta anos para apreciá-las.

Playboy: Parece que você está querendo dizer:"Era apenas boa música". Mas o mundo inteiro diz: "Não era só boa música, era 'a melhor'.

Lennon: Bem, e daí? 'Não será mais'! todo mundo fala de uma coisa boa que acaba como se a vida estivesse no fim. Mas, veja, eu já terei 40 anos quando esta entrevista for publicada. Paul tem 38. Elton John, Bob Dylan...Somos relativamente jovens. O jogo não acabou. Se Deus quiser, ainda haverá quarenta anos de produtividade pela frente.

Playboy: Não acha que seria interessante - nada transcendental, só 'interessante' - vocês se reunirem e promoverem esse cruzamento de talentos?

Lennon: Não seria 'interessante' trazer Elvis de volta para os seus anos iniciais? Mas não quero tirá-lo do túmulo. Os Beatles não existem e não podem existir de novo. John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Richard Starkey podem fazer um concerto, mas não serão mais os Beatles, porque não temos mais 20 anos. Não podemos ser o que não somos. Teremos de ser crucificados de novo? De andar sobre ás águas de novo, só porque um bando de idiotas não assistiu à cena na época, ou não acreditou no que via? Nunca. Não dá para voltar para uma casa que não existe mais.

João Gilberto - "Há Tanta Coisa Bonita a Ser Consertada", por Mario Sérgio Conti.

O início de uma vida artística é definidor. Por mais que a arte e a vida venham a mudar, e a negar as suas origens, o começo permanece como referência. No caso de João Gilberto, mais de meio século depois, o início de sua obra é um atestado de coerência.

O disco que inicia a bossa nova é um compacto simples que ele gravou em julho de 1958. De um lado, havia Chega de Saudade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Do outro, Bim Bom, dele mesmo. Não era nem a primeira gravação de João Gilberto nem o primeiro disco de bossa nova. Ele já havia gravado dois compactos com os Garotos da Lua, em 1951, e outro, solo, no ano seguinte.

A batida da bossa nova, por sua vez, aparecera no LP Canção do Amor Demais, gravado em abril de 1958 por Elizeth Cardoso. Nele, João Gilberto tocava violão em Chega de Saudade e Outra Vez. Apesar das treze faixas serem todas de Jobim e Vinicius, o LP não é de bossa nova. A "Divina" era uma cantora presa ao samba-canção, com suas ênfases óbvias e gastas.

A cápsula da invenção surge mesmo no compacto de 1958. A criação se dá em dois planos. Chega de Saudade havia sido composta por Jobim como um chorinho. Pois João Gilberto o transformou num samba enxuto, no qual o violão deixa de ser um mero acompanhante para dividir o primeiro plano com a voz. A letra é interpretada como quem fala, de modo íntimo. A melodia (de fundamento europeu) se amalgama à harmonia (com inspiração do jazz americano) e ao ritmo (que vem da África e se condensa no samba) para dar origem a outra coisa: um som que é uma arte.

No outro lado do disco está o segundo plano inventivo, o do João Gilberto compositor, autor de Bim Bom, a canção que não tem nada de baião. Alternando os sons "bim" e "bom", a letra diz:

É só isso o meu baião
E não tem mais nada não
O meu coração pediu assim, só.

A letra oscila entre a negativa absoluta e a afirmação de um resíduo solitário: "só isso", "não", nada", "não" de novo, e outra vez "só". O que resta, de concreto, são duas palavras, "baião" e "coração". Mas o que elas significam?

Antes de tentar responder, cabe outra questão: em qual instância o criador se manifesta mais: na interpretação que transforma Chega de Saudade de chorinho em samba, ou na autoria de Bim Bom? Desde 1958, João Gilberto segue as duas estratégias, mas dá preferência à primeira delas. Ele recompõe músicas tradicionais e contemporâneas. Trabalha com tudo, de sambas a boleros. Em português, inglês, italiano ou francês. Subtrai notas, altera o andamento, introduz silêncios, junta versos e muda as letras.

tirando os andaimes

O que resulta é algo bem distante do original. João Gilberto retira os andaimes da música-matriz para torná-la mais direta, objetiva e clara. Em Lígia, podou o próprio nome da moça do título, para evitar o derramamento de chamá-la em altos brados. Em Sampa, repetiu a palavra "alguma" logo no início: "alguma, alguma coisa acontece no meu coração" e mudou "a força da grana que ergue e destrói coisas belas" para "a força da grana que faz e destrói coisas belas".

Quando se pergunta a João Gilberto por que não compõe mais, sua explicação é singela e generosa: "Mas há tanta coisa bonita a ser consertada!". Ele prefere o trabalho modesto de polir a beleza que já existe a satisfazer o seu "eu" autoral. É um trabalho árduo. Em 1971, num show que fez na TV Tupi, ele interpretou Largo da Lapa, de Wilson Batista e Marino Pinto. A interpretação é maravilhosa. Mas ele acha que o encaixe entre a primeira e a segunda estrofes ainda não está bom. Por isso, quase quarenta anos depois, ainda não há registro em disco.

Com isso, o João Gilberto compositor ficou em segundo plano. Mas o panorama está mudando. Agora mesmo, foram lançados três CDs com Bim Bom. Bebel Gilberto, a filha do cantor, gravou-a sem violão em All In One. Adriana Calcanhoto cantou-a, com percussão do Olodum, em Partimpim Dois. E Ithamara Koorax interpretou-a em The Complete João Gilberto Songbook.

Antes delas, a música já fora gravada por Lena Horne, cantora americana de jazz. Ela fez uma temporada, em 1960, no Golden Room do Copacabana Palace. Chegou ao Rio sabendo a música e convidou João Gilberto a visitá-la na sua suite - cobriu-o de elogios e avisou que Bim Bom seria a única canção em português que interpretaria no show. Percebera a sua beleza antes de muitos brasileiros. Caso de Sérgio Porto, que, com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, era o cronista mais famoso da cidade. Ele publicou uma coluna dizendo que Lena Horne não deveria ter escolhido Bim Bom porque a canção não era em português...

Bim Bom também foi gravada por Charlie Byrd, Sergio Mendes, Ornella Vanoni, Stan Getz e Astrud Gilberto. As interpretações atestam a vitalidade de Bim Bom. Uma vitalidade que foi analisada em profundidade em Bim Bom - A Contradição Sem Conflitos de João Gilberto, o belo livro que Walter Garcia publicou em 1999. João Gilberto compôs Bim Bom em meados dos anos 50. Antes, portanto, de sair do Rio para a peregrinação que o levou a Porto Alegre, a Diamantina, a Juazeiro, a Salvador, e de volta ao Rio. Foi nesse percurso, descrito com brio por Ruy Castro em Chega de Saudade, que ele inventou a sua arte - e burilou Bim Bom.

canção em quatro línguas

Voltando à pergunta: o que significam "baião" e "coração", o que quer dizer "bim bom"? É do compositor Ronaldo Bôscoli a informação de que João Gilberto buscou mimetizar o balanço de lavadeiras, com bacias de roupas na cabeça, a caminho do rio São Francisco. De Bôscoli ao livro de Ruy Castro, e dele ao de Walter Garcia, a informação virou realidade. A mim, no entanto, João Gilberto disse mais de uma vez que essa história é folclore, que não aconteceu. A Edinha Diniz, a autora de Chiquinha Gonzaga: Uma História de Vida, ele contou que usou "baião" como sinônimo de "troço", "treco" ou, como dizem os mineiros, "trem". "Bim bom" seria então o espaço entre a sua "coisa" e o coração, entre a realidade e a afetividade, entre o objetivo e o subjetivo: a canção, o som, a arte.

Em Hô-Ba-Lá-Lá, João Gilberto também segue o caminho que vai e vem do coração à realidade e se materializa na canção:

É amor o hô-bá-lá-lá
Hô-bá-lá-lá uma canção
Quem ouvir o hô-bá-lá-lá
Terá feliz o coração
O amor encontrará
Ouvindo esta canção
Alguém compreenderá
Seu coração
Vem ouvir o hô-bá-lá-lá
Hô-bá-lá-lá
Esta canção

As canções de João Gilberto estão por ser descobertas. The Complete João Gilberto Songbook registra a existência de onze músicas de autoria dele. Mas não dá a letra de Undiú nem informa quem a escreveu. A canção é uma coautoria de João Gilberto com Jorge Amado. O romancista era amigo do compositor. Foi padrinho do casamento dele com Astrud Gilberto. Jorge Amado depois disse a Sergio Buarque de Holanda para receber João Gilberto, que queria pedir a mão da filha do autor de Raízes do Brasil, Miúcha, com quem veio de fato a se casar.

O título original de Undiú é Lamento da Morte de Dalva na Beira do Rio São Francisco, em Juazeiro. Foi composta no final dos anos 50 para integrar a trilha-sonora Seara Vermelha. O filme, baseado no romance de mesmo título de Jorge Amado, foi dirigido por Alberto D'Aversa em 1963. D'Aversa, um italiano que se radicou em São Paulo e trabalhou no Teatro Brasileiro de Comédia, chamou o maestro Moacir Santos para fazer a trilha-sonora. Ele pôs Lamento da Morte de Dalva no filme, mas esqueceu de colocar nos créditos que Jorge Amado fizera a letra. João Gilberto a gravou, com o título de Undiú, no seu álbum de 1973. Dos versos de Jorge Amado, restou uma palavra: "undiú".

The Complete João Gilberto Songbook também não traz a mais recente composição dele, Japão. Ela vem sendo trabalhada por João Gilberto desde 2004, depois de sua primeira turnê no Japão - e foi aplaudido em cena aberta durante 25 minutos, contados no relógio. Na turnê seguinte, uma das salvas de palmas se estendeu por 38 minutos ininterruptos. A canção, quadrilíngue (o verso em japonês quer dizer "Eu te amo Japão") está assim:

Je t´aime beaucoup, Japão
I love you
E te amo por que
O teu coração é cheio de amor
Anata ga suki Nipon
Je t´aime Japão
Te amo
I love you.
É só isso o seu baião.

Trechinho de Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa.

“Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das brasas. Quase que a gente não abria a boca; mas era um delem que me tirava para ele – o irremediável extenso da vida.

Pois minha vida em amizade com Diadorim correu por muito tempo desse jeito. Foi melhorando, foi. Ele gostava, destinado, de mim. E eu – como é que posso explicar ao senhor o poder de amor que eu criei? Minha vida o diga. Se amor? Era aquele latifúndio. Eu ia com ele até o rio Jordão... Diadorim tomou conta de mim.

Se ele estava com as mangas arregaçadas, eu olhava para os braços dele – tão bonitos, braços alvos, em bem feitos...

De um aceso, de mim eu sabia: o que compunha minha opinião era que eu, às loucas, gostasse de Diadorim, e também, recesso dum modo, a raiva incerta, por ponto de não ser possível dele gostar como queria, no honrado e no final. Ouvido meu retorcia a voz dele. Que mesmo no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre.”


quinta-feira, 17 de junho de 2010

Jornal Apocalipse Now: Freiras são presas por plantar maconha no quintal de convento.



Duas freiras foram presas na cidade de Masaka, na Uganda, por manterem uma plantação de maconha no quintal do convento onde moram.

As irmãs Nanteza e Rita foram levadas para a delegacia depois de discutirem com os policiais. Elas alegaram que os oficiais entraram no convento sem permissão prévia.

Uma das freiras argumentou que a plantação não era cultivada para consumo das religiosas, mas sim para a alimentação dos animais do convento, especialmente os porcos.

As freiras foram soltas depois de serem advertidas sobre a proibição de maconha no país.

Versões: Wishing on a star


Na noite de 28 de dezembro de 1992, as personalidades de Guilherme de Pádua e Paula Thomaz se encontraram com Daniela Perez. Segundo o laudo da polícia técnica, Daniela Perez estava desacordada quando o assassino desferiu os golpes que a mataram. Pelas evidências reunidas até o final da semana passada, a hipótese mais plausível para o crime encontra-se num depoimento de Paula Thomaz. Sua história foi narrada aos detetives Newton Moreira, Valdir Andrade e Nélson dos Santos quando eles foram ouvi-la em casa, horas depois de prender seu marido. Havia suspeita da participação da moça no assassinato desde a manhã daquele dia, quando, sem saber que estava sob escuta, Guilherme ligou para casa, da delegacia, instruindo a mulher a entregar à polícia as roupas que ele usara na noite anterior. "Mas a roupa não está lavando", respondeu-lhe a mulher do outro lado da linha telefônica, ouvida na extensão por um policial. A polícia descobriria, depois de receber um pacote de roupas molhadas, que o hábito da casa era ligar a máquina de lavar à tarde e que fora Paula quem instruíra a empregada a mudar o procedimento, depois do telefonema do marido.

À primeira insinuação do detetive Waldir sobre sua participação no crime, Paula começou a chorar, em seu quarto, confirmando que estava no local. Em outro depoimento, ela narrou o episódio em detalhes para o inspetor Nélio Machado. Contou que estava escondida embaixo de um lençol no banco de trás do Santana dirigido por Guilherme quando ele saiu da produtora Tycoon depois de combinar um encontro secreto com Daniela Perez. Não se sabia até a última sexta-feira por que razão Daniela aceitou essa conversa num local tão estranho, quase baldio. Havia apenas hipóteses para isso. Na versão que Paula deu à polícia, seu marido pretendia provar-lhe que a atriz o estava assediando com propostas amorosas. Quando o Santana parou, num local escuro, ele desceu do carro e começou a conversar com Daniela, cujo Escort estava parado logo à frente. Paula levantou a cabeça, para ouvir melhor o diálogo, e foi percebida por Daniela. "Você trouxe esta vagabunda para cá”, foi a reação da atriz, segundo disse a mulher do ator. Seguiu-se uma briga, Guilherme aplicou uma gravata na atriz, Paula pegou uma chave de fenda no porta-luvas do Santana e tentou ferir a suposta rival. "Mas a chave de fenda não entrava”, ela contou. Por isso, voltou para o carro e retomou armada com uma tesoura.


Durante a luta, Daniela desmaiou. Guilherme perguntou à mulher se a tinha fendo com a tesoura. Ela não sabia. “Tudo escureceu”, afirmou para os policiais. "Só me lembro de Guilherme arrastando o corpo para o mato e dando tesouradas na Daniela." Mais tarde, Paula desmentiu, enfaticamente, que tivesse feito a confissão. Numa entrevista ao repórter Nelio Bilate, da Rádio Tupi, disse que não sabia de nada. Quanto à culpa de seu marido, ela lavou as mãos. “Se ele fez, não sei. Eu não estava com ele." Existem fatos e testemunhas para atestar que Paula falou a verdade no depoimento aos policiais. Pode ter se arrependido mais tarde, optando pela mentira.

O primeiro fato é que Guilherme e Paula saíram juntos de casa na tarde do crime, com um lençol e um travesseiro, e retomaram às 2 horas da madrugada seguinte, com o carro ainda molhado, segundo o depoimento do garagista Cesarmo Manoel do Nascimento. Isso pode indicar que o tenham lavado para apagar vestígios pudessem comprometê-los. Quando deixou o estúdio da Tycoon, naquela noite, o auxiliar de câmara Gilmar Lima Marinho viu um volume grande no banco traseiro do Santana, coberto por um lençol de cor clara. Paula também foi reconhecida pelo advogado do Hugo da Silveira, que lembra ter visto um homem e uma mulher de rosto redondo dentro do Santana, ao passar pela terceira vez ao lado dos carros de Guilherme e Daniela, desconfiado de que podia estar ocorrendo um assalto.



NÃO RECOMENDO: Vacilando na escola.


Propaganda gratuita do Governo ter valido a consagração no Festival de Música Estudantil promovido pelo Governo do Estado é mera coincidência?

Fórum: Pode-se usar funk nos cultos da igreja evangélica?


As crenças de que a música é neutra, de que a música pode ser uma ferramenta na evangelização e de que uma letra cristã, por si só, pode converter uma música qualquer em música cristã fizeram surgir em anos recentes DJs e bondes gospel para alguns gostos questionáveis. Ouvi que até os funks mais conhecidos e sensuais foram parodiados para forçarem uma mensagem de salvação e de adoração.


Discordo do uso do funk nos cultos por três razões. A primeira razão é que o funk possui uma estrutura musical bastante sexualizada. Ele possui uma batida sincopada, ou seja, fora do ritmo mais quadrado, em que a ênfase recai sobre o considerado tempo fraco da música tradicional.

Esta batida do funk é repetitiva à exaustão. Os recursos vocais dos funkeiros incluem nas falas ritmadas a rouquidão, as notas indefinidas, os grunhidos, os gritos, etc. Por vezes, incluem-se vocalistas mulheres para dar mais clareza ao apelo sonoro sexualizado. As letras da música funk, com toda sintonia com a música, possuem o que há de mais vulgar, acentuada por recursos eletrônicos e uso minimalista de motivos musicais populares.

A segunda razão é que a apresentação do funk mais difundido pela mídia é bastante sensual. Não é preciso dizer que prevalecem as coreografias apelativas, a exposição depreciativa da mulher e o machismo opressor do homem associado à criminalidade.

A terceira razão por que o funk não pode ser utilizado nos cultos evangélicos é que toda esta carga de significado, amplamente estudada por várias abordagens, não pode ser separada na mente do ouvinte comum ou bem estudado. A associação do culto com o erotismo do funk é prejudicial para o adorador e uma ofensa a quem está sendo adorado. O Senhor que escolheu Israel ordenou que seu povo deixasse de lado a sensualidade em preparação ou quando estivesse no culto (Êxodo 19.15; 20.26), apesar de Israel viver num contexto cultural e religioso que via a sensualidade como parte da adoração (Números 25:1-2).

Sei que há pessoas sinceras no meio evangélico que vão discordar desta opinião. Há de se ter, porém, mais sensatez e consideração à verdade que se publica a respeito do caráter da adoração revelado nas Escrituras e do que se tem afirmado a respeito deste estilo musical, até por pessoas que não professam a fé evangélica. Precisamos nos posicionar sobre a música na igreja mais do que pelos resultados, isto é, pelo número de pessoas em nossas reuniões. Precisamos nos posicionar à luz das Escrituras, da pesquisa, da razão, da observação e dos resultados.


Carlos Renato de Lima Brito

Memórias de minhas putas tristes, Gabriel García Marquez [trecho]



No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quando tinha alguma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma de suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza de meus princípios. Também a moral é uma questão de tempo, dizia com um sorriso maligno, você vai ver. Era um pouco mais nova que eu, e não sabia dela fazia tantos anos que podia muito bem estar morta. Mas no primeiro toque reconheci a voz no telefone e disparei sem preâmbulos:

— É hoje.

Ela suspirou: Ai, meu sábio triste, você desaparece vinte anos e volta só para pedir o impossível. Recobrou em seguida o domínio de sua arte e me ofereceu meia dúzia de opções deleitáveis, mas com um senão: eram todas usadas. Insisti que não, que tinha de ser donzela e para aquela noite. Ela perguntou alarmada: Mas o que é que você está querendo provar a si mesmo? Nada, respondi, machucado onde mais doía, sei muito bem o que posso e o que não posso. Ela disse impassível que os sábios sabem de tudo, mas não tudo: Virgens sobrando neste mundo só os do seu signo, dos nascidos em agosto. Por que não encomendou com mais tempo? A inspiração não avisa, respondi. Mas talvez espere, disse ela, sempre mais sabichona que qualquer homem, e me pediu nem que fossem dois dias para revirar o mercado a fundo. Eu repliquei a sério que numa questão dessas, e na minha idade, cada hora é um ano. Então não tem jeito, disse ela sem o menor fiapo de dúvida, mas não importa, assim é mais emocionante, merda, deixa que eu telefono em uma hora.

Não preciso nem dizer, porque dá para reparar a léguas: sou feio, tímido e anacrônico. Mas à força de não querer ser assim consegui simular exatamente o contrário. Até o sol de hoje, em que resolvo contar como sou por minha livre e espontânea vontade, nem que seja só para alívio da minha consciência. Comecei com o telefonema insólito a Rosa Cabarcas, porque, visto de hoje, aquele foi o início de uma nova vida, e numa idade em que a maioria dos mortais está morta.
Vivo numa casa colonial na calçada de sol do parque de San Nicolás, onde passei todos os dias da minha vida sem mulher nem fortuna, onde viveram e morreram meus pais, e onde me propus morrer só, na mesma cama em que nasci e num dia que desejo longínquo e sem dor. Meu pai comprou a casa num leilão público no final do século XIX, alugou o andar de baixo para lojas de luxo de um consórcio de italianos e reservou-se este segundo andar para ser feliz com a filha de um deles, Florina de Dios Cargamantos, intérprete notável de Mozart, poliglota e garibaldina, e a mulher mais formosa e de melhor talento que jamais houve na cidade: minha mãe.

O espaço da casa é amplo e luminoso, com arcos de estuque e pisos axadrezados de mosaicos florentinos, e quatro portas envidraçadas sobre uma sacada corrida onde minha mãe sentava-se nas noites de março para cantar árias de amor com suas primas italianas. Dali se vê o parque de San Nicolás com a catedral e a estátua de Cristóvão Colombo, e mais além os armazéns do cais fluvial e o vasto horizonte do rio grande da Magdalena a vinte léguas de seu estuário. A única coisa ingrata na casa é que o sol vai mudando de janelas no transcurso do dia, e é preciso fechar todas elas para tratar de dormir a sesta na penumbra ardente. Quando fiquei sozinho, aos meus trinta e dois anos, mudei-me para a que tinha sido a alcova de meus pais, abri uma porta de passagem para a biblioteca e para viver comecei a vender o que estava sobrando, e que terminou sendo quase tudo, exceto os livros e a pianola de rolos.

Durante quarenta anos fui o domador de telegramas do El Diario de La Paz, tarefa que consistia em reconstruir e completar em prosa indígena as notícias do mundo, que agarrávamos em pleno vôo pelo espaço sideral através das ondas curtas ou do código Morse. Hoje me sustento, mal ou bem, com minha aposentadoria daquele ofício extinto; me sustento menos com a de professor de gramática castelhana e latim, quase nada com a crônica dominical que escrevi sem esmorecimento durante mais de meio século, e nada em absoluto com as resenhas de música e teatro que me publicam de favor nas muitas vezes em que intérpretes notáveis passam por aqui.
Nunca fiz nada diferente de escrever, mas não tenho vocação nem virtude de narrador, ignoro por completo as leis da composição dramática, e se embarquei nessa missão é porque confio na luz do muito que li pela vida afora. Dito às claras e às secas, sou da raça sem méritos nem brilho, que não teria nada a legar aos seus sobreviventes se não fossem os fatos que me proponho a narrar do jeito que conseguir nesta memória do meu grande amor.

No dia de meus noventa anos havia recordado, como sempre, às cinco da manhã. Por ser sexta-feira, meu compromisso único era escrever a crônica que é publicada aos domingos no El Diario de La Paz. Os sintomas do amanhecer tinham sido perfeitos para não ser feliz: me doíam os ossos desde a madrugada, meu rabo ardia, e havia trovões de tormenta depois de três meses de seca. Tomei banho enquanto passava o café, bebi uma caneca adoçada com mel de abelhas e acompanhada por duas broas de farinha de mandioca, e vesti o macacão de brim de ficar em casa.

O tema da crônica daquele dia, é claro, eram os meus noventa anos. Nunca pensei na idade como se pensa numa goteira no teto que indica a quantidade de vida que vai nos restando. Era muito menino quando ouvi dizer que se uma pessoa morre os piolhos incubados no couro cabeludo escapam apavorados pelos travesseiros, para vergonha da família. Isso me impressionou tanto que tosei o coco para ir à escola, e até hoje lavo os escassos fiapos que me restam com sabão medicinal de cinza e ervas milagrosas. Quer dizer, me digo agora, que desde muito menino tive mais bem formado o sentido do pudor social que o da morte.

domingo, 6 de junho de 2010

ACM, mon amour!

Revista Veja, novembro de 2006.

Só há um assunto do qual o senador Antonio Carlos Magalhães entende mais do que política, e esse assunto é poder. Seja por usufruir dele há mais de meio século, seja por ter convivido com quem o teve em abundância, ACM lida com naturalidade com o tema – e o aprecia também. "Tenho gosto pelo exercício do mando", diz. Nas últimas eleições, o mando do senador sofreu um baque histórico. Além de assistir a seu grupo perder a hegemonia de dezesseis anos na Bahia, viu-se, pela primeira vez, cercado de adversários por todos os lados: na prefeitura, no governo estadual, no governo federal. Próximo de completar 80 anos de idade, ele admite a derrota, mas não o fim do jogo. "Voltarei com mais força do que tinha antes", afirma. ACM, que se orgulha de ser "a única sigla que pegou no Brasil, além de JK", recebeu VEJA em sua cobertura em Salvador para uma conversa em que falou de política, presidentes – e, claro, poder.

Veja – Em 2004, seu grupo já havia perdido a prefeitura de Salvador e, nas últimas eleições, foi derrotado também no governo estadual. Em 2007, o senhor fará 80 anos. Acha que ainda pode recuperar sua antiga força política?

ACM – Tenho certeza. Vou voltar com mais força do que tinha antes, porque os meus adversários fracassarão. E fracassarão porque sabem fazer campanha mas não sabem governar. De maneira que minha volta não será fruto do meu trabalho, e sim fruto do erro deles. Como já disse, derrotados não falam, derrotados esperam. Quantas vezes já disseram que o carlismo havia morrido?

Veja – Algumas.

ACM – Em 1986, quando perdi o governo para Waldir Pires; em 1998, quando o meu filho (deputado Luís Eduardo Magalhães) morreu; em 2001, quando renunciei; em 2004, quando João Henrique ganhou a prefeitura. Hoje, se você perguntar sobre João Henrique em Salvador, ninguém dirá uma palavra simpática. E digo mais: não é justo dizer que fui derrotado no governo estadual. O próprio Paulo Souto (atual governador da Bahia, candidato de ACM à reeleição e derrotado no primeiro turno pelo petista Jaques Wagner) disse à imprensa: "Quem perdeu fui eu. Até porque o ACM se meteu muito pouco ou quase nada no meu governo".

Veja – Não foi o senhor que mandou que ele desse essa declaração?

ACM – Não, eu não tenho conversado muito com ele. Só vou lá para dar carinho a Paulo Souto, não para chateá-lo. Ele mesmo achou que tinha a obrigação de fazer isso. Mas que eu estava com vontade de dizer isso, estava.

Veja – O senhor conheceu dezesseis presidentes da República. Conviveu com diversos deles e foi íntimo de alguns. Quem, dentre todos, considera o melhor?

ACM – Juscelino, de quem fui mais próximo (ACM prepara um livro sobre o período em que ele, jovem deputado udenista, se tornou amigo do presidente bossa-nova). Juscelino foi o melhor porque tinha gosto pela administração e porque tinha o dom de não guardar mágoas de ninguém, mesmo daqueles que mais o injuriavam, mais o atacavam.

Veja – Essa é uma qualidade positiva num político?

ACM – Para aqueles que conseguem, sem dúvida é uma boa qualidade. Evidentemente, não é o meu caso.

Veja – O senhor é admirador de Napoleão Bonaparte e leu quase todas as suas biografias. Que características admira nele?

ACM – O gosto pelo poder é a primeira. Também admiro sua visão de mundo – para alguns, imperialista. E o fato de que ele sabia mandar. Saber mandar é uma coisa vocacional. Se você sabe mandar, vai poder mandar em tudo: da sua casa até o órgão mais importante da República. Se você não sabe mandar, pode assumir grandes postos e não adiantará nada – acontece o que está acontecendo hoje no Brasil. Esse problema do controle aéreo, por exemplo: quando isso ocorreu nos Estados Unidos, o presidente (Ronald) Reagan resolveu em 24 horas. Quem está aí não sabe mandar.

Veja – O senhor se refere ao presidente Lula ou ao ministro da Defesa?

ACM – O presidente é o maior responsável, mas o ministro da Defesa não poderia estar ali. Ele não conhece o assunto, fica sabendo das coisas por terceiros, e o resultado é que acha que está tudo na maior normalidade. Um apagão aéreo! Isso é normal? Se tivesse lá alguém de pulso, isso já teria terminado.

Veja – Dos presidentes que o senhor conheceu, quem melhor sabia mandar?

ACM – O presidente mais completo era Juscelino, mas comandava com suavidade. O mais duro no mando, mas muito competente, era Geisel. A figura dele já impunha autoridade. Nem por isso deixamos de ter algumas divergências, como no caso da Light. Quatro ministros já haviam assinado a entrega da Light por uma bagatela, um negócio que iria beneficiar umas vinte pessoas no Rio de Janeiro. Eu era presidente da Eletrobrás e resisti. O Geisel chegou a se levantar e dizer: "Você quer mandar? Sente na minha cadeira, então". Mais tarde, ele me chamou para uma viagem a Santarém e disse: "Olha, vou lhe dar razão no caso da Light. Mas, se você sair por aí contando vantagem, eu o demito". Isso também é saber mandar.

Veja – Qual dos presidentes não tinha essa vocação?

ACM – Figueiredo. Figueiredo não sabia mandar. Quando tentava, não era obedecido. Havia uma forte razão para isso: ele mandava muito errado. Seu fracasso como presidente acabou apressando o fim do regime militar.

Veja – O pensador florentino Nicolau Maquiavel dizia que o governante deve ser antes temido do que amado. O senhor concorda?

ACM – O ideal é ter as duas coisas, mas, entre ser respeitado e ser querido, prefiro ser respeitado. O amor é instável. Hoje você é querido, amanhã não é. Já o respeito é permanente. É fruto da credibilidade que você adquire. O sujeito não chega batendo em sua barriga. Agora, autoridade não significa autoritarismo. O autoritarismo é coisa dos incompetentes, dos que querem aparecer pela força.

Veja – Mas o senhor mesmo já destruiu gravadores de repórteres e agrediu fisicamente adversários. Não foram manifestações de uma personalidade truculenta?

ACM – Os meus adversários me adjetivam assim, mas não sou. Eu lhe digo sinceramente: há jornalistas de quem não gosto. Nunca me fizeram nada, mas não gosto deles. Eu sei que não gostam de mim, por que vou gostar deles? Sou muito intuitivo: olhando para você, sei o que você pensa de mim. Depois de cinqüenta anos lidando com pessoas, isso não é nenhum dom sobrenatural.

Veja – O senhor disse que tem "gosto pelo exercício do mando". Quais as boas coisas que o poder proporciona?

ACM – O poder tem de ser um instrumento para você realizar, para você servir à coletividade. O poder pelo poder, pela satisfação pessoal, nunca dá certo. Os que quiseram fazer isso fracassaram. (Fernando) Collor é um exemplo.

Veja – Mas o senhor preza os ritos do poder. Quando era presidente do Senado, fazia questão de que seus assessores o aguardassem todos os dias na entrada do Congresso, por exemplo.

ACM – Até hoje é assim. Quando chego ao Senado, gosto que os meus auxiliares estejam me esperando na porta. E que me levem à porta na hora de eu ir embora. Meu ritual é completo. Eu disse uma vez a Luiz Viana Filho (seu antecessor no primeiro mandato como governador da Bahia) que era muito chato passar em revista as tropas. Ele me disse: "No início você acha chato, depois se acostuma e depois sente falta".

Veja – Qual foi o seu maior erro político?

ACM – Acho que foi a troca de agressões com Jader Barbalho.

Veja – Por quê?

ACM – Porque resultou no meu afastamento do Congresso e no dele.

Veja – Existe alguém que o senhor não perdoe?

ACM – Tenho um caso apenas. É o de uma pessoa que afrontou a memória de minha filha (Ana Lúcia, que se suicidou em 1986, aos 28 anos). Mas tenho como regra não declarar o nome dos meus inimigos. Inimigo você deve esquecer. Se você o esquecer, ele morre por si. Claro que nem sempre você consegue esquecer, mas, na aparência, tanto quanto possível, deve ignorá-lo – o que não significa que não deva destruí-lo no tempo certo.

Veja – O senhor se considera vingativo?

ACM – Não. Ao contrário do que dizem, não sou vingativo. Meus inimigos se destroem por si próprios.

Veja – O senhor tem medo de quê?

ACM – De nada. De nada, nada, nada. Aquilo que o Schmidt (o poeta e editor Augusto Frederico Schmidt) disse de Juscelino, podem dizer de mim também: "Deus o poupou do sentimento do medo". Agora, uma coisa devo dizer: os homens que têm juízo devem sempre temer o ódio das mulheres.

Veja – O senhor já perdeu uma filha e um filho. Já adoeceu gravemente, já sofreu grandes derrotas políticas e já teve de renunciar a um mandato sob a ameaça de tê-lo cassado. Em todas as ocasiões, pensou-se que o senhor submergiria e isso não aconteceu. O que lhe dá energia para voltar sempre?

ACM – A vontade de demonstrar aos meus adversários que eles são bem mais fracos do que eu. É isso que me move. Se não fossem os meus adversários, talvez eu já tivesse deixado a vida pública. Eles são o melhor incentivo que tenho para continuar lutando. Os inimigos nos fustigam, nos chateiam, mas, sem eles, não tem graça.


O que é o "caxangá" que os escravos de Jó jogavam?

Caxangá tem vários significados, mas nada de jogo. Pode ser um crustáceo (parecido com um siri), um chapéu usado por marinheiros, e há até uma definição indígena: segundo o Dicionário Tupi-Guarani-Português, de Francisco da Silveira Bueno, caxangá vem de caá-çangá, que significa "mata extensa". Mas nada disso tem a ver com jogo e menos ainda com Jó, o personagem bíblico que perdeu tudo o que tinha (inclusive os escravos), menos a fé. Isso deixa os especialistas intrigados. "Já procurei caxangá, caxengá e caxingá, com ‘x’ e ‘ch’, e não encontrei nada que fizesse sentido como um jogo", diz o etimologista Cláudio Moreno. "Se esse jogo existisse, seria quase impossível explicar como ele passou despercebido por todos os antropólogos e etnólogos que estudam nossas tradições populares." O que pode ter ocorrido é uma espécie de "telefone sem fio": se originalmente o verso fosse "juntavam caxangá" ao invés de "jogavam", poderíamos pensar em escravos pegando siris em vez de em um jogo. Outra hipótese é que caxangá seja uma expressão sem sentido, como "a tonga da mironga do kabuletê", da canção de Toquinho e Vinícius - as palavras separadas até têm sentido (são vocábulos africanos), mas não com o significado que elas têm na música.

Banda da vez: No Doubt

No Doubt é uma banda norte-americana, que iniciou seu trabalho como cover da banda inglesa Madness, em 1987. Seus integrantes são Gwen Stefani, Tony Kanal, Adrian Young e Tom Dumont.

Começou a fazer sucesso a partir do 3º álbum, Tragic Kingdom, que vendeu mais de 16 milhões de cópias pelo mundo todo. Tragic Kingdom levou dois anos para ser gravado , e boa parte das letras falavam do fim do relacionamento amoroso de Gwen e Tony. Desde então, a banda lançou dois discos de inéditas e duas coletâneas - uma com os maiores hits e outra com b-sides.
A banda estava dando uma pausa desde 2004, logo após a última tour em que dividiu o palco com o Blink 182. Durante esta tempo Gwen Stefani saiu em uma bem sucedida carreira solo. Lançou um álbum em 2004, Love. Angel. Music. Baby., e um segundo álbum lançado em dezembro de 2006, The Sweet Escape. A banda retomou os ensaios no final de 2008 já como parte dos preparativos para a Tour 2009 que tem seu início marcado para 3 de maio em Nova Jersey tendo a banda Paramore como show de abertura(em acordo com o site oficial da banda).

Durante sua carreira, a banda ganhou dois prêmios Grammy e vendeu 28 milhões de discos em todo o mundo.

O LADO B DO FORRÓ


A letra de duplo sentido: maliciosa, satírica, critica ou jocosa sempre dividiu opiniões, seja qual for o estilo musical (Rock, Forró, Samba e outros). Uns achando imoral, musica de baixo nível. Outros achando inteligente e bem humorada.

Até o Rei do rock Elvis cantava letras que tinha duplo sentido. Na música popular brasileira estar presente há muito tempo. Mas teve seu auge no final da década de 60 com cantores e compositores nordestinos. Clemilda e Genival Lacerda iniciaram uma trajetória de popularidade com esse estilo. O forró era a música que vestia essas letras. Muitos forrozeiros tradicionais não gostavam de colocar esse estilo nas suas gravações, tendo em vista o rei do baião Luiz Gonzaga se colocando contra. Mas alguns compositores começaram a se destacar e ter músicas de sucesso.

Depois do sucesso da música Severina Chique, Chique, que colocou Genival em evidencia nacional, composição do futuro rei do Duplo Sentido João Gonçalves (Natural de Campina Grande – PB), ele cedeu a pareceria da música a Genival como condição de gravar-la e depois outras composições, como: Mato Véio, Mate; O Véi Dançou (Renato Aragão gravou também); Galegui do Zói Azul. Outras musicas de João fizeram sucesso nacional sua voz: Pescaria em Boqueirão e Empregada Domestica e muitas a nível regional. No período da ditadura ele teve seus discos retirados das lojas e foi proibido de fazer shows na Paraíba pela policia Federal.

O Duplo Sentido são letras que usam ambiguidade da colocação das palavras em concordâncias pouco usual para mudar o sentido e situações para colocando em situação de ridículo: pessoas, situações e costumes ortodoxos. Falam aquilo que todo mundo pensa e gostaria de ter coragem de dizer, mas a etiqueta social impede. É o pensamento livre do povo que olha com humor tudo que se passa no cotidiano, suas desventuras, aventuras e alegrias. Existe letra de duplo sentido que falaram em prol da liberdade de expressão como, Apesar de Você; Cálice e outras de Chico Buarque e outros compositores que cantavam a liberdade contra a ditadura, usaram o duplo sentido e metáforas para soltarem o verbo.

As pessoas confundem algumas letras (Pornográficas e preconceituosas) do Funk dos bailes cariocas como sendo letra de duplo sentido, mas as mesmas falam claramente o que pensam da mulher e de outros temas com vários erros de português. Diferente de frases que dizem: “O bode comendo, acaba”. Que cantada é entendida como: O Bode comendo a cabra. “Ela deu o radio...” que o subconsciente entende: Rabo. “Ô Pai vende o Bode de tio João, a Vaca de tia Maria e o Porco do Francisco e me dê o dinheiro para eu gravar um Disco”.
A Letra de Duplo Sentido não passa de uma forma criativa dos compositores brincarem com os sentidos das palavras e divertirem as pessoas. Não é atentado ao pudor, mas sim ao mau humor. Temos em todos os estilos musicais letras mais fúteis que o duplo sentido que não serve nem para estimular boas risadas, são péssimas piadas musicais.

*Por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa


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