Tem tempo que falo deles por aqui, e agora tenho um bom pretexto pra escrever longamente a respeito – já que pra mim, serão eles o grande momento do Conexão Vivo Salvador semana que vem (e devem ter sido esta semana em Vitória da Conquista e Ilhéus). Apesar de o Conexão Vivo ter Otto, ter Eddie, ter Nina Becker, ter muitos outros. Tô falando do Baiana System, claro!
O longo percurso de resistência, cedição, retomada, revisão que nossa geração praticou em relação ao Axé-Sistem parece ter chegado ao estado-da-arte com o Baiana System. Da insatisfação contida, e pessoalmente narrada, de O Círculo (da época de Pedro Pondé) em canções como Depois de Ver e A Janela, até o hip-hop e o pagodão, que silenciosamente (e escarnecido até pelos insatisfeitos da classe média, so rockeirinhos que se opunham ao axé-music achando equivocadamente que tudo que não fosse rock era axé…) resistiram e cresceram; passando inevitavelmente pela retomada da guitarrinha-bahiana que o segundo Retrofoguetes representa (inclusive no sentido de universalização e mundialização sonora).Não é mera questão de projeto estético. É também geográfico e político. Geográfico porque é no Baiana System que a cidade baixa, do Minestereo Público e do Sistema de Som Perambulante, e a cidade alta, do Baile Esquema Novo e do Rónei Jorge E Os Ladrões de Bicicleta, se encontra; a Cidade Baixa, da Boate Zauber na Ladeira da Misericórdia, e a Cidade Alta, do Rio Vermelho e da Boomerangue.
Político, porque nunca a “cultural jamming” em Salvador foi tão incisiva e precisa como um bisturi cirúrgico, com táticas altamente requintadas e sutis (além de eficientes). Cultural jamming é um conceito que João Lacerda me apresentou hoje por causa deste post no blog da ONG Transporte Ativo, e me perguntou como eu traduziria. Opto por “subversão cultural”, já que com isso se preserva o caráter de estratégia política (onde podem se encaixar muitas táticas: da iconoclastia pura e simples – as vaias dos xiitas camisas-pretas aos trios elétricos nos carnavais dos anos 1990 -, até a negociação diplomática no sentido de partilhar o mesmo público de recepção – como fez a Formidável Família Musical).
Com isso, no entanto, “cultural jamming” perde suas inúmeras ambivalências. Jam aí tem o mesmo sentido de “jam a gun“: fazer uma arma (ou um mecanismo, uma máquina, uma indústria) intencionalmente pifar, dar xabú, fazer o tiro sair pela culatra. E é o que o Baiana System faz com o Axé-Sistem já combalido o suficiente para ceder, e ironizar-se de dentro com o Rebolationtion do Parangolé. Daí vai o Baiana System e ironiza a ironia, com uma letra que diz:
“My name is notion
information
da Revolution
ao Rebolation
“Simples e sofisticado. Se Andy Wharol fosse bahiano, usaria os velhos bancos empilhados de festa de largo como grafismo. (Obrigado, AMBEV, por acabar com esta forma mundialmente única de painel pictórico popular). É o que faz Felipe Cartaxo nas vestimentas, cenários e capas de disco do Baiana System.
Mas cultural jamming também tem sentido de “Geléia Geral” (ou de muco primevo, como uma madrepérola). E o que é isso senão misturar pagodão, dub, dance hall, reggae, rap, hip-hop, frevo elétrico, lambada, carimbó – e, por que não, axé-music? – tudo de uma vez pra subverter tudo, em pequenos, econômicos, versos e acordes? E não podemos esquecer o sentido de JAM-session (“Jazz after midnight”), que significava o som que as bandas de Jazz do Cotton Club de Nova York faziam não nos ensaios, nem nos shows – mas com os shows já acabados, entre amigos, experimentando de tudo!
Ôxe, como era doce! Como se não bastasse, pela primeira vez o Anti-Axé ou Pós-Axé faz um som sobre carnaval, de carnaval, para o carnaval. Integralmente. Ou, como diz Russo Passapusso: “é pra dançar, mas não tira o pé do chão!” – quem tá embaixo / quer mais espaço / quem tá em cima / quer o seu calor. Quem tá na chuva pula e se enxuga: tá começando mais um carnaval. E o Carnaval, quem é que faz? O Carnaval ainda quem faz é o folião!
[Lucas Jerzy Portela]
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