quinta-feira, 17 de junho de 2010

Memórias de minhas putas tristes, Gabriel García Marquez [trecho]



No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quando tinha alguma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma de suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza de meus princípios. Também a moral é uma questão de tempo, dizia com um sorriso maligno, você vai ver. Era um pouco mais nova que eu, e não sabia dela fazia tantos anos que podia muito bem estar morta. Mas no primeiro toque reconheci a voz no telefone e disparei sem preâmbulos:

— É hoje.

Ela suspirou: Ai, meu sábio triste, você desaparece vinte anos e volta só para pedir o impossível. Recobrou em seguida o domínio de sua arte e me ofereceu meia dúzia de opções deleitáveis, mas com um senão: eram todas usadas. Insisti que não, que tinha de ser donzela e para aquela noite. Ela perguntou alarmada: Mas o que é que você está querendo provar a si mesmo? Nada, respondi, machucado onde mais doía, sei muito bem o que posso e o que não posso. Ela disse impassível que os sábios sabem de tudo, mas não tudo: Virgens sobrando neste mundo só os do seu signo, dos nascidos em agosto. Por que não encomendou com mais tempo? A inspiração não avisa, respondi. Mas talvez espere, disse ela, sempre mais sabichona que qualquer homem, e me pediu nem que fossem dois dias para revirar o mercado a fundo. Eu repliquei a sério que numa questão dessas, e na minha idade, cada hora é um ano. Então não tem jeito, disse ela sem o menor fiapo de dúvida, mas não importa, assim é mais emocionante, merda, deixa que eu telefono em uma hora.

Não preciso nem dizer, porque dá para reparar a léguas: sou feio, tímido e anacrônico. Mas à força de não querer ser assim consegui simular exatamente o contrário. Até o sol de hoje, em que resolvo contar como sou por minha livre e espontânea vontade, nem que seja só para alívio da minha consciência. Comecei com o telefonema insólito a Rosa Cabarcas, porque, visto de hoje, aquele foi o início de uma nova vida, e numa idade em que a maioria dos mortais está morta.
Vivo numa casa colonial na calçada de sol do parque de San Nicolás, onde passei todos os dias da minha vida sem mulher nem fortuna, onde viveram e morreram meus pais, e onde me propus morrer só, na mesma cama em que nasci e num dia que desejo longínquo e sem dor. Meu pai comprou a casa num leilão público no final do século XIX, alugou o andar de baixo para lojas de luxo de um consórcio de italianos e reservou-se este segundo andar para ser feliz com a filha de um deles, Florina de Dios Cargamantos, intérprete notável de Mozart, poliglota e garibaldina, e a mulher mais formosa e de melhor talento que jamais houve na cidade: minha mãe.

O espaço da casa é amplo e luminoso, com arcos de estuque e pisos axadrezados de mosaicos florentinos, e quatro portas envidraçadas sobre uma sacada corrida onde minha mãe sentava-se nas noites de março para cantar árias de amor com suas primas italianas. Dali se vê o parque de San Nicolás com a catedral e a estátua de Cristóvão Colombo, e mais além os armazéns do cais fluvial e o vasto horizonte do rio grande da Magdalena a vinte léguas de seu estuário. A única coisa ingrata na casa é que o sol vai mudando de janelas no transcurso do dia, e é preciso fechar todas elas para tratar de dormir a sesta na penumbra ardente. Quando fiquei sozinho, aos meus trinta e dois anos, mudei-me para a que tinha sido a alcova de meus pais, abri uma porta de passagem para a biblioteca e para viver comecei a vender o que estava sobrando, e que terminou sendo quase tudo, exceto os livros e a pianola de rolos.

Durante quarenta anos fui o domador de telegramas do El Diario de La Paz, tarefa que consistia em reconstruir e completar em prosa indígena as notícias do mundo, que agarrávamos em pleno vôo pelo espaço sideral através das ondas curtas ou do código Morse. Hoje me sustento, mal ou bem, com minha aposentadoria daquele ofício extinto; me sustento menos com a de professor de gramática castelhana e latim, quase nada com a crônica dominical que escrevi sem esmorecimento durante mais de meio século, e nada em absoluto com as resenhas de música e teatro que me publicam de favor nas muitas vezes em que intérpretes notáveis passam por aqui.
Nunca fiz nada diferente de escrever, mas não tenho vocação nem virtude de narrador, ignoro por completo as leis da composição dramática, e se embarquei nessa missão é porque confio na luz do muito que li pela vida afora. Dito às claras e às secas, sou da raça sem méritos nem brilho, que não teria nada a legar aos seus sobreviventes se não fossem os fatos que me proponho a narrar do jeito que conseguir nesta memória do meu grande amor.

No dia de meus noventa anos havia recordado, como sempre, às cinco da manhã. Por ser sexta-feira, meu compromisso único era escrever a crônica que é publicada aos domingos no El Diario de La Paz. Os sintomas do amanhecer tinham sido perfeitos para não ser feliz: me doíam os ossos desde a madrugada, meu rabo ardia, e havia trovões de tormenta depois de três meses de seca. Tomei banho enquanto passava o café, bebi uma caneca adoçada com mel de abelhas e acompanhada por duas broas de farinha de mandioca, e vesti o macacão de brim de ficar em casa.

O tema da crônica daquele dia, é claro, eram os meus noventa anos. Nunca pensei na idade como se pensa numa goteira no teto que indica a quantidade de vida que vai nos restando. Era muito menino quando ouvi dizer que se uma pessoa morre os piolhos incubados no couro cabeludo escapam apavorados pelos travesseiros, para vergonha da família. Isso me impressionou tanto que tosei o coco para ir à escola, e até hoje lavo os escassos fiapos que me restam com sabão medicinal de cinza e ervas milagrosas. Quer dizer, me digo agora, que desde muito menino tive mais bem formado o sentido do pudor social que o da morte.

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