George Büchner nasceu na Alemanha, em 1813. Como escritor sempre teve um talento perspicaz para as características psicológicas dos seres humanos. Niilista e portador de uma depressão sombria ele sempre foi um rebelde em relação aos costumes estabelecidos na literatura em voga. Büchner escrevia com uma raiva passional e tinha um estilo irônico, pessimista aonde misturava sentimentos trágicos com o macabro. Aos 23 anos ele escreveria sua única peça teatral, intitulada Woyzeck. Meses depois ele morreu.
O crítico literário George Steiner comentou a respeito da mesma: Woyzeck é a primeira tragédia real das classes inferiores da sociedade. Ela repudia a suposição implícita nos dramas gregos, elisabetanos e neoclássicos de que o sofrimento é um sombrio privilégio das classes mais privilegiadas.
Em maio de 1914, o compositor Alban Berg assistiu no Teatro de Câmera de Viena ao lançamento de Woyseck. A peça é uma acusação à brutalidade militar e uma dolorosa análise das pressões da sociedade que podem levar um homem a matar. O espetáculo, tipicamente expressionista, causou um grande impacto em Berg. Este decidiu transformar a peça não apenas em uma simples ópera, mas na primeira opera atonal jamais escrita.
O compositor trabalhou com afinco sobre o texto de Büchner e chegou a um penetrante drama. Resumimos o enredo: trata-se da história do simplório soldado Wozzeck, sempre tratado com superioridade e desdém por seu capitão. Ao mesmo tempo o militar serve como cobaia para o médico do regimento, ao participar de bizarras pesquisas dietéticas. Wozzeck é permanentemente humilhado e o especialista lhe prognostica um final de vida internado em um asilo de loucos. Ao descobrir que sua amante Marie o trai com um tenente, Wozzeck a degola em um pântano. Após o crime ele retorna para buscar sua faca. Alucinado ao ver o corpo de Marie, ele se vê banhado em sangue e entra no pântano para lavar-se. A água chega a altura de seu pescoço, mas ele continua a caminhar e desaparece. Na última cena, o filho de Wozzeck e Marie brinca com seus amigos. Algumas crianças entram correndo e uma delas diz que sua mãe e seu pai foram encontrados mortos. O filho não compreende do que se trata e continua brincando.
A experiência militar de Berg durante a I Grande Guerra, deu ao autor condições de identificar-se com o cenário de um acampamento militar, o quotidiano cinzento das barracas, o trabalho fatigante e as humilhações constantes impostas aos pobres soldados. Todos esses sofrimentos estão indelevelmente retratados na opera. Segundo Martin Cooper nenhuma lufada de ar fresco penetra neste mundo sombrio, permanentemente fechado. Ao partir da história de Büchner, o compositor criou a maior realização intelectual da história da música.
Ao terminar a guerra, Berg deu início à composição de Wozzeck. Ela foi concluída em 1920 e a princípio a peça não podia ser encenada devido aos altos custos de montagem, bem como pelo fato de ser um dos mais desafiadores trabalhos da música moderna, tanto para os intérpretes como para os ouvintes. Berg produziu reduções da ópera para vozes e piano e mandou imprimi-las, vendendo as cópias pessoalmente. O primeiro resultado positivo resultou na apresentação de alguns excertos de Fragmentos de Wozzeck, cantados por Sutter-Kottlar sob a regência de Hermann Scherchen. Esta apresentação orquestral ocorreu na cidade de Frankfurt. Entre os espectadores, o novo e corajoso diretor da Opera de Berlim, Erich Kleiber. Este ficou impressionado com o trabalho de Berg, e decidiu encenar Wozzeck na íntegra. A opera tem três atos, cada um com cinco cenas. A estréia teve lugar no dia 14 de dezembro de 1925, na Opera de Berlim.
Naquela época, como de rigor na primeira apresentação de importantes obras avant garde,as performances eram seguidas de gritos, assobios, altercações e brigas entre os membros da platéia. O alto e pálido Alban Berg subiu ao palco para as reverências de praxe, entre uma cacofonia de bravos e vaias.
No dia seguinte, um dos principais comentaristas de um jornal berlinense publicou uma das mais brutais críticas já escrita no mundo das artes.
Quando eu deixei a Opera Estatal ontem à noite eu senti que não estava deixando um lugar público dedicado às artes, mas um manicômio público e insano. No palco, na orquestra, na platéia, apenas alienados. A obra é de um ilustre desconhecido de Viena. Trapos, soluços, arrotos, cacarejos atormentados, sons horríveis. Berg criou uma fonte que despeja veneno sobre a música alemã. Participei de uma enorme fraude musical. O homem que cometeu o crime de escrever esta opera confia na estupidez e falta de alicerces culturais de seus parceiros. Ele é um compositor charlatão e perigoso ao bem estar público. Alguém deveria perguntar a ele se, e em que extensão, trabalhar com música poderia ser um crime. O que aconteceu ontem no reino da arte foi um crime capital.
No ano seguinte, uma nova produção realizada em Praga colocou a platéia a beira de uma revolta popular, forçando a interferência policial na casa de ópera. Em meio à confusão, o prefeito da cidade morreu vitimado por um colapso cardíaco.
Mas todas essas controvérsias fazem parte das dores agudas que ocorrem durante o nascimento de uma obra prima. Em poucos anos a opera Wozzeck foi encenada triunfalmente nas maiores casas de opera do mundo ocidental. Os críticos americanos a aclamaram, quando da estréia na Philadelphia Grand Opera House, no dia 19 de março de 1931 sob a batuta de Leopold Stokowski. A história atemporal do soldado Wozzeck e da sociedade que o atormenta e o leva à morte, ainda não é a opera favorita de todas as audiências, mas é a peça avant garde que tem permanecido nos palcos até hoje, fazendo companhia a obras mais populares.
Nenhum comentário:
Postar um comentário