sábado, 27 de março de 2010

Poesia Marginal [Amador Ribeiro Neto]

A Poesia Marginal não existe como um movimento, nem como um grupo de poetas com o mesmo ideário. O Tropicalismo sacudiu a cena brasileira da música popular e colocou em close a quebra das distinções entre erudito e popular, antigo e moderno, brega e bom gosto. Isto – é claro – na esteira da Antropofagia oswaldiana.


A Poesia Marginal bebeu na fonte do Tropicalismo. Mas bebeu muito pouco. Só meio copo. Na verdade os poetas marginais não sacavam quase nada da nossa tradição poética nem cultural. O próprio Chacal, em depoimento à revista Escrita, em 1977, declara: “(...) eu lia pouco, muitos contos de fadas, Monteiro Lobato”. Eram porraloucas. Com o desbunde, adolescentemente investiam contra tudo que se consolidara como valor literário. Mas ao contrário dos modernistas de 22, aos poetas marginais faltava um programa estético. Por quê? Porque eles mesmos, sendo contra a estética em vigor, queriam era malhar tudo que estivesse pela frente e tivesse valor literário consagrado. Malharam até João Cabral e os concretos, porque eram, diziam, demasiadamente tecnicistas.

O jornalista Carlos Juliano Barros anota: [a Poesia Marginal ao] “abordar temas terrenos e subjetivos consistia numa crítica ao que era considerado cânone na época, como a poesia de João Cabral de Mello Neto, por exemplo. Na concepção de alguns marginais, a literatura do mestre pernambucano tinha um caráter muito maquinal e tecnicista, com versos bem acabados, porém pouco antenados ao dia-a-dia”.

Sobre poesia, vanguarda e pós-vanguarda, diz Glauco Mattoso: “Depois de Oswald, a vanguarda só voltou à poesia brasileira na década de 50, com o movimento concreto (...) Até hoje esse é o movimento mais combatido, justamente por ser o mais revolucionário e o que sobrevive há mais tempo, enquanto tendências mais recentes se sucedem, se rebatizam, se esgotam, se radicalizam, regridem ou simplesmente caem de moda”.



E o que os poetas marginais propunham? Nada além da incorporação da coloquialidade e do humor. Mais o uso de gírias e de palavrões. Mas isto está nas raízes de 22. Só que os poetas marginais, ao contrário dos modernistas, não conheciam a tradição da poesia brasileira nem estrangeira. Ouviam dizer que os beats norte-americanos estavam on the road, que Oswald fazia poema-piada. Mas tudo era sabido “de ouvido”. Sem maiores verticalizações.


Pontua Glauco Mattoso “(...) antes de ser uma recusa, esta postura significa simplesmente um desconhecimento dos modelos literários, por falta de informação mesmo”. E prossegue: “(...) um estilo coloquial, por si só, apesar da gíria e do chulo” pode ser “conforme o caso, mero artifício estético, comum a todas as épocas”. (...) “Tudo leva à conclusão de que o rótulo poesia marginal é muito inconsistente no plano literário”.

Usando a terminologia de Antonio Candido podemos dizer que diante da Poesia Marginal a crítica que tem sido feita não é literária, mas sociologia da literatura. Isto porque o próprio objeto de estudo não se oferece como objeto estético. Diz Antonio Candido “(...) não uma crítica, mas (...) teoria e história sociológica, ou como sociologia da literatura (...) nota-se o deslocamento de interesse da obra para os elementos sociais (...)”. “Achar, pois, que basta aferir a obra com a realidade exterior para entendê-la, é correr o risco de uma perigosa simplificação causal”.

Por esta desinformação histórica e pelo maniqueísmo crítico, a Poesia Marginal ficou na adolescência da poesia brasileira. Ao invés do uso criativo e produtivo da coloquialidade (tal como T.S. Eliot apregoa: o poeta tem de ouvir e trabalhar a língua de seu povo, dialogando com a tradição) ou da apropriação crítico-criativa do poema-piada (como a exemplo de Oswald, Mário) a Poesia Marginal gerou uma poesia de segunda classe.

Isto não é novidade no cenário da poesia brasileira. Depois de 22, enxames de poetas devastaram a cena “literária” brasileira. Assim como os poetas da Poesia Marginal desconheciam a história estético-social da poesia brasileira, os milhares de poetas de plantão em todos os recantos do Brasil, estão de guardanapos em punho fazendo poesia coloquial, sentimental, cheia de tiradinhas de bom humor e bem quadradinhas.

A caretice se infiltrou e inflou o cenário literário brasileiro. A Poesia Marginal pertence a esta cena patética, como pertencem os milhares de zé-ninguém que se autoproclamam poetas a torto e a direito.

Qualquer coisa é Poesia Marginal. Basta emparelhar-se com a displicência, a vicissitude, a idiossincrasia que, na falta de valores, passam a ser valores.

O “fazer fácil” que a Poesia Marginal proclama, requer um sólido repertório literário e artístico para efetivar-se. É o caso de Manuel Bandeira. Nele a coloquialidade, o chiste, a fala do povo têm sotaque e dicção próprios. Em toda a Poesia Marginal não encontramos um poema que se equipare a “Madrigal tão engraçadinho”, por exemplo. Ou a “Namorados”, ambos de Bandeira. Ou mesmo a “O capoeira”, de Oswald.

Não sejamos ingênuos: não dá pra comparar os estilos bandeiriano e oswaldiano às peraltices dos poetas marginais. Oswald, Bandeira e – perto de nós: José Paulo Paes – aprenderam a desaprender o que sabiam para chegar à poesia. Assim como Miró desaprendeu a pintar pra pintar como criança. Agora, dizer que toda criança é artista porque Miró pintou como criança é de um anacronismo que estreita limites com a má-fé.

A Poesia Marginal acabou produzindo poemas convencionais – mesmo estando à margem. Convencional no tratamento literário dispensado aos poemas, ainda que o tema fosse engajado – cultural, social, sexualmente. Leminski é claro: “(...) um poema convencional continua medíocre mesmo que invista contra toda a opressão do mundo”.


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