Fiz o teste mais gozado do mundo para ser cantor: dentro do carro de Francisco Alves – diz Orlando Silva.. Faz, agora, 25 anos, no meu jubileu de prata, mas lembro bem: era um “Pontiac” grená, de pára-lamas pretos, chapa 4678. O compositor Bororó me levou ao Café Nice para ser apresentado ao Rei da Voz, que pôs a mão no meu ombro: “Como é, menino, V. canta mesmo, eh?” Eu tremia. “Perto do Sr., “seu” Chico, como é que eu vou dizer que canto?” Depois entramos no carro, na Rua Chile: cantei cinco vêzes, e êle me aprovou.
Meu pai foi o Celeste, José Celestino da Silva, violonista que formou no famoso conjunto “8 Batutas”, de Pixinguinha e outros ases: dêle sei que existe o violão que alguém prometeu de presente mais ainda não trouxe – informa Orlando Silva. Pixinguinha é uma grande criatura humana e um grande criador musical: durante êsses meus 25 anos como cantor popular, o número mais solicitado tem sido “Rosa” (tu és divina e graciosa) do nosso querido Alfredo da Rocha Viana. Desde que Francisco Alves me lançou na Rádio Cajuti, em 23 de junho de 1934, eu tenho vivido de atuações e gravações – tudo o que possuo foi ganho com as cordas vocais. Posso dizer que essa coisa de afluência de cantor e público, isto é, contato direto, começou comigo. Quando em 1937, em São Paulo, o povo se aglomerava na rua para me ouvir cantar, Oduvaldo Cozzi me crismou: “Êle – O Cantor das Multidões”. Talvez o mais admirado com a longa carreira do filho de D. Balbina seja eu mesmo: em 1948 diziam que eu estava acabado, fui para o interior, passei três anos cantando por lá e arrumei minha vida – voltei para ser eleito o melhor de 52. Vou cantando para o povo e para os presidentes. Getúlio gostava de “A Jardineira”. No último “réveillon” do grande presidente, êle me disse: “Orlandô, mê cantê A Jardê-nêira” – e me acompanhou batendo com o talher no prato. Agora o presidente JK prefere “A Sertaneja”. Ao fim de uma festa, êle fêz sinal para que eu ficasse, e, com pessoas da família em volta, sentando-se à vontade, meteu o bico do pé direito no calcanhar do esquerdo arrancando o sapato, folgou satisfeito. “Bem, Orlando, já atendeu todo o mundo, não? Agora, a minha”. E eu: “Sertaneja, se eu pudesse, se Papai do Céu me desse o espaço para voar”.
Meu pai foi o Celeste, José Celestino da Silva, violonista que formou no famoso conjunto “8 Batutas”, de Pixinguinha e outros ases: dêle sei que existe o violão que alguém prometeu de presente mais ainda não trouxe – informa Orlando Silva. Pixinguinha é uma grande criatura humana e um grande criador musical: durante êsses meus 25 anos como cantor popular, o número mais solicitado tem sido “Rosa” (tu és divina e graciosa) do nosso querido Alfredo da Rocha Viana. Desde que Francisco Alves me lançou na Rádio Cajuti, em 23 de junho de 1934, eu tenho vivido de atuações e gravações – tudo o que possuo foi ganho com as cordas vocais. Posso dizer que essa coisa de afluência de cantor e público, isto é, contato direto, começou comigo. Quando em 1937, em São Paulo, o povo se aglomerava na rua para me ouvir cantar, Oduvaldo Cozzi me crismou: “Êle – O Cantor das Multidões”. Talvez o mais admirado com a longa carreira do filho de D. Balbina seja eu mesmo: em 1948 diziam que eu estava acabado, fui para o interior, passei três anos cantando por lá e arrumei minha vida – voltei para ser eleito o melhor de 52. Vou cantando para o povo e para os presidentes. Getúlio gostava de “A Jardineira”. No último “réveillon” do grande presidente, êle me disse: “Orlandô, mê cantê A Jardê-nêira” – e me acompanhou batendo com o talher no prato. Agora o presidente JK prefere “A Sertaneja”. Ao fim de uma festa, êle fêz sinal para que eu ficasse, e, com pessoas da família em volta, sentando-se à vontade, meteu o bico do pé direito no calcanhar do esquerdo arrancando o sapato, folgou satisfeito. “Bem, Orlando, já atendeu todo o mundo, não? Agora, a minha”. E eu: “Sertaneja, se eu pudesse, se Papai do Céu me desse o espaço para voar”.
Nasci no Engenho de Dentro – relata Orlando Silva – na Rua Augusta, 25, hoje General Clarindo, 45 – aliás, se Deus quiser e o Prefeito do meu querido Rio de Janeiro, a melhor cidade do mundo, sancionar o Projeto-de-Lei n.° 570-57, de 11 de junho dêste ano, emenda n.° 28, de autoria do Vereador Paulo Areal, aquela linda rua arborizada vai receber o meu nome. Quando é que um órfão suburbano, filho da viúva D. Balbina Garcia, neto de D. Maria das Ilhas Canárias, podia esperar por isso? Mas está acontecendo. E tem mais: os moradores da rua recebem com simpatia a iniciativa da homenagem. Hoje eu moro no Pôsto 2, ao lado do Copacabana Palace, e D. Balbina, no Pôsto 5: mas nós nos conhecemos como ninguém. Moramos no Méier, Todos os Santos e Pilares. Foi num quintal da Avenida Suburbana que comecei a cantarolar no alto de uma amoreira – arte de menino – atraindo sem querer o interêsse de uma vizinha, D. Elvira, mãe de Renato, um companheiro de pelada. Minha primeira fã gritava de lá: “Orlandinho, canta aquela”. Eu atendia: “Cai a tarde tristonha e serena” (Ave Maria). Minha avó, na máquina de costura, também fazia seu pedido com sotaque espanhol, e eu fazia questão de agradá-la cantando: “Era uma tarde em Sevilha quando uma dama formosa eu vi”. Na casa defronte morava a espôsa de um tenente do Exército, D. Dejanira, minha segunda fã. Por essa época, eu cantava êxitos de Augusto Calheiros, que fazia sucesso no Teatro Lírico, segundo eu ouvia dizer: porque, vir à cidade, eu nem sonhava. Minha mãe estava viúva pela segunda vez, e quem tomava conta das crianças era eu. Logo fui para o trabalho: no comércio, na indústria, estafeta da Western, trocador de ônibus. Em 1930, perto da Central, fui vítima de um acidente de bonde que me deixou com uma lesão no pé esquerdo.
Eu tinha pavor de cantar em público: o que é o destino – tenho passado a vida enfrentando platéias. Um vizinho da Avenida Suburbana, Luís Pimentel, amigo do famoso Luís Barbosa, do chapéu de palha, foi quem primeiro me sugeriu cantar no rádio. Por êsse tempo fiz minha primeira apresentação em público. D. Alice, uma atriz que organizava “troupes” de amadores, me convidou para um festival no Cine Pilares, e tremendo, feito vara verde, cantei o tango-canção “Volta” – espera, vou ver se me lembro de um pedacinho, não, não me lembro – e “Único amor”, sucesso de Gastão Formenti: ganhei palmas e, principalmente, muitas piadas dos conhecidos. Meus companheiros queriam me ver era no pião, na bola de gude, empinando pipa. Mas o Luís Pimentel me levou ao Luís Barbosa – camarada formidável, muito vivaz, cheio de bossa – que me levou a um diretor da Rádio Cajuti e me pôs ao banho-maria dizendo que era preciso verificar se minha voz era microfônica. Morando em Pilares, vir à cidade em hora de folga não era brinquedo: estive na rádio três vezes e me aprontando para a quarta, disse para minha mãe: “Hoje é a última vez que eu vou lá”.
À espera do técnico de som (pelo que se dizia), eu cantarolava numa das salas, na Avenida 13 de Maio, com o violonista Henrique Brito quando entra – eu vim a saber depois – o compositor Bororó, autor do “Curare”, e fica me ouvindo, em seguida pergunta: “Menino, V. canta aqui? Não? Onde? Na Rádio Clube? Na Guanabara?” E eu, muito tímido, franzino, pesando 53 quilos: “Não Sr., eu estou tentando”. “Ora, vem cá, vou apresentar você ao Chico Alves”. Ficamos em pé, na calçada do Café Nice, até que o Chico apareceu, e foi logo. Dentro do carro – êle mesmo é que escolheu o lugar para o teste, sentado na frente junto ao volante, e eu no banco de trás – veja a minha ingenuidade: com acanhamento e sem acompanhamento, comecei a cantar números do repertório dêle, “Por Teu Amor”, “A Voz do Violão”, “Palhaço do Luar”. “Agora canta um samba”, êle disse. Ia começando quando Chico fazendo sinal: “Espera, espera aí”. Sai do carro, abre a mala, retira um violão, senta ao meu lado – já vi que estava sendo aprovado – e me acompanha “Quem vai ao samba em Mangueira chorando o pinho a noite inteira”. “Sabe, Mimi?” – indaga Chico. E eu: “Dentro dalma dolorida eu guardo um riso teu”. No final, disse: “Muito bem”.
Saímos e fomos ao Café Nice, o “Phanteon” da música popular: e o garôto suburbano celebrou a vitória com um cafèzinho. Chico me recomendou, voz empostada, leve pigarro: “Vai pra casa, não faz farra para não ficar rouco, vem domingo, 23”. Cheguei a casa exultando: “Mamãe, eu vou cantar no rádio”. Na estréia, ao fim de dois números, o locutor disse: “Acabaram de ouvir Orlando Novarro”. E eu, enérgico: “É Garcia da Silva”. E Chico: “Pst! Microfone aberto”. Em Pilares me interpelam: “Como é, Orlando, V. mudou de nome?” E eu: “Domingo que vem, vai ser Orlando Silva”. E tem sido até hoje.
Eu tinha pavor de cantar em público: o que é o destino – tenho passado a vida enfrentando platéias. Um vizinho da Avenida Suburbana, Luís Pimentel, amigo do famoso Luís Barbosa, do chapéu de palha, foi quem primeiro me sugeriu cantar no rádio. Por êsse tempo fiz minha primeira apresentação em público. D. Alice, uma atriz que organizava “troupes” de amadores, me convidou para um festival no Cine Pilares, e tremendo, feito vara verde, cantei o tango-canção “Volta” – espera, vou ver se me lembro de um pedacinho, não, não me lembro – e “Único amor”, sucesso de Gastão Formenti: ganhei palmas e, principalmente, muitas piadas dos conhecidos. Meus companheiros queriam me ver era no pião, na bola de gude, empinando pipa. Mas o Luís Pimentel me levou ao Luís Barbosa – camarada formidável, muito vivaz, cheio de bossa – que me levou a um diretor da Rádio Cajuti e me pôs ao banho-maria dizendo que era preciso verificar se minha voz era microfônica. Morando em Pilares, vir à cidade em hora de folga não era brinquedo: estive na rádio três vezes e me aprontando para a quarta, disse para minha mãe: “Hoje é a última vez que eu vou lá”.
À espera do técnico de som (pelo que se dizia), eu cantarolava numa das salas, na Avenida 13 de Maio, com o violonista Henrique Brito quando entra – eu vim a saber depois – o compositor Bororó, autor do “Curare”, e fica me ouvindo, em seguida pergunta: “Menino, V. canta aqui? Não? Onde? Na Rádio Clube? Na Guanabara?” E eu, muito tímido, franzino, pesando 53 quilos: “Não Sr., eu estou tentando”. “Ora, vem cá, vou apresentar você ao Chico Alves”. Ficamos em pé, na calçada do Café Nice, até que o Chico apareceu, e foi logo. Dentro do carro – êle mesmo é que escolheu o lugar para o teste, sentado na frente junto ao volante, e eu no banco de trás – veja a minha ingenuidade: com acanhamento e sem acompanhamento, comecei a cantar números do repertório dêle, “Por Teu Amor”, “A Voz do Violão”, “Palhaço do Luar”. “Agora canta um samba”, êle disse. Ia começando quando Chico fazendo sinal: “Espera, espera aí”. Sai do carro, abre a mala, retira um violão, senta ao meu lado – já vi que estava sendo aprovado – e me acompanha “Quem vai ao samba em Mangueira chorando o pinho a noite inteira”. “Sabe, Mimi?” – indaga Chico. E eu: “Dentro dalma dolorida eu guardo um riso teu”. No final, disse: “Muito bem”.
Saímos e fomos ao Café Nice, o “Phanteon” da música popular: e o garôto suburbano celebrou a vitória com um cafèzinho. Chico me recomendou, voz empostada, leve pigarro: “Vai pra casa, não faz farra para não ficar rouco, vem domingo, 23”. Cheguei a casa exultando: “Mamãe, eu vou cantar no rádio”. Na estréia, ao fim de dois números, o locutor disse: “Acabaram de ouvir Orlando Novarro”. E eu, enérgico: “É Garcia da Silva”. E Chico: “Pst! Microfone aberto”. Em Pilares me interpelam: “Como é, Orlando, V. mudou de nome?” E eu: “Domingo que vem, vai ser Orlando Silva”. E tem sido até hoje.
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