sábado, 4 de setembro de 2010

O Poder Fálico da Mulher.



A aquisição de poder da mulher, neste momento histórico, não se dá somente em termos profissionais de sua inserção no mercado de trabalho. Esta conquista neonata se expande por todos os outros campos da sua existência, inclusive da sexualidade. E desenha contornos outrora jamais pensados para o que se configurou como feminino. Assim, a condição de gênero, praticamente, se nivela, e dar passagem aos desejos, prazeres e gozos plenos, deixando na irrelevância às marcas tradicionais e ostensivas as quais balizava. Agora, os papéis próprios de cada gênero se fundem no que não mais parece inscrever o masculino somente no público e ativo que incorpora o macho, e o feminino na exclusiva passividade, do privado familiarizado à fêmea, que eram pressionados a desempenhar ou a se conter.

De modo indubitável, “as sociedades humanas acrescentam infinitos detalhes para definir socialmente o que significa o homem e o que significa a mulher, as qualidades e o status respectivos que enraízam suas relações com o mundo e suas relações entre si” (Le BRETON, 2006, p.56). Agora, esses papéis se alternam, sem que isso, necessariamente, os descaracterizem dos convencionais territórios díspares em que foram forjados. Independente de ter na sua fisiologia pênis ou vagina se encarna a preposição de ser humano, e, assim, parcela significativa dos atores sociais prioriza como mais relevante à satisfação seja ela ou não sexual.

A mulher do século XIX, basicamente, se enquadrava em dois perfis, quando no melhor do sentido era tida como um enigma - frágil, sensível, dependente, assexuada e passiva - e, no pior a tinha como um diabo - representação de uma organização física e moral facilmente degenerável, dotada de excesso sexual que devia ser controlado (NUNES, 2000). Segundo a autora, para alguns pensadores, inclusive Freud, a visão da sexualidade feminina normal é aquela herdada do Iluminismo, isto é, passiva e doce, dotada de menor agressividade e debilidade sexual, com tendência masoquista. E isso, aos poucos, acabou por vincular essa dualidade, presente na economia libidinal da histérica, às mulheres de modo geral, e transformou a sexualidade feminina num enigma, e a mulher numa ameaça. Enfim, para Nunes (2000), o enigma a que se refere Freud, na verdade, se deve ao fato do homem imaginar a coexistência da feminilidade na mesma mulher como boa, passiva, amorosa, castrada, masoquista, de um lado; e seus componentes destruidor, potente, fálico, castrador, sádica, de outro.

É com base neste enfoque fálico da conduta feminina que o presente texto tenta dissertar até chegar ao feminino do homem. De acordo com Laplanche e Pontalis (2004), o falo na antiguidade greco-romana, é a representação do órgão sexual masculino. Na psicanálise este termo sublinha a função simbólica desempenhada pelo pênis na dialética intra e intersubjetiva. Ou seja, “pênis” órgão masculino na sua realidade anatômica, e “falo”, sublinhando o seu valor simbólico. Ou ainda, o desejo de fluir do pênis real no momento do coito e o desejo de ter falo, como símbolo de virilidade. Para os autores, a expressão mulher fálica ou, para alguns outros, alfa designa a mulher que tem um falo, e não a imagem da mulher ou da menininha identificada com o falo. Uma linguagem aproximativa para qualificar uma mulher com traços de caráter pretensamente masculinos, autoritária, mas, sem saber quais são exatamente as suas fantasias subjacentes. Para Nasio (2007), o falo não é o pênis enquanto órgão, mas a sua fantasia, idealização, símbolo da onipotência e de seu avesso, a vulnerabilidade.

No entender de Freud (apud ASSOUN, 1993), a vida sexual da mulher adulta é um dark continent (um continente negro) para a psicologia. Até hoje, somente Jabor (2006), um aficionado pela psicanálise, foi capaz de contestar tal afirmativa: “É um preconceito essa mania de dizer que as mulheres são “incompreensíveis” (mesmo Freud)” (p.20 - grifos do autor). Esta dificuldade de entender a mulher não estaria ligada à questão fálica? A mulher, em geral, se faz indefesa, e leva a acreditarem nisto. Por conseguinte, estimula e fortalece o imaginário masculino, uma vez que, assim, não se constitui para ele uma ameaça. As fálicas têm o poder de sedução mesmo a partir do aparente frágil, ao passo que se mantém afiadas para castrar qualquer ação que vá de encontro as suas intenções.

As mulheres fálicas agem centradas no direito do seu próprio gozo, não abre mão do poder que usa sem pudor e culpa. Suas vontades são indiscutivelmente priorizadas. Atraem e seduzem pela aura de independência que não demanda do parceiro nenhum esforço ou compromisso para protegê-las. Bem como não se mostram, abertamente, contra os homens, a exemplo das feministas. Assim, como não se deixam castrar, não vêem os homens como inimigos. Até zombam da fragilidade dos mesmos. Para Baudrillard (2001), o feminino é o único gênero, que o masculino só existe por um esforço sobre-humano para se livrar dele, é a fortaleza fálica do homem apresenta todos os signos da fortaleza, ou seja, da fraqueza.

As mulheres fálicas, decerto, têm uma forte expressão de autenticidade. Mas, o poder fálico assumido exige muito da mulher. E essa condição, notadamente se dá pela aceitação de uma sexualidade mais livre de pré-conceito e tabu (o que não significa necessariamente promiscuidade). As fálicas, conectadas com a sua feminilidade, aceitam seu desejo sexual, e deixam transparecer um tipo mais tenaz de sensualidade. As mulheres reprimidas não conseguem externar, convencer desse potencial. Uma vez que, a sensualidade não se sustenta apenas na macaquice de “caras” e “bocas”, pois logo termina revelando a falseta ou descambando para o apelo explícito da vulgaridade.
Contudo, tem mulheres e homens de sensualidade primitiva (o que não quer dizer bruta), que não fazem o menor esforço para que assim pareça, sua sensualidade está à “flor” da pele, e muitos, às vezes, nem se dão conta disto. Eles têm um sex appeal natural.A profissional do sexo com ou sem sensualidade, por exemplo, é o tipo de mulher que sabe lidar com o seu poder fálico, e por isto mesmo não assusta e nem constrange o homem. Ela é, em termo simbólico, a “grande mãe” que aconchega, e eleva a auto-estima do cliente. Portanto, não compete, não tem sentimento de inferioridade (mas isto não a impede de sentir-se socialmente marginalizada). Ela não precisa da figura masculina, sabe da sua superioridade de gênero, mas apenas do seu dinheiro, e por isso faz qualquer um se imaginar o mais poderoso dos homens. Bataille (2004) diz que não existe uma prostituta em potencial em cada mulher, mas a prostituição é a conseqüência da atitude feminina (p.204). Uma vez que, segundo o autor, na medida de seus atrativos, está sempre exposta ao desejo do homem.

Nietzsche entende que a mulher perfeita é um tipo de ser humano mais elevado que o homem perfeito; e também algo muito mais raro (p.219). A parte este exagero, afinal de contas não existe ser humano perfeito. Entretanto, é possível reconhecer um potencial humano na mulher, não necessariamente mais intenso, porém mais explícito. O homem, por uma questão cultural é mais contido, reservado ou tímido, tem medo ou lhe falta permissividade aos afetos. Por vezes, ingenuamente, isto o faz se pensar mais forte do que a mulher. Esta pode chorar, gritar, xingar, ficar histérica que é aceita. Ou seja, extravasa as emoções, e, assim, suporta melhor as tensões na medida em que se “enche”, e se “esvazia” com relativa facilidade. Ao passo que o homem as retém, e somente lhe é permitido externar as emoções agressivas (físicas), mas não as suas demais modalidades.

Todavia, entre seus pares os homens são tão curtidores uns com os outros quanto afetivos. Simulam lutas como desculpas para, na verdade, se tocarem, nessas brincadeiras que tem muito do seu carinho manifesto. Na realidade, os homens são menos bloqueados do que se propaga. Diria que seus afetos parecem mais restritos, específicos e ocasionais. Basta observar os jogadores e torcedores em comemoração de gol. O quanto eles se permitem à proximidade. Embora as pesquisas atuais apontem que “os homens são tão fofoqueiros quanto as mulheres - ou até mais que elas”2 (ZAKABI, 2007, p.104). Porém, se não compartilham seus amores ou pendências amorosas, diferente das transas que as suas predileções, no entanto estabelecem condutas respeitosas de exemplar fidelidade canina, no sentido literal da expressão, os homens são mais verdadeiramente amigos.

Esta estrutura de amizade, em geral, é rara entre mulheres e homens homossexuais, porque estão, em virtude de sua vulnerabilidade, sempre invejando e competindo entre si. São conhecidos como classes desunidas, nas quais quase não existe corporativismo. E, às vezes, muitos não têm escrúpulos de tirar de modo politicamente incorreto ou desonesto, vantagem sobre um (a) colega. Um segmento da Teoria de Campo de Kurt Lewin (apud MINICUCCI, 1987) denominado Atmosfera Social, diz que um conjunto de personalidades fortes forma grupo de gestalt fraca, e vice-versa. Aplicada a este contexto, poderia se dizer que os homens heterossexuais formam grupos fortes em razão da sua constituição de personalidades possivelmente fracas ou socialmente privilegiadas. Logo, os grupos de mulheres e homens homossexuais, apesar da sensibilidade que lhe são permitidos, formam gestalts fracas em decorrência de um provável potencial de personalidades fortes ou conflituosas. Talvez porque, recaem sobre estes últimos sujeitos uma carga maior de exigências, e menos ou quase nenhuma regalia e benefícios sociais.

A sexualidade não revolucionou as relações de gênero nem modificou radicalmente os lugares de cada um (BOZON, 2004, p.93). Embora, se esperasse a partir do movimento feminista uma reação mais simétrica na relação de gênero (HEILBORN, 2004). Esta autora conclui que, de fato, a sexualidade se alterou no que diz respeito à família, mas não produziu um panorama de liberdade. Embora ainda haja repressão, porém, no ensejo da contemporaneidade a mulher tem disputado quinhões de liberdade sexual muito próximo ao do homem. Se ainda não chegou a uma horizontalidade irrestrita, entretanto não desmerece o fato de que, a sua atual posição, em termos comparativos com um passado, até recente, é razoavelmente confortável.

As mulheres fálicas ao assumirem seu poder, com isso afirmam seu direito de igualdade, ao passo que as outras se debatem na armação ou engodo de que são frágeis. Ameno (2001) diz que a maioria das fêmeas é farsante, interpreta um papel para o qual não tem a menor vocação, apenas por interesse financeiro ou para “segurar” o companheiro. Os homens que não são tolos, não abrem mão do seu prazer. Para a autora, “o homem é um ser biologicamente livre e a sociedade transferiu para o mundo social a mesma liberdade de que ele goza” (AMENO, 2000, p.63). Porém, os únicos pontos de vulnerabilidade que, de fato, deixa a mulher numa certa desvantagem em relação ao homem, são a sua dependência hormonal que resulta na oscilação de humor na TPM (Tensão pré-menstrual), um apego acentuado aos detalhes, e o medo, segundo Nasio (2007), de ser abandonada pelo homem amado.

Se os homens têm a iniciativa, as mulheres têm o poder de provocar o desejo dos homens. Seria injustificado dizer que as mulheres são mais bonitas ou mesmo mais desejáveis que os homens [...] Elas não são mais desejáveis, mas elas se propõem ao desejo (BATAILLE, 2004, p.203). Antes da revolução feminista, a mulher era pressionada a fingir prazer sexual e esconder seus desejos eróticos, o máximo que o social lhe permitia era provocar, se colocar na posição do desejável, do proibido que instigava o homem a conquistá-la e a desvendá-la. Ainda existe muito do ranço dessa repressão, e não é à toa que, facilmente, procura-se destratar as mulheres usando como recurso a sexualidade devassa, o oposto para o qual a mulher foi educada ou castrada. Prostituta e vadia estão entre os adjetivos mais soletrados para ofender a sua moral.

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