sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A Mãe dos Contos, Henri Gougaud.

Onde, como e porque nasceram os contos? Houve uma mulher que o soube, no dealbar do mundo. Quem lho contou? A criança que ela trazia no ventre. Quem o contou à criança? O silêncio de Deus. Quem o contou ao silêncio?

A criança que ela trazia no ventre. Quem o contou à criança? O silêncio de Deus. Quem o contou ao silêncio?

Na grande floresta que existia no princípio do mundo, vivia um lenhador rude e a sua mulher triste. Viviam pobremente numa casa térrea, na clareira de uma floresta. Só tinham por vizinhos animais selvagens e, através da fresta que tinham no tecto, viam apenas passar ventos, chuvas e sóis. Mas não era a monotonia dos dias que entristecia a mulher deste lenhador, e que a fazia chorar, sozinha, na cozinha. Se assim fosse, ela ter-se-ia habituado: haveria anos melhores e anos piores.

Infelizmente, o marido tinha a alma tão bravia quanto emaranhadas eram a sua barba e a sua cabeleira. Era isso que perturbava a mulher. Ao toque, o homem era como um arbusto de espinhos. Quando beijava a companheira, fazia-o a resmungar e não sem antes lhe ter batido.
Todas as noites se repetia a mesma cena. Quando chegava da floresta, o lenhador empurrava a porta com o ombro. Com um grosso cajado de madeira na mão, arregaçava a manga direita, aproximava-se da mulher, que tremia a um canto, e espancava-a. Era a sua maneira de lhe dar as boas noites.

Mil dias, mil noites e mil sovas se passaram. A mulher aguentou, sem uma palavra de revolta, a pancada de que era alvo todas as noites. Até que chegou uma alvorada de Verão. Nessa manhã, à medida que via o marido afastar-se em direcção às grandes árvores, com o machado a tiracolo, a mulher pôs as mãos nas ancas e, pela primeira vez, desde o dia do seu casamento, sorriu. Sentia que uma nova vida despontava no seu ventre. “Uma criança!” pensou ela a tremer, maravilhada.

Mas a sua felicidade foi efémera, pois logo a assaltou um medo como nunca havia sentido. “Que desgraça! Quem a protegerá se o meu marido me continuar a bater? Pode atingir a criança. Ainda a mata antes de ela nascer. Como hei-de salvá-la? Salvo-a se não for mais espancada. Mas como posso evitar voltar a ser espancada, Senhor?” Reflectiu nisso durante todo o dia com tanta preocupação, tanta força e tanto amor pela vida do filho que iria nascer que, à noite, sentiu que uma luz despontava.

Observou o marido que, como era hábito, regressou dos bosques ao cair da noite. Quando este, a resmungar, levantou o braço nodoso e se preparava para lhe bater com o cajado, a mulher pediu-lhe:

— Espera, meu senhor! Hoje aprendi uma história. É muito bonita. Ouve-a primeiro e bater-me-ás depois.

Não sabia o que ia dizer, mas lembrou-se de um conto. Foi como se uma nascente cristalina e alegre tivesse começado a brotar. O homem ficou como que cativo diante dela, tão espantado e contente que até se esqueceu de lhe bater. A mulher falou durante toda a noite. E durante toda a noite ele a escutou, com os olhos arregalados de espanto, sem sequer se mexer. Quando o dia iluminou de novo a fresta da cabana, ela calou-se por fim. O marido viu a alvorada, suspirou, pegou no machado e foi trabalhar.

Quando a noite caiu, a mulher contou-lhe de novo uma história. Fê-lo durante nove meses, para proteger a vida que trazia no ventre. E quando a criança nasceu, o homem soube o que era o amor. E quando o amor nasceu, os contos daqueles nove meses invadiram a terra. Bendita seja esta mãe que os pôs no mundo. Sem ela, ainda hoje só os cajados falariam.



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