Como se sabe, a amizade foi tematizada por Platão, para quem o conhecimento teria como pressuposto o diálogo entre amigos. Na verdade, a reflexão platônica sobre a amizade se dá num contexto da relação entre eros (sexualidade) e philia (amizade). No âmbito de uma erótica que se dava sobretudo na relação com os rapazes (páidekon = pederastia), a philia pode ser percebida como uma estratégia do filósofo grego para sublimar e tornar mais aceitáveis as relações entre os homens. A philia platônica parecia ter o sentido de um “uso correto” de eros.
Na introdução do diálogo platônico Lísis, o qual constitui-se numa reflexão sobre a essência da amizade, Francisco de Oliveira afirma ser possível encontrar o esclarecimento da doutrina sobre a philia em três diálogos: Lísis, O Banquete e Fedro. Em sua opinião, mesmo considerando seu caráter aporético, é sobretudo no Lísis que Platão mais se aproxima da definição do conceito.
De acordo com Ortega (1999), a concepção de amizade platônica é, dentre as concepções existentes na Antigüidade (platônica, aristotélica, epicúrea, estóica), a única que concebe a relação entre eros e philia.
Em Aristóteles, epicuristas e estóicos, assim como em toda a história da amizade após Platão, eros e philia aparecem dissociados. É a inversão desta história que Foucault, como veremos, pretende inverter, uma vez que sua reabilitação da antiga estilística da existência, pressupõe a recuperação de eros para a dinâmica da amizade.
Em Aristóteles, a amizade foi tematizada em termos de excelência moral, estabelecendo relação com a felicidade, com o ideal grego da “vida boa” (eudaimonia). A problematização aristotélica esteve, assim, empenhada em decifrar os elementos de uma amizade perfeita (teleia philia), a qual não deixa de assumir um papel regulativo:
“A amizade perfeita é a existente entre as pessoas boas e semelhantes em termos de excelência moral; neste caso cada uma das pessoas quer bem à outra de maneira idêntica, porque a outra pessoa é boa, e elas são boas em si mesmas. Então as pessoas que querem bem aos seus amigos por causa deles são amigas no sentido mais amplo, pois querem bem por causa da própria natureza dos amigos, e não por acidente; logo, sua amizade durará enquanto estas pessoas forem boas, e ser bom é uma coisa duradoura” (p. 156).
Para Aristóteles, a amizade seria uma forma privilegiada de ter consciência de si próprio, já que a contemplação das ações boas de si são dificultadas por não haver um distanciamento necessário. Assim, seria preciso então contemplar a ação do outro, para ter consciência de si próprio e do próprio conhecimento.
O amigo, com quem se dá a convivência, a comunhão de interesses e a afinidade intelectual, seria um outro eu.
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