quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Osho canta Solidão


Solidão é uma flor, um lótus florescente em teu coração. Solidão é positiva, solidão é saúde.

É a alegria de seres tu mesmo.

É a alegria de teres teu próprio espaço.

Meditação significa: bênção em estando só.

Só se está realmente vivo quando tornamo-nos capazes disso, quando não mais existe dependência em relação a ninguém, a nenhuma situação, a nenhuma condição. E por ser tua, podes permanecer nela de manhã, à tarde e à noite, na mocidade e na velhice, na saúde e na doença.Na vida, na morte também, pode ela permanecer, por não ser algo que está acontecendo a ti vindo do exterior. É algo que aflora de ti. É tua natureza verdadeira, É tua natureza ela-mesma...Uma jornada interior é uma jornada em direção à solidão absoluta; não tens como levar alguém a ela contigo. É impossível que compartilhes teu centro com quem quer que seja; nem mesmo com teu amado. Esta é tua natureza, e não há o que possa ser feito para mudá-la. No momento em que te diriges ao interior, quebram-se todas as comunicações com o mundoexterno. Na verdade, o mundo inteiro desaparece.

Eis porque os místicos têm dito que o mundo é ilusório, é 'maya'.... não que ele não exista, mas para quem medita é quase como se o mundo não existisse.

O silêncio é de tal modo profundo... nenhum ruído o penetra. A solidão vai tão fundo que é necessária a coragem. Mas dessa mesma solidão irrompe a bênção! Dessa solidão - a experiência de Deus. Não há outro modo; nunca houve, nunca haverá.

Celebrai a solidão, celebrai vosso espaço puro e um grande cântico há de brotar em vosso coração.

Um cântico de consciência, um cântico de meditação. Será um cântico de pássaro solitário chamando à distância - não chamando por alguém em particular, mas apenas chamando; por seu coração estar repleto ele sente o ímpeto de chamar; como a nuvem, estando repleta, tem o ímpeto de chover; como a flor, ao estar repleta, faz com que suas pétalas se abram e sua fragrância se liberte..... sem direcioná-la.

Deixai vossa solidão tornar-se uma extasiada dança.




‘Nollywood’ conquista a África.

Um acadêmico africano está bebendo café em um aeroporto de Gana quando percebe o filme nigeriano exibido em uma das telas do saguão. “Uma palhaçada! Um crime! Essas imagens imbecis nunca deveriam ser exibidas nesse país. Elas estão envenenando nossa cultura”, ele protesta. É difícil evitar os filmes nigerianos na África. Os ônibus públicos os exibem, assim como os restaurantes e hotéis. Nollywood, como o setor cinematográfico é conhecido produz cerca de 50 longas-metragens toda semana, fazendo dela a segunda indústria cinematográfica mais prolífica do mundo, atrás apenas de Bollywood, a gigantesca indústria indiana.

Comenta-se que Lagos, a capital nigeriana dos negócios, produziu mais filmes do que as estrelas que estão no céu. As ruas estão lotadas de equipes cinematográficas realizando filmagens. Apenas o governo emprega mais gente que o setor cinematográfico. Filmes nigerianos são tão populares no exterior quanto no país. Rebeldes da Costa do Marfim interrompem suas lutas nas florestas quando os carregamentos de DVDs nigerianos chegam. Mães na Zâmbia afirmam que suas crianças crescem aprendendo a falar com os sotaques da TV nigeriana. Quando o presidente de Serra Leoa convidou Genevieve Nnaji, uma estrela televisiva de Lagos, para se juntar à sua campanha, ele atraiu um público recorde aos seus comícios. Milhões de africanos assistem a filmes nigerianos todos os dias, um número muito maior do que os que assistem a filmes norte-americanos. E ainda assim, os africanos têm opiniões conflitantes com relação a Nollywood.

Entre as elites africanas, a hostilidade é comum. Jean Rouch, que promove a arte indígena no Níger, comparou Nollywood ao vírus da AIDS. Críticos culturais reclamam de “cenas macabras repletas de bruxaria” nos filmes. Os mais alarmistas descrevem os diretores e produtores como sacerdotes de vodu que enfeitiçam platéias em outros países. Eles reclamam da “nigerianização” da África, preocupados com a possibilidade de que todo o continente passe a “estalar os dedos como os nigerianos”. Os governos também têm seus momentos de hostilidade, e vários deles passaram a adotar medidas protecionistas, incluindo taxas astronômicas de produção. Em julho, Gana passou a cobrar mil dólares dos atores visitantes e US$ 5 mil de produtores e diretores. A República Democrática do Congo tentou banir os filmes nigerianos. Cinco décadas após a maior parte da África declarar independência, as elites do continente temem uma nova colonização, dessa vez, vinda de dentro. ”Os nigerianos devorarão tudo o que temos”, diz um ex-membro do governo de Gana.

Os magnatas de Nollywood não tentam negar sua influência sobre o continente – apenas a encaram como algo positivo. “Damos desenvolvimento e conhecimento à África”, diz Ernest Obi, chefe do sindicato dos atores de Lagos, durante um intervalo nos testes de elenco de uma legião de garotas adolescentes vestidas com roupas de baile. “Ensinamos coisas às pessoas. Se nos chamam de mestres colonialistas, é uma pena”.


Reconheça: Mario Reis.



Mario da Silveira Meirelles Reis nasceu no Rio de Janeiro em 31 de dezembro de 1907. “O mais carioca dos cantores” vinha de família rica, primo dos Silveira, donos da Bangu, famosa fábrica de tecidos da época. Freqüentador de Country Club e Jockey Club, os clubes elegantes da cidade, freqüentava também os morros, onde travou amizade com os grandes compositores negros como Sinhô e Donga.

Sua carreira foi curta, começou em 1928 com um 78 rotações com dois sambas de Sinhô. No início dos anos 30 formou dupla com Francisco Alves, com quem fez mais de vinte gravações, muitas delas históricas. Em 1936 afastou-se da carreira, voltando em 1939. De 1940 a 1951 afastou-se novamente. Em 1960 gravou seu primeiro LP, realizando a primeira gravação de duas composições de Tom Jobim.

Segundo os pesquisadores Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, ao romper com a tradição do bel canto italiano, que imperava até então, ele inaugurou um novo período na história do canto popular no Brasil, que passou a ser mais natural e espontâneo. Muitos o apontam como a grande influência de João Gilberto na criação da Bossa Nova, embora este cite Orlando Silva como sua grande inspiração.

Mario gravou 82 discos de 78 rpm entre 1928 e 1951. Posteriormente, 3 LPs com um total de 36 faixas. Muitas dessas gravações mais modernas foram regravações de seus sucessos antigos.
Mario Reis morreu no Rio em 5 de outubro de 1981.

A infinidade de amores na dor de existir [Nadiá Paulo Ferreira]

O discurso psicanalítico, ao investigar os fundamentos do amor, apresenta, de forma sistematizada, o que os poetas já sabiam: o encontro da verdade com o saber não decifra toda a verdade.

O desejo de saber o que o amor é esbarra com algo indizível. Assim, o que não pode ser dito e escrito converte o amor em “um mal, que mata e não se vê”, em “um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei por quê” (Camões). Amar e saber o que é amar são coisas diferentes. Amar é um acontecimento que nunca se esquece; é inventar sentidos para a existência no mundo. Saber o que é amar é impossível, porque “quem ama nunca sabe o que ama; nem sabe por que ama, nem o que é amar” (Fernando Pessoa).

Diante da impossibilidade de saber toda a verdade, fala-se de amor. Isso é o que vem sendo feito há séculos. Platão, em O Banquete, retrata os lugares do discurso: o do amante e o do amado. Jacques Lacan (1901-1981) baseia-se no amor grego para articular o par amante-amado com a estrutura do amor. Aquele que experimenta a sensação de que alguma coisa lhe falta, mesmo não sabendo o que é, ocupa o lugar de sujeito do desejo (amante); aquele que sente que tem alguma coisa, mesmo não sabendo o que é, ocupa o lugar de objeto (amado). O paradoxo do amor reside justamente no fato de que o que falta ao amante é precisamente o que o amado não tem. Se Eros nasce de uma aspiração impossível, que é de dois fazer um, o ser humano inventa o mito do amor, sustentado na promessa de felicidade. E, enquanto isso não vem, o bem se transforma em mal, inaugurando uma escola de amor infeliz.

Freud e a teoria da sexualidade humana

Em O Mal-estar na Civilização, Sigmund Freud (1856-1939) adota a versão do amor que se encontra no poema “Sobre a Natureza”, do filósofo grego Empédocles (490-430 a.C.): Eros é uma força que tende para a unificação. Em As Pulsões e Suas Vicissitudes (traduzido em português por Os Instintos e Suas Vicissitudes), Freud cria o conceito de pulsão para construir uma teoria da sexualidade humana: as pulsões são os representantes psíquicos de estímulos internos, situando-se no limite entre o psíquico e o somático, e apresentam-se divididas em pulsões sexuais e pulsões do eu (pulsões de autoconservação).

As pulsões sexuais (oral, anal e genital), constituídas por quatro elementos (impulso, fonte, alvo e objeto), passam por quatro processos de transformação: reversão a seu oposto, retorno em direção ao próprio eu, recalque e sublimação. A reversão a seu oposto caracteriza-se pela transformação do amor em ódio. Essa metamorfose se refere a um tempo arcaico, regido pelo autoerotismo (narcisismo primário), o qual é dividido em duas fases. Na primeira fase, as pulsões do eu e as pulsões sexuais têm o mesmo alvo, porque ainda não se separaram: é a satisfação autoerótica. Sob o domínio do princípio de prazer, constitui-se um eu primitivo, interessado pelo que lhe dá prazer e desinteressado do que lhe dá desprazer. Essa indiferença, nomeada de “repúdio primordial do eu narcísico”, inaugura o ódio.

Na segunda fase, o eu da realidade, transformado em eu do prazer purificado, realiza a distinção entre o fora e o dentro pela via da fantasia: o que causava desprazer e era odiado é expulso do próprio corpo, passando a constituir, então, o campo dos objetos; o que causava prazer passa a ser amado e, como tal, incorporado ao próprio corpo (eu do prazer). É importante ressaltar que a precedência do ódio sobre o amor está diretamente ligada às suas fontes: o ódio nasce sob o domínio do princípio de prazer e o amor inaugura-se no momento em que se constitui a pulsão. Do acoplamento do amor ao ódio resulta a marca primordial do amor, a ambivalência (amor/ódio).

Em Sobre o Narcisismo: uma Introdução, Freud aborda o amor a partir da escolha de objeto. Todo ser humano tem dois objetos sexuais: ele mesmo e aqueles que desempenham as funções de alimentação e de proteção. Em função disso, temos duas escolhas: narcísica e anaclítica. Na escolha narcísica, ama-se o que se é, o que se foi ou o que se gostaria de ser. Aqui, o objeto é amado com a mesma intensidade que outrora o eu do prazer fora amado no autoerotismo. Na escolha anaclítica, ama-se a parte do eu que foi renunciada e transferida para o objeto, fazendo com que o objeto seja revestido das funções materna e paterna: a mulher que alimenta ou o homem que protege.

Freud retoma, em Psicologia de Grupo e Análise do Ego, a escolha do objeto amado pelos mecanismos de idealização e de identificação. A idealização caracteriza-se pelo engrandecimento do objeto e a identificação pela forma mais arcaica de laços afetivos com o objeto. Na idealização, o intenso investimento do eu no objeto implica não só o empobrecimento desse eu, mas também a sua ligação com o objeto, mesmo depois da perda ou do abandono.

A separação é vivida como dilaceração, fazendo com que o eu experimente a dolorosa sensação de que uma parte de si mesmo foi arrancada para sempre. Por sua vez, na identificação, a perda ou o abandono do objeto conduz à incorporação de suas propriedades pelo eu. Assim, na idealização, o objeto é colocado no lugar do ideal do eu, e, na identificação, o objeto é colocado no lugar do eu. Na idealização, ingressamos no reino da paixão, onde o amante, encantado pelo objeto amado, é levado à servidão sem limite. Na cegueira da paixão, o enamorado pode inclusive ser arrastado ao impulso do crime. A perda do objeto da paixão converte o amor em ódio, fazendo com que o desejo de posse se transforme em desejo de destruição.


Lacan e o amor como paixão e dom ativo

Lacan, em seu projeto de retorno à obra de Freud, faz questão de enfatizar que é preciso distinguir entre o amor como sentimento da paixão e o amor como dom ativo. O amor como paixão inscreve-se no plano das relações imaginárias, nível das relações especulares, em que as imagens do eu e do outro se confundem. O amor como dom ativo inscreve-se no plano das relações simbólicas, dimensão da palavra, cujo registro é o da verdade, da mentira, da equivocação e do erro. A paixão visa ao outro como objeto e o amor visa ao outro como sujeito.

Na paixão, exigem-se provas de amor. Mesmo que as provas sejam dadas, nunca o apaixonado se dá por satisfeito, porque não se trata de ser amado, mas, sim, de querer ser amado do modo pelo qual se imagina que se deva ser amado. Qualquer particularidade do outro amado tem de ser apagada para que se mantenha a fantasia de que de dois se faz um. Lágrimas são derramadas pelo que deveria ter sido e não foi. O fracasso de um sonho torna-se a causa do sofrimento de amor, o qual se transforma em ódio de si mesmo e do outro. Na paixão, amar é querer enviscar-se no objeto, capturando-o; odiar é querer desvencilhar-se do objeto, aviltando-o. Lacan afirma inclusive que “o ódio não se satisfaz com o desaparecimento do adversário”.

Não basta o exílio, a prisão, o assassinato; é preciso a injúria para denegrir o ser do outro odiado. Se não se pode eliminar a existência do outro odiado na linguagem, o caminho da difamação é a via pela qual se tenta associar um nome à indignidade e à vilania. Um terceiro elemento é acrescentado ao par amor-ódio: a ignorância. O desejo de não querer saber está para a paixão assim como o desejo de querer saber está para o amor. O amor como dom ativo está para além da fascinação imaginária, porque se dirige ao ser do outro em sua particularidade. Trata-se de um amor que se inscreve no regime da diferença, onde dois não fazem um, mas dois.

No Seminário 4: a Relação de Objeto, Lacan aborda outra modalidade do amor, aquele concebido como recusa do dom e situado em torno do que o objeto amado não tem. Três elementos entram em cena: amante, objeto amado e para além do objeto. O que se ama está para além do objeto. E o que estaria nesse além senão a própria falta? Justamente por isso, Lacan diz que o dom dado em troca não é nada: “o nada por nada é o princípio da troca”. Na dialética da recusa do dom, o sujeito sacrifica-se para além daquilo que tem. Então, amar é dar o que não se tem, e o acento está no amor, não no objeto amado. Esse acento comparece no amor cortês (o trovadorismo dos séculos 12 e 13), na concepção barroca de amor, em Fernando Pessoa etc. O que se ama é o próprio amor.

Lacan introduz, ainda, no Seminário 11, o conceito de sujeito-suposto-saber (SsS) no amor de transferência: “Desde que haja em algum lugar o sujeito-suposto-saber, há transferência”. A introdução de um sujeito-suposto-saber no amor de transferência não modifica a sua estrutura, que é a mesma da paixão. Por isso, ao amar alguém, suponho um saber; ao odiar a alguém, suponho um não saber (o saber que está em jogo é um saber sobre o desejo).

Há uma infinidade de amores. Mesmo assim, o amor não é a panaceia para a dor de existir, inclusive porque, como nos ensina um poema do século 16 atribuído a Camões (“Amor É Fogo que Arde sem Se Ver”), como se pode esperar paz, harmonia e felicidade nos corações humanos, “se tão contrário a si é o mesmo amor”?



A patriota, Glauco Mattoso.

Ela é bem gostosa. Tem trinta e tantos mas passa por vinte e poucos, com boa vontade. Não falta nada pra quem gosta de redondezas e fofuras. Sobra um pouco pra quem gosta de peito que cabe na mão. Pra dona da butique do Itaim Bibi, ela não tem classe nem a 50 metros. Pros donos de botecos do Itaim Paulista, a meio quilômetro ela é mais que classuda, é comível. E mora no pedaço.


Mas tem dono. É casada com um cara fechado, que os outros respeitam mais pelo que ameaça calado que pelo que faz ou diz. Quem diz é a vizinhança, agora que a situação arrochou e ela teve que começar a trabalhar fora, pra reforçar o orçamento. Juram que ela foi avistada em outras companhias, na ida ou na volta do trampo. Na verdade a companhia é um só, aliás mais feio que o marido traído, embora regule com ele em tudo o mais, altura, peso, idade e tamanho do pau. Mais feio por causa dum bigode mal aparado, caído nos cantos. A traição até que é discreta pros padrões suburbanos. O outro a acompanha até em casa na volta do trampo, fica um pouco e cai fora antes da volta do marido. Este já desconfia desde o começo, não por causa de avisos ou fofocas, mas pelo comportamento dela na cama e pelos papos daquela hora.

Agora vamos ao dilema do cara. O qual tem muito mais a esconder que a mulher. Já foi bandido, e perigoso. Matou, roubou, quase chefiou quadrilha, mas foi único sobrevivente de guerra com a polícia, capturado, torturado, preso, foragido, procurado. Tudo isso noutro Estado e noutra década. Resolveu começar vida nova, mudar a identidade. Conseguiu despistar todo mundo com documentos falsos, cara diferente (sem bigode), nome de paz. Acha que compensou. Agora é só não se meter em encrenca, não ser fichado de novo, que o velho delinqüente fica esquecido.

Mas nessa de apagar o passado ele vai fermentando uma paranóia, fruto dum cagaço subterrâneo, germinado desde o tempo de assaltante. Matou, é verdade, mas morrendo de medo de morrer. Sempre foi assim. O que pros outros parecia coragem era desespero. Agora o medo vem da lembrança somada com a esperança de que ninguém descubra, a começar pela mulher. Pra isso ele a trata com respeito, não faz tudo que gostaria na cama, ou pelo menos não do jeito que gostaria.

Mete por trás e põe pra chupar, mas com modos, pedindo em vez de mandar, tomando cuidado pra não machucar. Ela corresponde ao tratamento, mas com o tempo a coisa vai ficando meio indiferente. Falta entusiasmo. Isso aparece nos papos, justamente agora que ela começa a trabalhar fora. Não demora e a relação vai pro brejo. Ele deixa claro que desconfia e ela não esconde que não tá satisfeita. Mas falta o flagra.

Pra precipitar as coisas, o outro se insinua como amigo do casal, a pretexto de ser colega de trabalho da mulher. O marido assina atestado de corno manso quando concorda tacitamente que o outro a traga até em casa. A partir daí, é questão de tempo pro desfecho. Ou ele vira corno berrante e lava a honra ou perde a mulher pro outro.

O estopim é algo que ela diz pro marido, tipo "Você não chega aos pés do Fulano, não serve pra engraxar o sapato dele." e algo que o outro disse pra ela e ela repete pro marido: "Ele falou que você não é homem pra mim...". Ele reage, é claro, mas só de boca, com ameaças. Ela faz pouco caso. A essa altura a cama tinha ido pro espaço.

Ele já começa a se apavorar com o rumo da situação, mas pra não entregar tudo de bandeja resolve tirar satisfação com o outro. Ainda trabalha com a chance de que ela esteja inventando pra lhe fazer ciúme, ou que seja verdade mas o outro recue se for chamado às falas. Mas não só não recua como confirma descaradamente: "Falei pra ela e repito na tua cara: Tu não é homem pra ela.". E acrescenta mais: "Ela mesma já confessou que tu não serve pra me engraxar o sapato..." -- e mostra o sapato usado, mas permanentemente lustroso, sua segunda mania (a primeira era o bigode torto). O marido tenta retrucar na base da ironia, depois se faz de sério e parte pra mais um pouco de ameaça. Mas essa de "da próxima vez vai ter" não cola, a moral já era.

Passa a noite em claro (enquanto ela ronca) equacionando o dilema. Se chama o cara pra briga, vai apanhar e fugir da raia, o vexame vai ser pior. Se atirar na mulher, no outro, ou nos dois, vai ser fichado de novo, e nem a honra poderá livrá-lo da cadeia pelos outros crimes que virão à tona. Além disso, vai ser fogo. Ter que abrir mão da sua privacidade pra dar entrevista pro Gil Gomes no "Aqui Agora". Que fazer? De duas uma: ou larga tudo e some, ou se sujeita. Sumir significa ter que começar de novo, e talvez ser pego. Se sujeitar pode ser barra, mas dá tempo de pensar em outra solução, ou de esperar que a sorte mude e o cara resolva deixá-los em paz, ou ela se arrependa. Uma alternativa se desdobra em outras. É só excluir as piores hipóteses. Isso na cabeça dele. Pois na dela a última coisa que passa é voltar atrás. Pra ela a aventura tá começando, as perspectivas são excitantes, e o marido merece mesmo uma lição.Afinal, ela sempre quis que seu homem fosse mandão, exigente, convencido, sacana. O outro era tudo isso, e ela gozava como nunca. A humilhação do marido é um tempero a mais nessa gororoba: sabor de desforra pelo tempo que esperou pra ter prazer total. Isso ela fala na cara do marido, quando ele, no dia seguinte, antes de sair pro trabalho, dá o braço a torcer e admite que ia propor ao outro um acordo.

Quando volta do trabalho (faz cagada no serviço, leva chupada do superior), a mulher e o outro já estão em casa jantando. O outro nem espera que ele participe do rango. Vai se antecipando e impondo condições: "Tua mulher não é mais tua, cara. Ela já me contou que tu tá pedindo arrego. Pra mim não faz diferença. Se tu quisesse engrossar, ia ser pior. A gente já tinha combinado até acabar com a tua vida, se precisasse. Se tu prefere facilitar as coisas, melhor pra todo mundo.
Fica aí no teu canto e não chia, que a gente fica numa boa. Senão, conheço gente que pode ajustar umas continhas com a tua pessoa, cara."

Ele já tá arrasado e ainda leva um susto. "Que contas? Tem mais gente nisso?"

O outro: Por enquanto não tem, mas tenho amigo aí nas bocas que pode me dar uma mão. Uma mão branca, sabe como é? (Ele nem ousa perguntar se os amigos são da lei ou fora. Não faz mesmo diferença. Pode ser blefe, mas o caldo já entornou. Sem querer (querendo), o outro lhe pôs o dedo na ferida da paranóia. Ele atira a toalha.)

Ele: Tudo bem, cara. Não precisa nada disso. Se eu não sirvo mais pra ela, não vou ficar no caminho de vocês. Se eu tivesse pronde ir, saía já. Mas não posso largar tudo, emprego, casa...

O outro: Problema seu. A casa agora é nossa, e ela não vai ficar cozinhando e lavando pra você.
(Antes era tu, agora é você)

Ele: Não, não, eu faço tudo, eu sei me virar.

O outro: É, mas se quiser ficar vai ter que fazer também pra ela e pra mim. Isso ela já me falou que faz questão.

Ela: É isso aí, pra ficar vai ter que trabalhar pra nós. (Aparteia pra mostrar que tá sintonizada com o amante. Ele abaixa a cabeça e seu olhar vai cair bem no sapato lustroso do outro.)

Ele: Tudo bem, vai ser do jeito que vocês quiserem. (O outro ri com um lado do bigode, balança a perna cruzada, mexe o pé dum lado pro outro. E dá o golpe de misericórdia.)

O outro: E tem mais. A partir de agora durmo aqui quantas vezes quiser. Hoje, por exemplo, vou passar a noite com ela, e não quero você por perto, tá entendendo?

Ele: Eu posso dormir na sala...

Ela interrompe: Nada disso. Na sala pode atrapalhar. Vai dormir no quartinho! (Ele não discute. O quartinho fica no quintal, é uma edícula ridícula que serve de despejo. Vai ter que mudar uns troços de lugar, desenrolar um colchonete. Mas antes de trancar por dentro a porta da cozinha/dos fundos (lhe deram tempo de mastigar umas sobras e lavar a louça), ela se empolga com o próprio sadismo. Tem uma idéia, e vem trazendo o par de sapatos do outro, que já tava de chinelo (o chinelo do marido) vendo televisão.)

Ela: Toma, pega esse sapato e devolve amanhã, en-gra-xa-do, tá ouvindo? Assim você mostra que serve pralguma coisa. É bom pra passar o tempo. E não pensa em sacanagem, viu? (Ela ri, mas a gargalhada do outro se escuta mais alto lá da sala. Ele se fecha no quartinho, passado de vergonha. O pior não foi eles se trancarem. O pior é que ela falou sério, porque é no quartinho que fica o material de limpeza, inclusive graxa e flanela. Tudo bem, ele não vai mesmo conseguir dormir. O jeito é não contrariar os dois. Trata de passar a graxa, a escova, o pano. Enquanto segura um pé de sapato, examina bem o tipo, o tamanho, a cor. É um modelo social barato, preto, já deformado pelo uso, mas conservando algum brilho. Tamanho 41, o mesmo seu. Põe-se a divagar: se é verdade que o pé é proporcional ao pau, então o do outro é igual. Não dá pra entender o que foi que ela viu naquele vagabundo. Não tem nada que ele não tenha. Lembra como foi bom no começo, como ela gostava que ele lhe lambesse o peitão, chupasse os bicos que nem neném. Será que o outro podia fazer melhor? Ou será que não é pelo que se faz, mas pelo que se diz enquanto faz? O cara deve ser um desbocado, um sujo, e ela, se não era puta, tinha vocação e tá se revelando agora. Tudo isso ele rumina mais com dor que com ódio, e sem tirar o olho do sapato, enquanto esfrega devagar, apalpando o contorno do solado. Uma lágrima cai no couro e ele de repente vislumbra uma hipótese a mais: se matar. Mas pisca, deixa o olho clarear, encara o sapato em suas mãos e resiste ao pensamento mórbido: não, esse cafajeste não merece mais esse presente, e ela não vale tanto. Vamos viver e ver no que dá. Tem que ter um jeito. Mesmo porque, depois desta, o cara vai se esbaldar às custas dele, cada vez mais. A solução não pode demorar.

E não dá outra. Na manhã seguinte não há maiores incidentes. O marido faz o café, os outros se servem, o cara pega o sapato de volta, checa, faz cara de "dá pro gasto", calça e sai com a mulher. Ele também se manda antes que se atrase e complique sua situação na firma. Mas à noite, quando regressa, os outros ainda estão fora. Ele vai até o quarto. Olha a cama de casal desarrumada, confere os cheiros do ambiente, mas o cigarro do outro é mais forte e predomina.
Volta pra cozinha, prepara algo pra comer, janta só (faz tempo que não), depois fica andando pela casa sem conseguir se sentar nem pra mudar de roupa. Nisso eles chegam. Estão animados, bem humorados, e nem lhe dão atenção. Ele se dispõe a sair pro quartinho quando o outro bate palma.)

O outro: Ei, ei, onde pensa que vai?

Ele: Desculpa, eu não queria atrapalhar. Quer comer alguma coisa?

O outro: Comer, nós já comemos lá fora, e eu vou comer mais lá dentro daqui a pouco, né paixão?

Ela: Só. Que tal uma limonada? Tá calor. Ele faz pra nós.

O outro: Não, faz você. Enquanto isso ele vai dar um lustro no meu sapato, que pegou poeira. (Ela ri da idéia de ver o marido ainda mais humilhado, mas sobra uma pontinha de dúvida: o outro não podia mandá-lo fazer as duas coisas? O amante já ligou a TV e está acomodado no sofá, uma perna esticada e o outro pé apoiado na mesinha de centro, o degrau do salto encaixado na borda da mesa. O marido, calado, vem com a flanela, se abaixa e começa a passar no pé apoiado. Não ajoelhou, só apoiou um joelho no chão e o braço no outro joelho. Mas sua posição não agrada o amante.)

O outro: Sai da frente da tela. Abaixa essa cabeça. Tá com vergonha de ajoelhar? Agacha aí, porra. (Ele sente a cara esquentar de vergonha, chega bem perto do sapato, evita olhar na direção do outro pra não ver aquele bigode rindo. Mas ouve a risada da mulher, que acompanha a cena da cozinha, sem parar de espremer o limão.)

Ela: Puta, meu, que cena! Nunca imaginei meu marido se rebaixando tanto. Conta pra ele o que a gente fez na cama ontem!

O outro: Pra quê? Ele deve imaginar. Vai ver que nem dormiu pra ficar batendo punheta, fala a verdade! (O marido calado. Pra não ter que responder nada, ele se concentra mais na tarefa, procura mostrar afinco, não desvia o olho do sapato.)

Ela: É, vai ver que ele ficou com vontade de participar. Já pensou?

O outro: Nem pensar. Não faço suruba com corno.

Ela: Nem pra fazer ele de viado? Põe ele pra chupar a gente, faz ele assistir enquanto eu te chupo...

O outro: Nada disso. Corno e viado comigo não tem vez. Deixa isso de lado, que nós dois já temos muito que fazer. Se ele quiser virar viado, que se vire sozinho. Chupa o meu sapato, se quiser. (O marido quer sumir pelo chão adentro. Torce pra que os dois parem com aquilo/aquela tortura, e pra sua sorte a mulher já vem com a limonada. O outro se endireita no sofá, dispensa o marido, faz mulher sentar junto e o marido é convidado a se retirar pro quartinho. Já ia saindo, quando o outro se lembra.)

O outro: Antes, traz o chinelo e me tira o sapato e a meia. (Ele desata os cadarços com cuidado, desajeitado, encabulado com a cara de riso da mulher. Descalça um pé, depois a meia, põe dentro do sapato. Faz o mesmo no outro pé. Então percebe que a mania de lustro do cara não confere muito com o cheiro forte do pé suado, que o cigarro tinha disfarçado no quarto. Calça o chinelo no pé do cara e se levanta.)

Ele: Posso ir agora?

O outro: Pode. E leva o sapato pra passar mais graxa. Vê se tapa esse branco do bico. Acho que tá na hora de comprar um pisante novo. (O marido leva o par pro quartinho. Sua por todos os poros. Tira a roupa, se abana com a camisa, ajoelha no colchonete. Lhe vem um ódio da mulher, aquela abusada, um ímpeto de fazê-la engolir aquela arrogância fodendo-lhe a boca. Chega a ficar de pau duro imaginando se na posição do outro, enfiando-lhe o caralho até a garganta, aquela vaca, merece o macho que arranjou. Cai de bruços no colchonete, o sapato está no lugar do travesseiro. Ele desafia a própria desonra. Manda o desmando às favas. Mostra pra si mesmo que tira aquilo de letra, é a única saída. Olha o sapato bem de perto, cheira a meia, cheira de novo, mais fundo. Xinga-se a si mesmo. Corno. Viado. Foi isso que você conseguiu, panaca. Pega no sapato pelo calcanhar, aproxima o bico da boca, abre os lábios e deixa entrar o mais que pode, até a sola doer na língua. Depois tira fora, ofegante, olha com raiva, decidido a se vingar pelo novo e pelo velho, foda-se o futuro. Ele não sabe, mas ela costumava segredar pruma amiga: sua maior frustração é que nunca tinha tido o gostinho de ver dois homens brigando por sua causa.

O ano de 2011, por Maggy Harrison.

29 de dezembro - Marte quadrado Saturno

Esse quadrado aponta para um período em que aquilo que você deseja (Marte) se defronta com as regras do mundo ou pessoas em posição de autoridade (Saturno). Você pode seguir com seus objetivos ou simplesmente escolher outra opção. Não importa, o que vale é ficar alerta, pois esses atrasos podem ser benéficos para revisar suas intenções originais. Trabalhar duro é muito importante nesse período. No final da semana as coisas começam a se mover novamente.

29 de dezembro - Mercúrio retoma seu movimento direto

O último movimento retrógrado de Mercúrio chega ao fim justamente no final do ano! Desde que Mercúrio ficou retrógrado no dia 10 de dezembro você deve ter mudado de opinião sobre vários assuntos um milhão de vezes. Tomara que nesse período você tenha revisto velhos conceitos (Sagitário) e antigas ambições (Capricórnio), signos pelos quais ele transitou nesse movimento. Se você aproveitou o período, uma visão mais realista das coisas pode emergir e os próximos passos têm mais chance de serem bem sucedidos!

Feliz 2011

Segundo a numerologia pitagórica, 2011 é o número 4. Este número é ligado ao trabalho e às coisas materiais e concretas.Trata-se de um bom ano para quem busca estabilidade no relacionamento, pois fidelidade e comprometimento estarão presentes. Mas cuidado com a monotonia! Em termos profissionais e financeiros, o progresso deverá vir por meio da disciplina. Evite ousar ou fazer mudanças radicais!

A partir de 3 de fevereiro de 2011 começa, no Horóscopo Chinês, o ano da Lebre de Metal. O ano promete ser de equilíbrio e harmonia. A Lebre é pequena, não gosta de enfrentamentos, mas é muito ágil. O elemento metal dá energia e prosperidade. Atitudes com base no respeito entre as pessoas e busca por bem estar devem predominar.

O ano de 2011 será regido por Mercúrio, o planeta mais rápido do zodíaco, indicando um ano favorável a mudanças e para o dinamismo intelectual. No ano que se inicia, serão beneficiados o comércio, a comunicação e a rede viária. Os jovens terão seu espaço favorecido, assim como nossa capacidade de fazer amizades e trocar ideias e experiências. A educação básica poderá ser um tema de investimento maior nos países e também a discussão do papel dos meios de comunicação e a mídia livre.

Júpiter, o planeta da abundância, entra no signo de Áries em 22 de janeiro, exaltando a busca pela autoridade e pelo centramento.

Saturno permanece no signo de Libra, pedindo por justiça e respeito a todos os seres humanos. Continuam as cobranças por um compromisso maior com o outro e pela honestidade nos relacionamentos. Muitos podem se acabar e os iniciados nesse ano, assim como em 2010, exigem seriedade e aprofundamento.

A partir de 11 de março, Urano ingressa definitivamente no signo de Áries, permanecendo nesse signo até 2018. Em termos individuais, poderemos perceber que eventos inesperados poderão forçar-nos a mudar o rumo das coisas e de nossas escolhas e poderemos abandonar velhos padrões de comportamento que já não funcionam em nossas vidas.


Descanse em paz, Captain Beefheart.



Morreu, na semana do dia 17 de dezembro, Van Vilet, o Captain Beefheart. Van, Beefheart ou Don – chame-o como preferir – liderou, nos anos 60, a Magic Band e com ela lançou alguns dos discos mais influentes do rock daqueles anos de psicodelia, LSD, quebra de paradigmas e barreiras. O músico que mais tarde se dedicou a pintura, sofria de esclerose múltipla há aproximadamente duas décadas.


Entre os 12 discos que lançou entre 1967 e 1982, está Trout Mask Replica, de 1969, resultado de uma viagem em que Don viu uma menina na plateia transformar-se em um peixe. O disco, produzido pelo amigo de longa data Frank Zappa, ficou em 58º lugar na lista da Rolling Stone de maiores álbuns de todos os tempos. Sendo sabidas as excentricidades e saídas da linha de Beefheart, que enlouquecia os parceiros de banda com torturas psicológicas e comportamento errático, é irônico que Trout Mask Replica tenha saído pelo selo Straight (“careta”) de Zappa.

Palmas para Geraldo Pereira!



Geraldo Pereira (Geraldo Teodoro Pereira), compositor e cantor, nasceu em Juiz de Fora MG, em 23/4/1918, e faleceu no Rio de Janeiro RJ, em 8/5/1955. Chegou ao Rio de Janeiro em 1930, indo morar com o irmão mais velho no morro de Santo Antônio, na zona central da cidade. Terminou o curso primário e, adolescente ainda, já compunha sambas para a escola Unidos de Mangueira, hoje extinta. Logo fez amizades com os bambas do morro e aprendeu violão com Cartola e Aloísio Dias.

Aos 18 anos, deixou o morro para viver no subúrbio de Engenho de Dentro. Logo mudou-se para a Lapa, empregando-se na Prefeitura do Rio de Janeiro como motorista de caminhão de limpeza urbana, emprego que manteve por toda a vida. Passou a freqüentar os bares da cidade, inclusive o Café Nice, ponto de encontro de sambistas e da boêmia carioca. Com parceria de Nelson Teixeira, compôs o samba Se você sair chorando, gravado em 1939 em disco Odeon pelo cantor Roberto Paiva. Inscrita no concurso carnavalesco promovido em 1940 pelo D.l.P., a música classificou-se entre as finalistas.

Ainda em 1940, compôs, de parceria com Wilson Batista, o samba de breque Acertei no milhar, gravado na Odeon por Moreira da Silva. Por essa época vivia com Isabel, inspiradora de muitos de seus sambas, entre eles Acabou a sopa (com Augusto Garcez). Gravado em 1940 na Victor, marcou o início de sua amizade com Ciro Monteiro, que se tornaria um de seus mais fiéis interpretes e o principal divulgador de suas obras. Nos anos seguintes, diversas músicas suas foram gravadas por cantores de destaque: os sambas Falta de sorte e Pode ser? (ambos com Marino Pinto), foram gravados respectivamente por Araci de Almeida e Isaura Garoa, em 1941. Nos anos de 1942-1943, Odete Amaral, Moreira da Silva e o grupo Quatro Ases e Um Curinga lançaram composições suas. Em 1943 apresentou-se no programa Vesperal das Moças, na Rádio Tamoio do Rio de Janeiro. Durante essa época, fez amizade com Valdir Machado, que o incentivava a cantar e que se tornou seu parceiro. Fez algumas apresentações esporádicas na Rádio Nacional. Em 1944 participou do filme Berlim na batucada, de Luís de Barros, interpretando o papel do cabo Laurindo. Foi também em 1944 que conseguiu seu primeiro grande sucesso, com a gravação de Falsa baiana, por Ciro Monteiro. Inspirado na esposa do compositor Roberto Martins, incapaz de sambar com sua fantasia de baiana no Carnaval, o samba deu-lhe renome nacional.
Bolinha de papel, gravado pelos Anjos do Inferno em 1945, repetiu o êxito do ano anterior. Ainda em 1945, depois de aprovado num teste da Continental, o sambista estreou como cantor, interpretando os dois lados de um 78 rpm: Mais um milagre e Bonde de Piedade (com Ari Monteiro). O disco não alcançou sucesso e ele preferiu lançar suas criações seguintes por meio de outros cantores.

Em 1949, Blecaute gravou Que samba bom, um dos maiores sucessos de venda da década. Em 1950, o próprio compositor gravou Pedro do pedregulho, lançando-se definitivamente como intérprete de suas composições a partir de 1951, quando Ciro Monteiro se encontrava impossibilitado de gravar, por doença nos pulmões. Gravou o samba Escurinha (com Arnaldo Passos) na Sinter. Ainda no mesmo ano, tornou a compor em parceria com Wilson Batista, saindo pela Continental o samba Cego de amor, na voz de Deo.

Em 1952 participou do filme O rei do samba, de Luís de Barros. Interpretado por ele, a Victor lançou, em 1953, Cabritada malsucedida (com Jorge Gebara). O ano de 1954 marcou seu último grande sucesso: Escurinho, gravado na Todamérica por Ciro Monteiro. Participou ainda do espetáculo Clarins em fá, na boato Esplanada, em São Paulo, fazendo muito sucesso com seu samba Pau peroba (com Buci Moreira e Albertina Rocha). Nesse ano, registrou na Columbia suas últimas produções: Maior desacerto (com Silva Júnior e Ari Garcia) e Eu vou partir, título que parecia prever o fim prematuro de sua vida atribulada.

Em maio de 1954, aos 37 anos, encerrava uma carreira de grande sambista, e em muitos pontos inovadora. Após sua morte, diversas composições suas foram regravadas. Nos anos de 1960, João Gilberto regravou Bolinha de papel. Em 1971, Paulinho da Viola regravou Você está sumindo. Em 1980 foi lançado o disco Wilson, Geraldo e Noel, no qual João Nogueira interpreta composições de Geraldo Pereira, Noel Rosa e Wilson Batista, com Escurinha e Você está sumindo.
Em 1981, a gravadora Eldorado lançou o LP Evocação V, inteiramente dedicado ao compositor, interpretado por Elton Medeiros, Monarco e Jackson do Pandeiro entre outros. Sua música Se você sair chorando foi regravada nesse disco por um coro de oito cantores. No Carnaval de 1982, o compositor foi homenageado no enredo Geraldo Pereira, eterna glória do samba (de João Ramos Pacheco), da Escola de Samba Unidos do Jacarezinho.

Em 1990, Chico Buarque regravou Sem compromisso (com Nelson Trigueiro). Em 1995 foi lançado o livro Um escurinho direitinho: A vida e a obra de Geraldo Pereira, de autoria de Luís Fernando Vieira, Luís Pimentel e Suetônio Valença (Relume-Dumará, Rio de Janeiro). Em 1996, Zizi Possi cantou Escurinha em seu show e, em 1997, Gal Costa regravou com grande sucesso o samba Falsa baiana, em seu CD Acústico MTV (BMG/RCA).

Renata Brant comenta: “Megh Stock ou Luxúria?”


Assisti ontem a entrevista da Megh Stock e Luciano Dragão, no programa Domínio MTV, apresentado pela Luisa. Para minha surpresa, a Luxúria não vai ser mais Luxúria. E era exatamente essa questão, que a VJ colocava para os entrevistados.

Segundo a Megh, a banda passou por um “amadurecimento”, que soa até um pouco clichê, por isso uso as aspas, e em conseqüência disso, as composições também mudam, mas a identidade é a mesma. A cantora, ainda afirma, que a formação continua igual, tanto que o Dragão, baixista da banda, estava presente no programa. Ele, inclusive, é o produtor do próximo disco do Luxúria. Ops! Agora, é Megh Stock.

Diante dessa novidade, que a Luxúria deixa de ser Luxúria, para virar Megh Stock, me pergunto: porque mudar o nome? Se a banda, a identidade e a sonoridade são as mesmas! É certo, que em um segundo disco, o amadurecimento surge, vide o disco “Bloco do Eu Sozinho”dos Los Hermanos. Não quero comparar Luxúria com os Hermanos, até porque são bandas com sonoridades extremamente opostas. Mas, o que quero observar é o fato da troca do nome Luxúria para Megh Stock.
Já pensou, que daqui pra frente, todas as bandas que amadureçam, troquem de nome? Daí Arctic Monkeys deveria ser chamar Alex Turner, Radiohead deveria ser Thom Yorke, ou ainda, OASIS deveria ser Gallagher Brothers.

Quanto ao segundo disco da Luxúria, confesso que ainda não digeri bem essa repentina mudança, estou ansiosa para ouvir! Aliás, uma banda que se chama Luxúria, com certeza, tem muito há dizer. Ops! Agora, é Megh Stock! Que pena, pois Luxúria era um tanto que provocativo.

Constituindo: Julio Medaglia.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Natal: ver com os olhos do coração, Leonardo Boff.

Somos obrigados a viver num mundo onde a mercadoria é o objeto mais explícito do desejo de crianças e de adultos. A mercadoria tem que ter brilho e magia, senão ninguém a compra. Ela fala mais para os olhos cobiçosos do que para o coração amoroso. É dentro desta dinâmica que se inscreve a figura do Papai Noel. Ele é a elaboração comercial de São Nicolau – Santa Claus - cuja festa se celebra no dia 6 de dezembro. Era bispo, nascido no ano 281 na atual Turquia. Herdou da família importante fortuna. Na época de Natal saia vestido de bispo, todo vermelho, usava um bastão e um saco com os presentes para as crianças. Entregava-os com um bilhetinho dizendo que vinham do Menino Jesus.

Santa Claus deu origem ao atual Papai Noel, criação de um cartunista norte-americano Thomas Nast em 1886, posteriormente divulgado pela Coca-Cola já que nesta época de frio caía muito seu consumo. A imagem do bom velhinho com roupa vermelha e saco nas costas, bonachão, dando bons conselhos às crianças e entregando-lhes presentes é a figura predominante nas ruas e nas lojas em tempo de Natal. Sua pátria de nascimento teria sido a Lapônia na Finlândia, onde há muita neve, elfos, duendes e gnomos e onde as pessoa se movimentam em trenós puxados por renas.

Papai Noel existe? Esta foi a pergunta que Virgínia, menina de 8 anos, fez a seu pai. Este lhe respondeu:”Escreva ao editor do jornal local! Se ele disser que existe, então ele existe de fato”. Foi o que ela fez. Recebeu esta breve e bela resposta:

Sim, Virgínia, Papai Noel existe. Isto é tão certo quanto a existência do amor, da generosidade e da devoção. E você sabe que tudo isto existe de verdade, trazendo mais beleza e alegria à nossa vida. Como seria triste o mundo se não houvesse o Papai Noel! Seria tão triste quanto não existir Virgínias como você. Não haveria fé das crianças, nem a poesia e a fantasia que tornam nossa existência leve e bonita. Mas para isso temos que aprender a ver com os olhos do coração e do amor. Então percebemos que não há nenhum sinal de que o Papai Noel não exista. Se existe o Papai Noel? Graças a Deus ele vive e viverá sempre que houver crianças grandes e pequenas que aprenderam a ver com os olhos do coração.

É o que mais nos falta hoje: a capacidade de resgatar a imaginação criadora para projetar melhores mundos e ver com o coração. Se isso existisse, não haveria tanta violência, nem crianças abandonadas nem o sofrimento da Mãe Terra devastada.



O dinamismo das cores em Joan Miró.

Em uma produção completa de vanguarda, o pintor espanhol Joan Miró conseguiu unir o sofisticado e o primitivo, a complexidade das formas e a simplicidade da natureza representada, em um conjunto artístico que teve sempre constante o contraste das cores, dos signos e das sensações. Mesmo que sua obra tenha passado por momentos e gêneros distintos, há nela uma conjunção orbital harmônica, uma sintonia de tonalidades, formas e temas circulares, que giram ad infinitum em torno da mesma problemática: a interação do ser com o cosmos, do homem com o mundo, através da expressão universal do pensamento e da criatividade: a arte.

Nascido em 1893, em Barcelona, seus primeiros desenhos guardados datam da primeira década do século XX, época em que ingressou na Escola Superior de Artes Industriais e Belas Artes de Barcelona, onde trilhou os primeiros passos de uma jornada de aproximadamente oitenta anos de dedicação à arte. Na década seguinte, estudou na Escola de Arte de Francesc Galí, através da qual interagiu de forma estreita com a arte de vanguarda produzida na época e, a partir desse contato, organizou as primeiras exposições com obras já marcadas pela inovação. Em 1920, esteve, pela primeira vez, em Paris, onde conheceu Pablo Picasso, André Masson, Pierre Matisse, André Breton, Tristan Tzara, entre tantos outros nomes da arte moderna, época em que pintou o célebre "Carnaval de Arlequim" (1924-1925).
O amadurecimento do artista, contudo, não se deu apenas com seu contato com artistas e novas técnicas, mas com as conseqüências da Guerra Civil Espanhola e, principalmente, da II Guerra Mundial. Assim, nas décadas de 1930 e 1940, intensificaram-se os traços e surgiram obras-primas como a série "Constelações". Prêmios acumularam-se na segunda metade do século XX e, em 1963, houve a exposição de sua obra completa no Museu Nacional de Arte Moderna de Paris, por ocasião de seus setenta anos. Entre as obras desse momento que se destacam estão "Azul II" (1961), "A lição de esqui" (1966) e "O ouro do azul" (1967), seguidas por "Maio de 1968" (1973) e "O jardim" (1977), entre inúmeras outras. Em 1975, foi fundada em Barcelona a Fundação Joan Miró, com a intenção de oportunizar ao público um espaço de referência à arte moderna e preservar a coleção do pintor catalão. Nela estão conservadas mais de 14.000 peças – uma verdadeira constelação de relíquias da modernidade. Em 1983, aos noventa anos, Miró faleceu na cidade natal, deixando o legado de uma paixão que o acompanhou por toda a vida.

Dentre as principais características de sua obra, estão o despojamento da linguagem pictórica, a ruptura completa com os valores da arte tradicional e a liberdade suprema de criação, elementos que bem explicam o rótulo a ele dado de gênio solitário da arte – Miró não pertenceu a movimentos, nutriu-se deles para produzir algo único, singular. Inicialmente, aproximou-se das técnicas fauvistas, passando, após chegar a Paris, a uma significativa influência de tendências dadaístas e surrealistas, momento em que começou a utilizar grafismos e valorizou ainda mais as cores primárias, pintando grandes universos em meio ao vazio, elementos que o acompanharam nas décadas posteriores. Do Dadaísmo, colheu a destruição das formas e a colagem; já do Surrealismo, buscou a incongruência dos traços e a mistura entre o real e o irreal, produzindo obras que causaram, ao mesmo tempo, espanto e surpresa. Mas Miró, ao nutrir-se das vanguardas européias, na primeira metade do século XX, foi além desses movimentos, criando técnicas próprias, que podem ser visualizadas como uma síntese entre a complexidade do mundo moderno e a candura da natureza. Ao final dos anos de 1950, começou a ser freqüente o extravasamento de cores nas telas, ora manchadas, escorridas, ora salpicadas, contrastando com o vazio. E, apesar da importância vital do preto, usado com abundância em seus trabalhos, a força suprema de toda a sua produção é a luz, em volta da qual sua arte gira astronomicamente.

Em 2005, Porto Alegre foi palco de uma exposição única: a abertura da temporada de Artes Visuais do Santander Cultural realizada com a Mostra Internacional Mirabolante Miró, pela qual o público pode confrontar-se com originais do artista espanhol que bem representaram seus signos, suas técnicas, suas cores preferidas, emanando força e simplicidade em combinações brilhantes. De acordo com um dos curadores dessa exposição, Fábio Magalhães, a força da poesia, que sempre o fascinou, adentra em sua plástica, e sua pintura é essencialmente lírica. (2005, p.27)

Como pesquisador da arte, Joan foi além da pintura, perpassando a gravura, o desenho, a escultura e a cerâmica e, em todos os percursos, agiu como poeta-artesão, experimentando minuciosamente o novo. Também produziu diversos livros ilustrados, a partir de textos de escritores como Jacques Prévert, Tristan Tzara, Jacques Dupin, René Char e, até mesmo, João Cabral de Melo Neto, para quem ilustrou a monografia sobre sua obra, publicada em Barcelona, em 1950. O preto e o branco, bases da sua produção, auxiliam na interpretação da dinâmica da natureza, contornando ou servindo de fundo a cores mais vivas, como o azul, o amarelo, o verde e o vermelho – as quais têm participação constante na arte de Miró. Cores que se aproximam da natureza primitiva, vinculada diretamente à vida camponesa, artesanal do interior da Catalunha, onde – mais especificamente em Mont-roig – a família tinha uma propriedade rural e Joan construiu seu principal ateliê. Ali o artista foi um verdadeiro jardineiro das cores, como ele mesmo definiu, buscando cultivar a liberdade de pensamento e de expressão: Trabalho como um jardineiro. [...] Mal começo a pintar uma paisagem, começo a amá-la com um amor que nasce de uma compreensão gradual. Lentamente, vou entendendo a imensa riqueza de nuances – uma oferenda concentrada, que é uma oferenda do Sol. (2005, p.26)

Miró criou um universo de símbolos que representaram não só uma época, mas o ser e o mundo em sua magnitude. Os ângulos pelos quais lançou seu olhar sobre a realidade provocam reflexões que ultrapassam o tempo histórico, perpetuando-se eternamente - característica que somente a grande arte possui: a de partir da experiência individual para projetar-se em dimensões planetárias, unindo assim tempos e espaços disformes. Através da descoberta, da criatividade e da ousadia, a técnica de Joan Miró pode ser percebida com um universo mágico, dotado dos mais variados elementos da natureza, construído pelas mãos e pela alma do criador.
por Cimara Valim de Melo

Jung diz:



"Assim, como o nosso corpo é um verdadeiro museu de órgãos, cada um com a sua longa evolução histórica, devemos esperar encontrar também na mente uma organização análoga. Nossa mente não poderia jamais ser um produto sem história, em situação oposta ao corpo em que existe. Por ‘história’ não estou querendo me referir àquela que a mente constrói através de referências conscientes ao passado, por meio da linguagem e de outras tradições culturais; refiro-me ao desenvolvimento biológico, pré-histórico e inconsciente da mente no homem primitivo, cuja psique estava muito próxima à dos animais.

Esta psique, infinitamente antiga, é a base da nossa mente, assim como a estrutura do nosso corpo se fundamenta no molde anatômico dos mamíferos em geral. O olho treinado do anatomista ou do biólogo encontra nos nossos corpos muitos traços deste molde original. O pesquisador experiente da mente humana também pode verificar as analogias existentes entre as imagens oníricas do homem moderno e as expressões da mente primitiva, as suas ‘imagens coletivas’ e os seus motivos mitológicos.

Assim como o biólogo necessita da anatomia comparada, também o psicólogo não pode prescindir da ‘anatomia comparada da psique’. Em outros termos, o psicólogo precisa, na prática, ter experiência suficiente não só de sonhos e outras expressões da atividade inconsciente mas também da mitologia no seu sentido mais amplo. Sem esta bagagem intelectual ninguém pode identificar as analogias mais importantes, não será possível, por exemplo, verificar a analogia entre um caso de neurose compulsiva e a clássica possessão demoníaca sem um conhecimento exato de ambos."

Equilibrando energias: Cabala.

A cabala é uma das mais antigas sabedorias espirituais existentes em nosso planeta. Este conhecimento ficou oculto durante milênios entre um reduzido número de sábios, mas agora começa a ser difundido para um número cada vez maior de pessoas. Recentemente, seu estudo vem se popularizando ao redor do mundo, atraindo inclusive diversas estrelas de Hollywood, tais como Madonna e Demi Moore.

O aprendizado profundo da cabala traz respostas para aquelas perguntas interiores que a maioria de nós já se fez ao menos uma vez na vida: Quem somos nós? De onde viemos? Quem é Deus? Por que morrer?

Segundo a cabala, o maior de nossos propósitos é o DESEJO. O desejo é nossa essência, aquilo que nos move e nos mantêm vivos. Existem desejos de todos os tipos: materiais, espirituais, de alegria, de solidão e muitos outros. Todos têm em comum a busca ininterrupta de PLENITUDE. A maioria das pessoas já teve um momento de plenitude (alguns chamam felicidade ou amor universal). Uma vez sentida não mais nos esquecemos dela. Diferentemente do prazer, que por maior que seja é temporário e muitas vezes vem seguido de frustração, a plenitude nos recarrega e nos move em direção à LUZ.

Sendo assim, o desejo de receber não representa nenhum problema ou empecílio para a felicidade. O problema reside no DESEJO DE RECEBER SÓ PARA SI. Imagine um equipamento de som. Ele recebe energia elétrica da tomada e gera som, que sai por suas caixas. O que irá acontecer se ele continuar a receber carga elétrica e não transformá-la em som? Certamente entrará em curto-circuito. O mesmo acontece conosco. Quando desejamos receber só para nós mesmos, mas não queremos compartilhar o que recebemos, entramos em curto-circuito e passamos a não receber mais nada.

A cabala nos ensina, então, que só existe um propósito para tudo que recebemos: COMPARTILHAR. É exatamente no equilíbrio destas duas energias primordiais, Desejo de Receber e Desejo de Compartilhar, que vamos encontrar a felicidade que tanto procuramos em nossas vidas.

Existem diversas ferramentas cabalísticas para encontrarmos o equilíbrio entre estas duas forças complementares: meditações, orações, estudo da árvore da vida, decodificação do Antigo Testamento.

Os cabalistas dizem que as 22 letras do alfabeto hebraico funcionam como um DNA da criação, e, combinadas da maneira apropriada, carregam um grande poder espiritual. Existem 72 seqüências especiais (72 nomes de Deus), para diferentes propósitos.


Mia Couto: “Sonha em casa”

Eu venho de muito longe e trago aquilo que eu acredito ser uma mensagem partilhada pelos meus colegas escritores de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. A mensagem é a seguinte: Jorge Amado foi o escritor que maior influência teve na génese da literatura dos países africanos que falam português.

A nossa dívida literária com o Brasil começa há séculos atrás, quando Gregório de Mattos e Tomaz Gonzaga ajudaram a criar os primeiros núcleos literários em Angola e Moçambique. Mas esses níveis de influência foram restritos e não se podem comparar com as marcas profundas e duradouras deixadas pelo autor baiano.

Deve ser dito, (como uma confissão à margem) que Jorge Amado fez pela projecção da nação brasileira mais do que todas as instituições governamentais juntas. Não se trata de ajuízar o trabalho dessas instituições, mas apenas de reconhecer o imenso poder da literatura. Nesta sala, estão outros que igualmente engrandeceram o Brasil e criaram pontes com o resto do mundo. Falo, é claro, de Chico Buarque e Caetano Veloso. Para Chico e Caetano, vai a imensa gratidão dos nossos países que encontraram luz e inspiração na vossa música, na vossa poesia. Para Alberto Costa e Silva vai o nosso agradecimento pelo empenho sério no estudo da realidade histórica do nosso continente.

Nas décadas de 50, 60 e 70, os livros de Jorge cruzaram o Atlântico e causaram um impacto extraordinário no nosso imaginário colectivo. É preciso dizer que o escritor baiano não viajava sozinho: com ele chegavam Manuel Bandeira, Lins do Rego, Jorge de Lima, Erico Veríssimo, Raquel de Queiroz, Drummond de Andrade, João Cabral Melo e Neto e tantos, tantos outros. Em minha casa, meu pai - que era e é poeta - deu o nome de Jorge a um filho e de Amado a um outro. Apenas eu escapei dessa nomeação referencial. Recordo que, na minha família, a paixão brasileira se repartia entre Graciliano Ramos e Jorge Amado. Mas não havia disputa: Graciliano revelava o osso e a pedra da nação brasileira. Amado exaltava a carne e a festa desse mesmo Brasil.

Neste breve depoimento eu gostaria de viajar em redor da seguinte interrogação: porquê este absoluto fascínio por Jorge Amado, porquê esta adesão imediata e duradoura?

É sobre algumas dessas razões do amor por Amado que eu gostaria de falar aqui.

É evidente que a primeira razão é literária, e reside inteiramente na qualidade do texto de escritor baiano.

Eu tenho para mim que o maior inimigo do escritor pode ser a própria literatura. Pior que não escrever um livro, é escrevê-lo demasiadamente. Jorge Amado soube tratar a literatura na dose certa, e soube permanecer, para além do texto, um exímio contador de histórias e um notável criador de personagens. Recordo o espanto de Adélia Prado que, após a edição dos seus primeiros versos confessou "eu fiz um livro e, meu Deus, não perdi a poesia..." Também Jorge escreveu sem deixar nunca de ser um poeta do romance. Este era um dos segredos do seu fascínio: a sua artificiosa naturalidade, a sua elaborada espontaneidade.

Hoje, ao reler os seus livros, ressalta esse tom de conversa intíma, uma conversa à sombra de uma varanda que começa em Salvador da Baía e se estende para além do Atlântico. Nesse narrar fluído e espreguiçado, Jorge vai desfiando prosa e os seus personagens saltam da página para a nossa vida quotidiana.

O escritor Gabriel Mariano de Cabo Verde escreveu o seguinte:

“Para mim a descoberta de Amado foi um alumbramento porque eu lia os seus livros e estava a ver a minha terra. E quando encontrei o Quincas Berro d'Água eu estava a vê-lo na Ilha de São Vicente, na minha rua de Passá Sabe.”

Esta familiaridade exisitencial foi, certamente, um dos motivos do fascínio nos nossos países. Os seus personagens eram vizinhos não de um lugar, mas da nossa própria vida. Gente pobre, gente com os nossos nomes, gente com as nossas raças passseavam pelas páginas do autor brasileiro. Ali estavam os nossos malandros, ali estavam os terreiros onde falamos com os deuses, ali estava o cheiro da nossa comida, ali estava a sensualidade e o perfume das nossas mulheres. No fundo, Jorge Amado nos fazia regressar a nós mesmos.

Em Angola, o poeta Mario António e o cantor Ruy Mingas compuseram uma canção que dizia:

“Quando li Jubiabá me acreditei Antônio Balduíno. Meu Primo, que nunca o leu ficou Zeca Camarão.”

E era esse o sentimento: António Balduino já morava em Maputo e em Luanda antes de viver como personagem literário. O mesmo sucedia com Vadinho, com Guma, com Pedro Bala, com Tieta, com Dona Flor e Gabriela e com tantos os outros fantásticos personagens.

Jorge não escrevia livros, ele escrevia um país. E não era apenas um autor que nos chegava. Era um Brasil todo inteiro que regressava a África. Havia pois uma outra nação que era longínqua mas não nos era exterior. E nós precisávamos desse Brasil como quem carece de um sonho que nunca antes souberamos ter. Podia ser um Brasil tipificado e mistificado mas era um espaço mágico onde nos renasciamos criadores de histórias e produtores de felicidade.

Descobríamos essa nação num momento histórico em que nos faltava ser nação. O Brasil - tão cheio de África, tão cheio da nossa língua e da nossa religiosidade - nos entregava essa margem que nos faltava para sermos rio.

Falei de razões literárias e outras quase ontológicas que ajudam a explicar porque Jorge é tão Amado nos países africanos. Mas existem outros motivos, talvez mais circunstanciais.

Nós vivíamos sob um regime de ditadura colonial. As obras de Jorge Amado eram objecto de interdição. Livrarias foram fechadas e editores foram perseguidos por divulgarem essas obras. O encontro com o nosso irmão brasileiro surgia, pois, com épico sabor da afronta e da clandestinidade. A circunstância de partilharmos os mesmos subterrâneos da liberdade também contribuiu para a mística da escrita e do escritor. O angolano Luandino Vieira, que foi condenado a 14 anos de prisão no Campo de Concentração do Tarrafal, em 1964 fez passar para além das grades uma carta em que pedia o seguinte:

“Enviem o meu manuscrito ao Jorge Amado para ver se ele consegue publicar lá, no Brasil...”

Na realidade, os poetas nacionalistas moçambicanos e angolanos ergueram Amado como uma bandeira. Há um poema da nossa Noémia de Sousa que se chama Poema de João, escrito em 1949 e que começa assim:

“João era jovem como nós João tinha os olhos despertos, As mãos estendidas para a frente, A cabeça projectada para amanhã, João amava os livros que tinham alma e carne João amava a poesia de Jorge Amado.”

E há, ainda, uma outra razão que poderíamos chamar de linguistica. No outro lado do mundo, se revelava a possibilidade de um outro lado da nossa língua.

Na altura, nós carecíamos de um português sem Portugal, de um idioma que, sendo do Outro, nos ajudasse a encontrar uma identidade própria. Até se dar o encontro com o português brasileiro, nós falavamos uma língua que não nos falava. E ter uma língua assim, apenas por metade, é um outro modo de viver calado. Jorge Amado e os brasileiros nos devolviam a fala, num outro português, mais açucarado, mais dançável, mais a jeito de ser nosso.

O poeta maior de Moçambique, José Craveirinha, disse o seguinte numa entrevista:

“Eu devia ter nascido no Brasil. Porque o Brasil teve uma influência tão grande que, em menino eu cheguei a jogar futebol com o Fausto, o Leonidas da Silva, o Pelé. Mas nós éramos obrigados a passar pelos autores clássicos de Portugal. Numa dada altura, porém, nós nos libertámos com ajuda dos brasileiros. E toda a nossa literatura passou a ser um reflexo da Literatura Brasileira. Quando chegou o Jorge Amado, então, nós tínhamos chegado a nossa própria casa.”

Craveirinha falava dessa grande dádiva que é podermos sonhar em casa e fazer do sonho uma casa. Foi isso que Jorge Amado nos deu. E foi isso que fez Amado ser nosso, africano, e nos fez, a nós, sermos brasileiros. Por ter convertido o Brasil numa casa feita para sonhar, por ter convertido a sua vida em infinitas vidas, nós te agradecemos companheiro Jorge.

Em pedaços: Zizi Possi.

Capítulo 1

Zizi tinha 7 anos quando se apresentou em público pela primeira vez. Era a festa de fim de ano da escola no Teatro Arthur Azevedo, em São Paulo, e todos os pais estavam sentados na plateia, a fim de ver o que seus pequenos haviam aprendido nas aulas de educação artística. Ao piano, tocou Beethoven: “Pour Elise”. “As meninas todas ficavam nervosas, choravam, tinham piriri”, lembra. “Eu não tive problema nenhum. Me senti tão à vontade…”

No ano seguinte, lá estava Zizi de volta àquele palco, sentada ao mesmo piano. Desta vez, escolheu uma partitura mais complicada: “Galope do Diabo”, de G. Ludovic. Foi muito bem até mais da metade da execução, mas, lá pelo meio da segunda parte, errou uma nota. E seu mundo desabou em choro. Continuou tocando, mas não conseguia segurar as lágrimas que explodiam sobre o teclado. Quando terminou, foi aplaudida pelos pais dos colegas, que nem sequer tinham notado o erro. Saiu emburradíssima para a coxia e a primeira coisa que fez foi pedir para a professora, dona Gracinha, deixá-la voltar ao palco e tocar novamente o número. Ela tinha errado e nada lhe doía mais do que aquilo.

“Hoje em dia, se eu estiver insegura em relação a um arranjo, fico tensa. Mas, quando entro em cena, rezo para Deus me proteger de mim mesma, da minha vaidade. Tenho de esquecer de mim mesma, parar de pensar se minha roupa está boa ou ruim. Quando fico nervosa é porque estou presa a alguma coisa do ego. Peço sempre para Deus me ajudar a não ficar nesse lugar, porque é um lugar muito desconfortável, onde todas as paranoias passam pela cabeça; a voz não sai direito, tudo trava”.

Capítulo 2

Em meados dos anos 1970, José Possi Neto, irmão mais velho de Zizi e hoje consagrado diretor teatral, foi convidado a dar aula na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. Aceitou e mudou-se imediatamente para Salvador. Como a relação dos dois sempre foi muito estreita, Zizi sentiu-se “meio manca” sem a presença constante dele. “Zé sempre foi pai, irmão mais velho, às vezes namorado’ não por nada sexual, mas pelo cuidado, carinho, atenção”, ela diz. Mas a separação dos dois não durou muito tempo. Zizi descobriu logo que a mesma universidade em que Zé Possi ensinava teatro tinha também uma das melhores escolas de música da América Latina. Nada mais conveniente. Prestou vestibular, passou e mudou-se de São Paulo, cidade natal, para a Bahia.

Nesse período, ela ainda acreditava que sua relação com a música se daria exclusivamente pelo piano. E talvez tivesse mesmo se tornado apenas uma instrumentista, não fosse o acaso. Como suas aulas terminavam cedo, Zizi ia para a escola de teatro esperar o irmão. Ficava lá com os atores, ensinando técnica de aquecimento vocal em um velho piano que havia no teatro. Foi se aproximando da turma e, quando se deu conta, já fazia parte do elenco. “Foi ali que minha voz começou a chamar a atenção das pessoas”, recorda. “A partir dos comentários dessas pessoas, minha afinidade com a música foi sendo levada para um lado que até então eu desconhecia: o do canto.”

Zizi costuma dizer que o piano foi seu maior professor de canto. Ela transferiu para seu aparelho vocal todas as noções de dinâmica e nuances de interpretação que usava no instrumento. Era, enfim, uma cantora. Ainda na Bahia, estreou seu primeiro show-solo, Taí. A boa repercussão rendeu um convite para gravar um programa inteiro na TV Aratu, uma emissora local. E a coisa ia bem quando, em 1977, José Possi ganhou uma bolsa de trabalho e se mudou para Nova York. Zizi lembra-se do dia em que foi levá-lo ao aeroporto: “Quando vi o avião sumindo no ar, entendi que minha vida estava por minha conta. Me deu uma solidão… E percebi que a Bahia já não fazia mais esse sentido todo para mim. Meu irmão já não estava mais lá e, profissionalmente, eu já tinha feito tudo que podia”. Vendo que não tinha mais para onde crescer, decidiu mudar de cidade. Próxima parada: Rio de Janeiro.

Capítulo 3

Mas por que o Rio de Janeiro? Zizi sabia que, se voltasse para São Paulo, teria, de novo, de morar com os pais. E, depois da vida livre que levara na Bahia, repressão era tudo que ela não queria naquele momento. Não conhecia nada do Rio de Janeiro. Chegando lá, foi morar em um apartamento com outras sete meninas, em esquema de vaga. Alugou lá seu colchão e ficou por cerca de seis meses. “Era interessantíssimo porque eu não tinha nada a perder; então era uma liberdade impressionante”, lembra. “Tinha de escolher se ia comer ou andar de ônibus. Então, comprava uma maçã e andava a pé.”

Sobrevivia, no começo, fazendo traduções do italiano para o português. Como ganhava por lauda traduzida, aumentava o número de palavras na versão em português para o cachê aumentar. Também fez backing vocal em shows do cantor Walter Queiroz – autor de “Filho da Bahia”, grande sucesso de Fafá de Belém dois anos antes.

Até o dia em que apareceu, debaixo da porta, um bilhete de Roberto Menescal, então produtor da gravadora Philips. “Olhei o bilhete e pensei: ‘Esse cara não é da bossa nova? Será que ele quer que eu também faça backing vocal para ele?”, conta. Como não tinha telefone em casa, foi ao orelhão da esquina. “Quando atenderam e a secretária disse ‘Philips, bom dia’, eu pensei: ‘Ué, o autor de ‘O Barquinho’ trabalha em uma loja de departamento?” Mas Menescal não estava precisando de uma backing vocal. Tinha visto o programa de Zizi na TV Aratu e queria contratá-la para gravar um disco. Ela só precisava ir à Barra da Tijuca, onde ficava a gravadora, para assinar o contrato. Um amigo emprestou o dinheiro do táxi.
Capítulo 4

Flor do Mal foi gravado em 1977 e lançado no comecinho do ano seguinte. “Cinco pessoas me disseram o que eu teria de gravar e eu só obedeci. Pediram um tango, eu cantei. Um rock, eu cantei. Mas, na real, o que tinha da Zizi ali? Apenas a função”, ela diz. “O disco não pintava o retrato da minha personalidade ‘até porque, àquela altura, nem eu mesma sabia o que era. Estava lá a serviço de cantar”.

Nenhuma das canções de Flor do Mal chegou a fazer grande sucesso. Ele só veio depois, e bem devagar. De Pedaço de Mim (1979), chamou atenção, além da faixa-título de Chico Buarque, a belíssima “Luz e Mistério”. Zizi Possi (1980) trazia “Meu Amigo, Meu Herói”, de Gilberto Gil, e versões em português para “Home Again”, de Carol King, e para “God Bless the Child”, de Billie Holiday e Arthur Herzog Jr. Um Minuto Além (1981) emplacou “Caminhos de Sol”, de Herman Torres e Salgado Maranhão, uma releitura menos roqueira de “Agora Só Falta Você”, de Rita Lee e Luiz Sergio Carlini, e “Engraçadinha”, de Tite Lemos e Sergio Saraceni.

O salto quantitativo começou em 1982, quando chegou às lojas o LP Asa Morena. Ali, Zizi começava a valer a pena ao bolso da gravadora. O trabalho seguinte, Pra Sempre e Mais um Dia (1983), deu prosseguimento à boa fase comercial da cantora. “Eu quis ser pop – muito”, assume. “Enquanto o mercado estava sendo abduzido por leis quantitativas, nós artistas estávamos respondendo a essas demandas acreditando que nosso valor artístico era numérico. Eu sabia que tinha uma direção: ou me tornava uma vendedora ou seria descartada pelo mercado. Então, quis sim ser uma grande vendedora. Quis sim ser popular. E fui. Até que, no final dos anos 1980, não aguentei mais esse pique. Nem era final de contrato, mas pedi pelo amor de Deus para sair.”

Capítulo 5

Ao mesmo tempo em que rompia com a gravadora, Zizi terminava também um casamento, inclusive profissional, com o compositor, produtor e guitarrista carioca Líber Gadelha – que rendera aos dois uma filha, Luiza. Não que a relação dos dois estivesse completamente deteriorada. “Eu sabia que estava me separando não por falta de amor, mas porque precisava de um espaço para mim, precisava de um par de ouvidos que me ouvissem com outra profundidade”, rememora. “Por um lado, tinha de sair daquele lugar. Por outro, estava deixando a pessoa que mais amava. Tinha me apaixonado por outro cara, mas sem a menor ilusão de me casar com ele. Sabia que isso era simplesmente uma carona pra sair da relação com Líber. E, no meio disso tudo, tinha uma filha pra criar. Achei que estava enlouquecendo. Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida.”

Zizi estava vivendo uma crise existencial profunda. Para piorar a situação, Líber descobriu, poucos meses depois, que estava com câncer. “Tem aquela história de que nada é tão poderoso a ponto de despertar o câncer numa pessoa. Mas dá uma culpa horrorosa. Entrei em parafuso”, conta.

A crise a levava a ficar acordada madrugadas adentro, fazendo passeios periódicos à geladeira. Abria latas de leite condensado, que tomava como se fosse Coca-cola, às vezes misturado com Ovomaltine. Engordou 17 quilos. Foi esse o passaporte, ela diz, para entender profundamente o que diz a música de Gonzaguinha “O que É, o que É”, e cantá-la da forma como canta. “O que é viver? A gente estava vivendo? Um diz uma coisa, outro diz outra. Mas como é isso? Fui fundo para entender que, seja lá o que signifique viver, os argumentos não interessam”, diz.

Foi quando decidiu voltar a São Paulo. Chegou à cidade com uma mão na frente e outra atrás, e a filha no colo. Foi quando surgiram três apresentações no Teatro Paiol, em Curitiba. “Eu chorava e ria, porque não tinha dinheiro pra pagar músico, mas tinha um novo começo”, diz. “Tinha uma Zizi se dando conta das perdas e do buraco, e outra entendendo que esse buraco era a subida pruma outra história”. Ali, foi reconstruindo a vida. Mesmo sem dinheiro para pagar os músicos antecipadamente, montou o show, que rendeu outros e outros. E um álbum – “talvez o mais importante de sua história: Sobre Todas as Coisas”.

Capítulo 6

A estética camerística de Sobre Todas as Coisas (1991), calcada em piano, violoncelo e percussão, regeu quase tudo que Zizi faria dali para a frente e vale até hoje. Ela não tinha mais o sucesso dos tempos de “Perigo”, mas ganhou prestígio. Gravou, na sequência, Valsa Brasileira (1993) e Mais Simples (1996), outros dois álbuns que davam prosseguimento ao conceito musicalmente sofisticado da nova Zizi.

Recontratada pela Philips (então rebatizada de Polygram), teve uma ideia um tanto ousada para o trabalho seguinte: produzir, acompanhada por uma grande orquestra, um disco de músicas italianas. O conceito seria o mesmo de uma ópera: uma história com começo, meio e fim, contada por meio das canções. “No meio da pesquisa do disco, pensei: “Estou louca! Isso não vai vender nada! São Paulo e Rio, até pode ser. Mas o que vão achar disso em Goiás? O que estou fazendo aqui? Tenho uma filha tem 12 anos que preciso terminar de criar!”.

Per Amore saiu no finalzinho de 1997, com direito a música na novela Por Amor, que Manoel Carlos escrevia para o horário nobre da Globo. Ninguém apostava muito no sucesso comercial do disco. Em crítica para a Folha de S.Paulo, Paulo Vieira terminou assim seu texto: “Na estapafúrdia hipótese de uma boa acolhida do disco pelas rádios, Zizi seria responsável pelo primeiro verão brasileiro em andamento de adágio”. A hipótese não era tão estapafúrdia assim. Zizi nunca vendeu tanto disco em toda sua vida.

Capítulo 7

Financeiramente, Zizi estava estabilizada. O sucesso comercial de Per Amore gerou outro álbum em italiano, Passione, logo no ano seguinte. E mais sucesso. Para não se aprisionar na personagem da cantora italiana, lançou na sequência Puro Prazer, em 1999, regravando, sobretudo, clássicos da música brasileira, acompanhada apenas de piano acústico.

Outra depressão invadiu sua vida depois do disco posterior, Bossa (2001). “Um dos meus irmãos estava quase morrendo. Quando ele finalmente saiu do coma e do risco de morte, eu relaxei e deprimi”, lembra a caçula de três irmãos. “Fiquei um tempão muito mal”. Para voltar à vida, precisou fazer um grande esforço. Foi ajudada pela música. Ela costuma dizer que o álbum Pra Inglês Ver… e Ouvir (2005) a curou. Trazia apenas canções em língua inglesa, como “Fly Me to the Moon”, “Moon River” e “Love for Sale”. “São músicas gostosas e aconchegantes. Eu não tinha muita energia em mim. Cantar músicas em português ou coisas intensas como ‘O que É, o que É’ estava fora de questão”, diz. “Os standards norte-americanos eram uma zona de conforto e de beleza. Fui melhorando, me relacionando melhor com os remédios, fui saindo dessa dependência química que é barra-pesada.”

Quase caiu de cama novamente quando Luiza, que já era uma mulher e construía sua própria história na música, resolveu sair de casa. “A síndrome do ninho vazio existe mesmo e é muito doido”, afirma. “É uma experiência de morte. E, recém-saída de uma depressão, vou te dizer que isso não foi muito confortável”. Ao mesmo tempo, Zizi viu na filha repetições de sua própria vida, relembrou a menina que se descobriu cantora na Bahia, a mulher que estourou nas rádios e viveu intensamente a vida no Rio de Janeiro, a cantora que passou por renascimentos inacreditáveis em São Paulo. E agora, finalmente, pode dizer, sem a doce ingenuidade que é concedida como um presente apenas aos jovens: “Eis aqui, eu toda!”.

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