Lindo e terrível, O Pianista é um filme redentor. O diretor Roman Polanski se redime com sua Polônia natal, voltando a filmar lá pela primeira vez em mais de 40 anos, e com sua infância e adolescência, já que ele mesmo viveu em um gueto polonês durante a guerra. A indústria do cinema se redime, indicando O Pianista a sete categorias do Oscar, incluindo filme, diretor e ator para Adrien Brody (embora Polanski corra o risco de ser preso caso decida ir aos Estados Unidos participar da cerimônia). Os nazistas se redimem, na figura do oficial alemão que ajuda o pianista judeu. Os judeus se redimem através da resistência e da morte heróica. Parece uma mensagem de esperança, mas para isso é preciso superar o horror que vem antes. Será que um final feliz é realmente tranqüilizante, será que basta? O roteiro é baseado na autobiografia de Wladyslaw Szpilman, que já era reconhecido como pianista quando o exército de Hitler invadiu a Polônia. O filme mostra desde as primeiras bombas sobre Varsóvia, em 1939, até o fim da Segunda Guerra. Nesse período, Szpilman é obrigado a morar com sua família no gueto, consegue escapar de ir para um campo de concentração e volta ao gueto. Ele colabora com o movimento que culminaria com o levante armado no gueto de Varsóvia, em 1943, quando os judeus resistiram por 20 dias até serem massacrados pelo exército alemão.Szpilman assistiu aos combates da janela do apartamento onde estava escondido, protegido por amigos poloneses (a pena para poloneses que ajudassem judeus era o enforcamento). Com o acirramento da guerra, o pianista é obrigado a abandonar os esconderijos e sobrevive, faminto e doente, no que sobrou de Varsóvia. Numa das mais belas cenas do filme, Szpilman entra em uma rua deserta, com prédios em escombros dos dois lados. A câmera se afasta e o homem vai ficando cada vez menor perto das ruínas. É isso que acontece com o personagem: a sobrevivência em condições cada vez mais miseráveis o degrada e desumaniza.Ele se torna humano novamente ao tocar piano para um oficial alemão. O militar o descobriu em um dos prédios abandonados que lhe servia de abrigo. Ao ouvi-lo executar uma balada de Chopin, o alemão não só poupa a vida do judeu como passa a ajudá-lo, levando comida e cedendo seu casaco. Com o fim da guerra, Hosenfeld, o oficial, tenta conseguir socorro de Szpilman, que não consegue localizá-lo a tempo. Hosenfeld termina em um campo para prisioneiros de guerra na então União Soviética. (Seus diários foram encontrados e acrescentados a edições recentes do livro de Szpilman).
Wladyslaw Szpilman escreveu seu relato logo após o fim da guerra, mas o livro foi então censurado pelo governo comunista da Polônia. Foi lançado em 1999, quando seu filho encontrou os originais, e republicou a obra, que foi traduzida para o inglês e imediatamente conquistou Polanski. O pianista morreu, aos 88 anos, em 2000.Polanski fez um filme que, assim como o livro, tem um tom sóbrio (provavelmente o mais sóbrio de sua carreira), sem dramatizar demais o que já é suficientemente dramático. A beleza da fotografia, das imagens cinzentas e meio desbotadas, quase passa despercebida diante do peso da história que é contada. Algumas frases de efeito ajudam a explicar esse clima: "Não corra, ande", diz o guarda que deixa o pianista fugir do trem que o levaria para o campo de Treblinka. Ou, ao fim da guerra, quando ele sai do esconderijo vestido no casaco do oficial alemão: "Por que então está vestindo esse casaco?". "Porque estou com frio". O ator Adrien Brody empresta a Szpilman um olhar melancólico e perdido, em que as emoções não podem fazer muito barulho para não serem descobertas.Se a dignidade e a generosidade do alemão Hosenfeld podem ser uma redenção, os judeus que colaboraram com o regime nazista, montando uma polícia para vigiar o gueto com métodos às vezes piores que os da Gestapo, são o outro lado da moeda. O filme também denuncia a corrupção entre alguns dos que diziam ajudar os judeus fugitivos. É a surda força dos vermes, em contraponto aos grandes sonhos dos homens (para citar Cecília Meireles).Então, podemos voltar à questão inicial, sobre o quanto de esperança e otimismo sobra dessas redenções. Acredito que muito pouco, tanto que essas histórias continuam sendo contadas, sobrevivendo a seus protagonistas e autores. Não só a mancha continua lá como o mundo parece caminhar para outra guerra e as intolerâncias crescem. Entre a morte heróica e o colaboracionismo inescrupuloso, a sobrevivência honesta é a exceção. O que sobra é o cinema de Polanski e a música de Chopin. A arte.
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