sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Mário Cravo Neto.

Nas fotografias de Mario Cravo Neto testemunhamos uma tentativa de recuperar para o tempo contemporâneo aquilo que seriam as palavras, o pensamento, e as ações humanas primordiais, numa constante junção entre arte e mito. Tal indicação deve-se à ligação forte do artista com todo o universo religioso afro-cristão existente na cidade onde reside, Salvador (Bahia).
Suas fotografias possuem, ao mesmo tempo, influências dos mitos religiosos do candomblé e da cristandade, e também do saber ocidental, como as pinturas rupestres, Brancusi, Pierre Verger, Faulkner, Ezra Pound e Carl Jung.

Recebe as primeiras orientações no campo do desenho e da escultura de seu pai, Mario Cravo Júnior (1923).
Acompanhando o pai, que participa do programa
“Artists on Residence”, patrocinado pela Ford Foundation, viaja para Berlim, em 1964. Nessa cidade mantém contato com o artista italiano Emilio Vedova (1919 - 2006) e com o fotógrafo Max Jakob.
Em 1968, muda-se para Nova York e estuda na Arts Students League, com orientação de Jack Krueger, um dos precursores da arte conceitual na cidade. Nesse período, realiza a série de fotografias em cores “On the Subway” e produz suas primeiras esculturas de acrílico. Retorna ao Brasil em 1970. Dedica-se então à fotografia de estúdio, cria instalações e realiza trabalho fotográfico com temática relacionada ao candomblé e à religiosidade católica.

O pequeno Demônio

Sujeitai-vos, portanto a Deus; mas resisti ao diabo, e ele fugirá de vós.
Tiago 4:7


Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em redor, como leão que ruge procurando alguém para devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos que sofrimentos iguais aos vossos estão-se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo.
1Pedro 5:8-9

Para que Satanás não alcance vantagem sobre nós, pois não lhe ignoramos os desígnios. 2Coríntios 2:11

Amados e preciosos irmãos, precisamos rejeitar todas as formas de medo. Satanás precisa ter base para poder trabalhar nos filhos de Deus. Ele não consegue trabalhar onde não tem base. Portanto, seu primeiro ataque visa ganhar uma cabeça-de-praia. Ele, então, nos ataca a partir daí. Portanto, não devemos dar-lhe nenhuma base. Esse é o caminho da vitória. Há uma área que pode se tornar a maior fortaleza de Satanás: o medo. Quando ele nos tenta colocar em aflições, a primeira coisa que faz é injetar medo em nós. Uma irmã muito experiente disse certa vez que o medo é o cartão de visitas de Satanás. Se você aceita o medo, Satanás entra. Se rejeita o medo, ele não consegue entrar.

Os pensamentos de medo são ataques de Satanás. Tudo o que você teme, certamente experimentará. Jó disse: “Aquilo que temo me sobrevém, e o que receio me acontece” (Jó 3:25). Jó experimentou o que temia. O ataque satânico no ambiente vem principalmente na forma de medo. Se resistir ao medo, as coisas que você teme não virão. Mas se permitir que permaneça, dará oportunidade a Satanás para fazer exatamente as coisas que você teme.

Portanto, para que os filhos de Deus resistam à obra de Satanás, a primeira coisa a fazer é rejeitar o medo. Quando Satanás coloca em você o medo disso ou daquilo, você não deve ceder a esse medo. Deve dizer: “Nunca aceitarei nada que o Senhor não tenha designado para mim!” Se uma pessoa se livra do medo, livra-se da esfera de Satanás. É isso que Paulo queria dizer com: “Nem deis lugar ao diabo” (Efésios 4:27).

Por que não precisamos temer? Não tememos “porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo” (1João 4:4). Se temos medo é porque ignoramos esse fato.


A religião da voz de Deus

Você é religioso?

Fui criado na igreja católica, mas não concordo com essa coisa do pecado e do inferno. Conheci o espiritismo e vivi uma experiência que me marcou. Fui num centro espírita e uma entidade me avisou que dali a três meses aconteceria algo que iria mudar minha vida. Em três meses estava no palco do Maracanãzinho, no Festival Internacional da Canção. Nunca imaginava estar lá porque fui inscrito à revelia por Agostinho dos Santos. Algum tempo depois conheci o candomblé. Estava com tonteiras quando Nana Caymmi arrumou uma mãe- de-santo para me dar uns passes. Ela me levou a uma cachoeira no Rio. E fez lá o trabalho, um negócio bonito, com velas e começou a cantar. Daria tudo para ter um gravador ali.

Teve outras experiências?

Fui batizado na igreja católica e no budismo. Em três ocasiões, uma no espiritismo e duas no candomblé me falaram: “Olha. Não adianta querer se esconder porque você vai ser dono de um terreiro”. Eu pensei: “Mas eu não sou preso a nada”. Aí um dia fui tocar no interior, num ginásio de uns cinco mil lugares. Na hora em que estava cantando apareceu uma luz passando na platéia e pensei: “Meu Deus! Como sou idiota. O meu terreiro é o palco, é o lugar mais sagrado que existe na minha vida”.

Chorar é bom!

A glândula lacrimal é capaz de produzir aproximadamente 500 ml de lágrimas em um ano. Estas, formadas por água, muco, lipídios, proteínas, magnésio, potássio, enzimas antibacterianas, dentre outros; têm sua composição levemente alterada quando são secretadas em momentos de choro, apresentando-se, por exemplo, ricas em manganês.

Nossa espécie é a única do reino animal capaz de chorar, sendo este evento diretamente relacionado ao nosso instinto de defesa e comunicação – basta nos lembrarmos do choro do bebê, indicando que algo não vai bem. Chorar pode expressar uma gama de sentimentos, dentre eles a tristeza, dor física, indignação, insegurança, medo - ou mesmo felicidade – externalizando-os.

Aproximadamente 75% dos homens e 85% das mulheres sentem-se melhor depois de chorar: e isso não é por um acaso. Em determinadas situações, nosso cérebro produz certas substâncias, como a prolactina, que ativam a ação das glândulas lacrimais. Esta, cujas concentrações aumentam em momentos de estresse, reduz novamente sua quantidade quando começamos a chorar; tal como a adrenalina. Este fator, aliado à liberação de substâncias como a leucina-encefalina, noradrenalina e serotonina, nos proporciona uma sensação anestésica e de calma, aliviando a angústia e liberando a tensão.

Reprimir-se em momentos adversos pode fazer com que o indivíduo, em longo prazo, desenvolva quadros de depressão; ou mesmo doenças psicossomáticas. Pressão alta, úlcera, e gastrite são alguns sintomas que podem surgir desta forma. Além disso, crianças que são educadas a reprimir o choro têm muito mais probabilidade de desenvolverem problemas de inibição emocional no futuro. Entretanto, fique atento: indivíduos nesta faixa etária tendem a utilizar o choro, também, como um instrumento de chantagem.



quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O QUE SEU CORPO FALA?

Na música “Carinhoso”, Pixinguinha sorri com os olhos. Já “Carolina”, musa de Chico Buarque, “guarda a dor de todo esse mundo” em seu olhar. Mas não é preciso ser poeta para perceber que mãos, posturas, gestos e olhares passam mensagens, às vezes contrárias às proferidas pela fala. E o mundo corporativo tem visto com cuidado a questão. Prova disso são treinamentos voltados para o aprimoramento da comunicação não verbal destinados a executivos.

A comunicação não verbal não é exata. Entretanto, os consultores ouvidos para esta matéria afirmam que alguns gestos geralmente possuem o mesmo significado. Confira alguns deles: - Cruzar os braços durante um diálogo passa ideia de superioridade e de não-envolvimento; - Importante mostrar feições condizentes com o que se está falando, ou seja, jamais contar uma boa notícia de cara amarrada; - Estalar dedos ou ficar mexendo em objetos enquanto conversa denota falta de comprometimento; - Apoiar o queixo ou o rosto com as mãos significa atenção; - Cruzar as pernas pode representar desconfiança ou dúvida; - Manter o corpo ereto demonstra segurança. Todavia, se a postura for exagerada, a segurança pode se transformar em arrogância.



A UNIVERSAL MÚSICA BRASILEIRA

Há na musicalidade brasileira um estilo simultaneamente brincalhão e desafiador, exibindo audácia e virtuosismo, isto de forma graciosa e, principalmente, interesseira, individualista e maliciosa. Trata-se de um gesto profundo, impresso já na gênese de alguns gêneros, como o choro. Por exemplo, no final do século XIX e início do XX, período de gênese do choro, o flautista, solista do grupo, usualmente era o único músico que sabia ler partitura, e sua performance era marcada por frases modificadas em relação ao original, como que desafiando seus acompanhantes a segui-lo (DINIZ, 2003). Alguns mecanismos e frases musicais revelam este lado brincalhão, isto de forma a exibir algum virtuosismo instrumental. De fato, trata-se de um conjunto de tópicas que chamarei de brejeiro. O brejeiro na musicalidade brasileira é brincalhão, difere do gesto que se entende por scherzando, por seu caráter menos infantil e mais malicioso e desafiador. A figura do malandro na cultura carioca e brasileira em geral alude a este tópico: o malandro que ginga com os pés, é esperto e competente (na ginga), desafiador (quem me pega?). A expressão musical deste caráter da brasilidade se dá através das tópicas brejeiro, que envolvem transformações musicais presentes, inicialmente, no choro. Os flautistas de choro e suas variações melódicas que desafiam seus acompanhantes a não se perder na música, alguns temas de Pixinguinha (o início e certas passagens de “Um a zero”), Ernesto Nazareth (“Apanhei-te cavaquinho”; aliás, este título expressa a brejeirice do cavaquinho). Muitas vezes está em jogo um tipo de “ataque falso” de nota, no qual um “deslize” cromático no agudo faz crer que houve erro, e no entanto se trata de uma transformação brejeira. Outras vezes, o tópico se manifesta mais na dimensão rítmica, como é o caso de certas “quebras” e deslocamentos irregulares que parecem brincadeiras rítmicas que, desafiadoramente (para os acompanhantes e ouvintes), atravessam os tempos como que brincando, sem se deixar perder.

Há um outro conjunto de tópicas, que estou designando “época de ouro”, no qual reinam os maneirismos das antigas valsas e serestas brasileiras, impera a nostalgia de um tempo de simplicidade e lirismo, de ruralidade e frescura. Um pouco do mundo lusitano está presente aqui, nas evocações do fado e na singeleza das modinhas. Como se fosse um mito, manifesta-se aqui um Brasil profundo, vindo do passado através de volteios e floreios melódicos (vários tipos de apojaturas e grupetos), padrões rítmicos (maxixe, polka, dobrado estilo “banda”) e certos padrões motívicos (escala cromática descendente atingindo a terça do acorde em tempo forte) que estão fortemente presentes no mundo do choro e em vários outros repertórios de música brasileira, tanto na camada superficial quanto em estruturas mais profundas.
Das “Valsas de Esquina”, de Francisco Mignone, a certos trechos de composições de Hermeto Pascoal, as tópicas época de ouro se apresentam com melodias em primeiro plano, em estilo cantabile, sempre com lirismo e nostalgia.

Outro conjunto de tópicas é o nordestino: a musicalidade nordestina é um recurso fortemente empregado na expressão da brasilidade (PIEDADE, 2003). Desde cedo este Nordeste profundo se apresentou musicalmente ao Brasil em diversos repertórios musicais. O baião e a escala mixolídia, usada mediante uma série de padrões, se tornaram índice da identidade brasileira, por exemplo, nas composições nacionalistas de Camargo Guarnieri e de outros compositores que se opunham ao atonalismo do movimento Música Viva dos anos 40.


A análise musical mostra que tópicas brejeiro, época de ouro e nordestino são articuladas de forma intensa em diversos repertórios da música brasileira erudita e popular.


Além deles, pode-se apontar para alguns outros conjuntos: a presença da musicalidade do jazz permeia várias esferas da música brasileira. Na investigação da chamada “musica instrumental”, ou jazz brasileiro, caminha-se em direção a um conjunto de tópicas bebop, de acordo como uso específico deste termo entre músicos brasileiros (ver PIEDADE, 2003, 2005); o universo afro-brasileiro constitui um conjunto de tópicas afro, presente nos batuques, lundus, jongos, etc.


Outros conjuntos a serem mencionados são: tópicas sulinas (envolvendo a música tradicional das terras gaúchas e gêneros musicais argentinos, uruguaios e paraguaios tais como guarânia, chacarera, milonga, tango, etc., envolvendo especialmente a superposição rítmica de 3 contra 2 tempos); tópicas caipiras (que evocam o mundo rural conforme a imaginação do Brasil do sudoeste e central, tendo a figura do caipira e seus duetos em terças e sextas paralelas, bem como os ponteios da viola caipira como referenciais mais evidentes); outros possíveis conjuntos a serem investigados: tópicas ameríndios (principalmente no uso de flautas nativas e de percussão do tipo “pau-de-chuva”); árabe (mais recentes, com a influência da world music, principalmente através de escalas e ornamentações); oriental (pentatonismo); experimental (especialmente na exploração timbrística); atonal (evocando um cultivo erudito de “vanguarda”); tropical (estratégias icônicas denotando as florestas e a exuberância tropical, como os pássaros em Villa-Lobos). A listagem certamente não se esgota aqui, dada a dimensão continental da musicalidade brasileira.


Acredito que na música brasileira, independentemente da oposição popular/erudito, uma retórica se faz presente, articulando tópicas que colocam em jogo identidades e referências culturais que constroem um universo musical entendido como brasileiro. Assim, creio que se pode levantar conjuntos de figurações que se apresentam tanto em Egberto Gismonti, Chico Buarque e Pixinguinha quanto em Villa-Lobos, Guerra-Peixe, Cláudio Santoro, entre tantos outros. Afirmo, portanto, o rendimento de investigações da dimensão expressiva da música brasileira, bem como da análise musical detalhada dos textos musicais deste vasto repertório, desta forma contribuindo para dissolver as fronteiras entre o mundo erudito e popular. A perspectiva retórica e a “teoria das tópicas” representam orientações de análise musical que superam o mero formalismo, ao envolver simultaneamente conhecimentos musicais e interpretações histórico-culturais. Desta forma, funcionam como via de acesso à significação e aos nexos culturais em jogo na música brasileira.



As Meninas [Lygia Fagundes Telles]


- Desde ontem ela não aparece. Telefonou dizendo que está na chácara do noivo.

- Noivo. A senhora me desculpe, Madre Alix, mas Ana é o produto desta nossa bela sociedade, tem milhares de Anas por aí, algumas agüentando a curtição. Outras se despedaçando. As intenções de socorro e et cetera são as melhores do mundo, não é o inferno que está exorbitando de boas intenções, é esta cidade. Vejo a senhora sair com outras senhoras bondosas dando sopinha aos mendigos. Bons conselhos, cobertores. Eles bebem a sopinha, ouvem os conselhos e vão correndo trocar o cobertorzinho pelo litro de cachaça porque o dia amanheceu mais quente, pra que cobertor? Tudo continua como na véspera com uma noite de demência a mais fornecida pelo donativo. Um padre nosso amigo foi ensinar catecismo à menininha de nove anos que o pai vendeu pro bordel e quase morreu de tanto apanhar do agregado da proprietária. Aprendeu a lição, ô se aprendeu. Caridade individual é romantismo, cheguei a essa conclusão não faz muito tempo. Agora ele funciona com a gente mas dentro de outra perspectiva. Nos esquecemos, nos descuidamos, diz Bela Akmadulina. E tudo caminha ao contrário.

Vou até a garrafa térmica e me sirvo de mais café mas queria um sanduíche. Presunto e queijo. Uma abelha se debate contra a vidraça e de repente seu zunido fica mais importante do que nossa fala. Mas de onde veio essa abelha numa noite dessas? Gostaria de escrever como ela faz mel. E quase me dobro num riso desatinado, era bem doidona a cigarra da fábula com suas cantorias mas a formiga de vassoura na mão não ficava atrás.


- Tinha tanta coisa que lhe dizer, filha. E já nem sei por onde começar. Essa sua política, por exemplo. Me pergunto se você está em segurança.

- Segurança? Mas quem é que está em segurança? Aparentemente a senhora pode parecer muito segura aí na sua redoma mas é bastante inteligente pra perceber do que essa redoma está lhe protegendo. Alguns padres romperam o vidro como aquele de que lhe falei. Por acaso estão em segurança? Não. Nem estão pensando em segurança quando se deitam no colchão sem travesseiro ou quando rezam suas missas num caixote feito altar.


Ela sorriu. Um sorriso triste que me arrependi de provocar.


- Mas não estou na redoma, Lia. É neste ponto que você se engana como se enganou também quando disse que eu queria lhe apontar a porta. Deus sabe que meu desejo maior é protegê-la e guardá-las para sempre, como se isso fosse possível. Se não interfiro, se não me aproximo é porque não quero que pensem em vigilância, fiscalização. Vocês bateriam as asas mais depressa ainda.

Pronto, magoou-se. Essa minha mania de discurso, baiano com subversão pode dar noutra coisa?

- Não sei explicar, Madre Alix, mas o que queria dizer é que embora resguardada a senhora luta a seu modo, respeito sua luta. Respeito até a luta dos que querem nos destruir, respeito sim senhora, eles estão na deles. Como estamos na nossa, enfraquecidos, traídos, divididos, não calcula como estamos divididos. Mas vamos aguentando. Um que fique tem que correr como um cão danado pra passar o facho ao seguinte que recebe e sai correndo até o próximo que nem estava na corrida, entende. De mão em mão. É demorado mas não estamos mais com tanta pressa.

- Facho, Lia? Você fala em facho, mas o que vejo é um levar ao outro violência, morte. Um rastro de sangue é o que vocês vão deixando por onde passam. Temos um Condutor Supremo e do Seu esquema transcendente a violência foi riscada. A espiritualidade...

Olha aí, vitória da espiritualidade. Arranco uma lasca da unha que vem com um fiapo de pele. O sangue brota. Chupo o dedo. Uma bala dum-dum no peito doeria menos.


DIZ-SE: LOVE, LOVE, LOVE...

POEMINHA SENTIMENTAL

O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.
(Mário Quintana)


Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.
(Pablo Neruda)

PAIXÃO – UM CONCEITO

PAIXÃO é um sentimento que surge com muita força na estrutura emocional de uma pessoa, que leva-na a se entregar de corpo e alma pelo objeto desencadeante de paixão.

Geralmente atribuímos à PAIXÃO, o envolvimento amoroso para com uma pessoa; mas sabemos que podemos ser vítimas da PAIXÃO por ideologias, envolvimentos religiosos, ídolos, etc. O que mede uma PAIXÃO é a intensidade arrebatadora.


Se um adolescente disser com todas as letras que está amando sua namorada, com certeza poderemos confirma que ele pode estar APAIXONADO. Um adolescente não possui estrutura psicoafetiva para comprovar um amor, pois ainda se encontra em um estágio de vida na qual precisa ser amado. Assim, quando um adolescente não para de pensar na namorada e a todo momento quer vê-la, como se nada no mundo completasse aquele buraco afetivo, poderemos ter a certeza de que ali se instaurou uma PAIXÃO.

A PAIXÃO é forte, mas tende à superficialidade. Com certeza um grande amor geralmente nasce de uma PAIXÃO, que ao longo dos anos vai se canalizando em amor.

Muitos casais atribuem que na época do namoro era mais gostoso estar juntos. Depois veio o casamento, os filhos e a construção de um vinculo de amor, que se manifesta em outras proporções. Aparentemente, a atração da paixão desaparece, pois no lugar surgem outras necessidades.


A sociedade atual, através da mídia de consumo, tenta confundir os conceitos da PAIXÃO e AMOR, para levar à necessidade das compras. Pois a pessoa apaixonada tende a consumir mais.


A PAIXÃO pode cegar. Principalmente se atingir a pessoa em momentos de vazio interior. Para que não sejamos vítimas de uma PAIXÃO sem controle, é melhor construirmos o conceito AMOR…

A CULPA É DO LES PAUL

As primeiras experiências de Paul com a guitarra elétrica datam da metade dos anos 30. Naquela época, ele era imitador assumido de Django Reinhardt - e não muito mais do que isso. Não havia tido lá muito sucesso com o piano, tocava banjo, mas não era isso tudo, dedilhava o violão, mas não lia partitura. A reviravolta veio em 1941, quando ele levou a um clube noturno o que chamou de "the log (o tronco)". Fazia jus ao nome: era um toco de madeira com cordas de violão de aço pregadas. Ele deu suas dedilhadas por lá, mas não suscitou aplauso ou vaia. Posteriormente, ele lembraria, divertido, que ninguém entendeu nada.

Ele adaptou o tronco com asas de madeira, que o aproximaram do visual de um violão normal e o resto é história. A Gibson começou a produzir as guitarras Les Paul, que deram voz às mãos de gente tão diversa quanto Bob Marley, Pete Townsend (The Who), Al DiMeola, Steve Howe (Yes) e Jimmy Page (Led Zeppelin). Como se isso não fosse suficiente, sem Les Paul, nenhuma das experimentações progressistas de Page teria acontecido; George Martin não teria produzido Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band; Lee "Scratch" Perry não teria inventado o dub; Michael Jackson não teria gravado Thriller e, em última instância, não existiria música eletrônica.Todas essas viagens que moldaram a cultura do século XX só foram possíveis graças à gravação multicanais inventada por Les Paul. Antes dela, os músicos se reuniam no estúdio, gravavam ao vivo todos os instrumentos e o disco estava pronto. Depois dela, os artistas ganharam recursos até então inimagináveis: gravar a própria voz várias vezes e harmonizar consigo mesmo; sobrepor instrumentos diversos; duplicar riffs e construir harmonias a partir deles. Enfim, Paul acabou com os limites técnicos da criatividade.


Compatibilize-se!

Com esta nova forma de comunicação, tabus como contatos de fundo sexual vão se dissolvendo. Invisíveis, as pessoas se permitem conversar, seduzir, trocar experiências em áreas antes proibidas. É a descoberta de uma nova forma de sexo seguro, em que adolescentes ensaiam os primeiros contatos com o sexo oposto e adultos realizam fantasias sem culpa.

Morais da Rosa (2001), em uma pesquisa acerca de relacionamentos virtuais, pôde constatar que na sala #sexo do programa IRC, dentre os 25 entrevistados, 21 eram do sexo masculino (84%) e 4 do sexo feminino (16%), 100% eram solteiros, 92% afirmaram obter prazer através do sexo virtual, 88% dos entrevistados já tiveram ou gostariam de ter contato real com alguma pessoa com quem já praticaram sexo virtual, 44% praticantes de sexo virtual entrevistados já assumiram ou assumem o papel de sexo oposto nas relações sexuais virtuais, 52% dos entrevistados tinham entre 19 e 26 anos, 56% declararam que mudaram a opção sexual (heterossexual para homossexual, ou vice-versa) a partir do momento em que passaram a acessar as salas de sexo virtual, apesar de declararem não ter esta opção sexual na vida real.

A ilusão de proximidade, de conhecimento e intimidade a despeito das - às vezes, enormes - distâncias geográficas é um dos aspectos negativos da virtualidade.

Outro contraponto, e um dos mais sérios, é a fuga da “realidade real”, quando essa não é, ou não está das melhores, o que, muito provavelmente, é parte do que está por trás da tão alardeada adicção na Rede, principalmente nos “chats”. O uso da Internet já foi comparado ao uso da cocaína por Griffiths (citado por Nicolaci-da-Costa, 1998), sendo esta comparação feita em virtude da semelhança dos sintomas apresentados pelos viciados em ambas, como palpitações, tremores, sombras diante dos olhos, confusão mental, como também sintomas fracamente psicóticos com delírios de ciúmes, alucinações e idéias de perseguição.

Já para Castro (1999), os relacionamentos através da Internet produzem uma inversão das relações sociais vistas pela sociologia clássica. Enquanto esta última afirmava que a relação social necessitava da materialidade, o ciberespaço, ao contrário, não condiciona a relação social ao contato face a face, mas a um sentimento coletivo, à lógica do estar-junto, mesmo num espaço desterritorializado. Há um redimensionamento do processo da relação interpessoal e social.

Num primeiro momento, os contatos sociais e interpessoais dão-se em nível virtual, cabendo a cada um dos envolvidos determinar sua continuidade. Num segundo momento, o relacionamento virtual pode, ou não, materializar-se na realidade, concretizando as relações iniciadas no ciberespaço. Os conflitos, as mentiras, os problemas e as decepções quando da relação materializada são de caráter subjetivo, dependendo do usuário e da maneira como ele lida e convive no ciberespaço. O usuário é responsável por suas ações e atitudes na esfera do virtual e posteriormente na realidade.


terça-feira, 4 de agosto de 2009

As dunas de Gal [José Simão]

Até hoje uma amiga comenta: "É mesmo, os tempos mudaram. Eu também era esquálida e todos me achavam gostosíssima. Agora eu tenho o corpo da Matilde Mastrangi e ninguém repara". E pano rápido. Porque gostosa mesmo era a Gal. O símbolo da gostosura dos seventies, dos 70. Engraçado, editor pensa que colaborador é repentista. Dá um tema e a gente sai cantando. Em disparada, na maior embolada. E na maior embolada, no ritmo rápido e rap do repente eu vou cantar pra vocês as dunas da Gal, uma verdadeira lisergia tropical.


É que outro dia eu estava na Rádio Cultura comentando o disco da Gal, o LeGal, quando me perguntaram o que eu estava fazendo no início da década de 70. Ai minha Santa Periquita do Bigode Louro, santa ingenuidade! É claro que eu não estava fazendo nada. N-A-D-A. Nada! A maioria das pessoas na década de 70 não fazia nada. Só faziam a cabeça. Como eu, que tinha de fazer e bater a cabeça todas as manhãs nas dunas da Gal., vulgo dunas do barato, píer de Ipanema. Depois eu tinha que esticar na areia minha sábia preguiça solar e bolar alguns capítulos do meu livro-espetáculo Folias Brejeiras. E depois tinha de fazer a chamada pra ver se ninguém tinha pirado no dia anterior. E depois tinha de bater palmas pro pôr-do-sol. Sair da praia antes do pôr-do-sol era blasfêmia! E ainda por cima tinha que ir em romaria todas as noites assistir o show Gal a Todo Vapor. Era Pouco? Ufa! Bem que o Groucho Marx tinha razão quando disse: “Como sofre uma baiana”.

Gal a Todo Vapor, o grande sucesso da temporada, todas as noites, lá no Teresão. A todo vapor mesmo. Era só a banda dar os primeiros acordes que a turma das dunas desfiava o resto, de cor. E pior, ninguém queria pagar. Pagar era um insulto. O teatro era o Teresa Raquel, vulgo Teresão, lá em Copacabana. E o diretor do show era o Waly Salomão. E dá-lhe convites. Principalmente quando descia o Morro de São Carlos com o Melodia e toda aquela roda de bambas e compositores de sambas. E ficavam na porta. Aí o Waly dava uns abraços psicodélicos na Teresa Raquel e ficava falando loucuras no ouvido dela. Ai convite virava chuva de confete. Os convites eram tantos que a Teresa Raquel ficava nervosa, andando pelo saguão do teatro, num cáften até os pés, gritando: “ Eu não sou Jesus Cristo”.

E numa dessas noites, ao som da Gal, ao som da dona dos mais belos trinados do planeta, eu e Jorge Salomão tivemos a brilhante idéia de combinar nossas roupas com o cenário da Gal. Seria um happening. Era como se fosse uma extensão do próprio cenário. E fomos lá e catamos os restos de cetim do cenário criado pelo Luciano Figueiredo e Oscar Ramos, medimos bem e chegamos à conclusão: Dá! E fizemos duas camisas maravilhosas, de cetim. A minha era dourada. Pra combinar com a palavra-destaque também dourada lá do fundo do palco: FA-TAL. A do Jorge era branca. Pra combinar com a palavra-destaque branca: VIOLETO. E estava formada a dupla de destaque, um par de jarros. Fatal e Violeto.

E Gal corria de um lado pro outro do palco cantando. E encantando: “Vejo o Rio de Janeiro”. Lábios vermelhos, de fogo: “Vejo o Rio de Janeiro”. Um sol.

Um sol. Pois é. Acho que tudo começou num dia de sol, quando Gal saiu de sua casa na Farme de Amoedo em direção à praia e resolveu estender sua toalha e sua plástica bem em cima de um monte de areia, uma duna, ao lado do píer de Ipanema. Pronto. A crème de la creme da lisergia tropical se apinhou a sua volta, fervendo, a festa já preparada, estava lançado o point mais badalado dos anos 70, o auge da contracultura: as dunas da Gal ou as dunas do barato ou, para os mais íntimos, o morro da Gal. Ainda bem que ela escolheu Ipanema. Tivesse escolhido a praia de Ramos, nós estávamos fritos. Já imaginaram aquela turma de calção e cabelão e frutas e discos e livros e idéias e slogans e palavras de ordem e colares, horas dentro de um ônibus? Não ia dar certo. Ou ia.


O caso é que, onde Gal ia, todo mundo ia atrás. Gal era quieta. Mas sua presença acionava o motor. Ou melhor, o rotor. Porque o babado era quente. Não era só o sol que se escancarava. Tudo ali se escancarava. As cores, as pessoas, as fofocas, os namoros, e as comportas do comportamento, escancaradas. Mas Gal ficava lá, quieta. Semideitada, como uma maja desnuda tropical, com os cotovelos enfiados na areia, fitando o infinito, o horizonte, lá onde o azul do céu se encontra com o azul do mar e o barquinho vai e o barquinho vem.

Todo mundo ficava em pé. Ninguém sentava. Só a Gal. Em pé conversando e conversando. Não sei o que tanto a gente conversava. Acho que bolando um novo espetáculo. E o Cazuza louco pra se enturmar. Ficava na toalhinha vizinha, louco pra se meter na conversa. E as pessoas começaram a levar frutas para a praia, talhos de melancia, cachos e mais cachos de uvas, mangas e seringuelas, verdadeiros banquetes tropicais. Era a alegria, o barato. Ondas eram plumas. E no dia em que Brian Jones morreu, Vilma Dias apareceu com uma camiseta onde se lia Brian Jones is dead, em vermelho!. Ela deve ter pintado em casa, às pressas, com esmalte. Nunca vi tantas idéias. Verdadeiros vulcões. As pessoas se alimentavam de lançamentos. Quando Gal se levantava, negra de sol, pra ir embora com aquela cesta indígena na cabeça, era uma deusa. Pra mim, ela era Elvira Pagã. Tudo ela levava naquela cesta indígena, de palha. Toalha, cocker spaniel, filtro solar, as chaves da Fiat vermelha, o telefone do João Gilberto, a partitura de Vapor Barato, recados, torpedos. Não sei que milagre que ela não botava até o Waly lá dentro. Botar a Cotinha e o Moleque Pereira, a Maria Guilhermina enrolada na bandeira do Flamengo, o Mautner, o Jacobina, o Melodia, a Pinky Wainer, a Scarlet Moon, e o Steve que atropelava táxis. E o Jorge Salomão, o Bacana e a Puppy. E o Anjo. Ela devia botar a duna inteira lá dentro da cesta. E levar pra oca dela. Lá na Ladeira do Tambá. Que todo mundo ia adorar. Todos de tanga, sunga, quase nada. O chic era deixar um pouco dos pentelhos de fora, um tufo, aparecendo. E a barriga bem pra dentro, estilo faquir, ou no máximo uma barriga bronzeada e torneada como um mamão papaya.

Ninguém cumprimentava quem ousasse usar relógio. Um dia um amigo, de tanto a mãe insistir, arrumou um emprego. E tinha que sair da praia às três da tarde. Isso mesmo, às três da tarde! Era uma heresia. Isso era considerado um crime. E o coitado saia meio escondido, envergonhado. Era uma heresia abandonar aquela orgia SOLAR, ingênua e sensual. A geração Gal. Quando hoje me perguntam qual a minha geração, eu respondo: “Eu sou da geração Gal!” E ponto final. Porque tudo isso aconteceu quando eu era um bebê de colo. É que eu não gritava buábuá buá. Eu gritava Gal, Gal, Gal. A todo vapor?

Zauberbuch [Cláudio Daniel]

A Jorge Luis Borges

Todos
os livros
— os Sutras, o Corão
os Vedas, o Zohar —
são enigmas: jardins verticais
rios insubmissos
listras de mármore possesso;
todas as páginas
— em lâminas de argila, pele de carneiro
folhas de papyro ou rubro ouro esculpido —
são impossíveis, viscerais
areia alucinada.
Os livros, Borges, inventam os leitores
e os nomes de vales, savanas, estepes
e de amplas avenidas que ignoramos;
vivemos essa efêmera realidade
para lermos suas secretas linhas,
e nossos filhos e netos.
Um dia, porém, os livros
— últimos demiurgos — desaparecerão,
como o grifo e o licorne
e ler será apenas lenda.


As origens do Mussum



Características – forma corporal lembra uma cobra, mais comprimido apenas para trás do ânus. Olhos pequenos situados bem à frente da cabeça. Cinza-escuro a castanho, freqüentemente com manchinhas mais escuras esparsas pelas cabeças e corpo. Não apresenta nadadeiras peitorais nem pélvicas, e as nadadeiras dorsal e anal continuam com a caudal. Possui uma só abertura branquial localizada sob a cabeça. O corpo é nu (sem escamas) e pr oduz grande quantidade de mucosa tornando-o de difícil contenção. Pode atingir mais de 1 m de comprimento.

Habitat – charcos e águas pobres em oxigênio.

Ocorrência – em todo o Brasil.

Hábitos – adapta-se a condições extremas. É muito resistente a falta de oxigênio, podendo sobreviver a longos períodos enterrado na lama. Quando falta água num açude, e todos os peixes morrem por falta de oxigênio, o mussum ainda sobrevive, geralmente numa minúscula poça de lama. Isso é possível graças a uma câmara bucal altamente irrigada que permite a troca de gases.


Alimentação – carnívoro voraz, alimenta-se de peixes e insetos.

Ameaças – é muito utilizado como isca na pesca do dourado.

O sim contra o sim [João Cabral de Melo Neto]

Miró sentia a mão direita
demasiado sábia
e que de saber tanto
já não podia inventar nada.

Quis então que desaprendesse
o muito que aprendera,
a fim de reencontrar
a linha ainda fresca da esquerda.

Pois que ela não pôde, ele pôs-se
a desenhar com esta
até que, se operando,
no braço direito ele a enxerta.

A esquerda (se não se é canhoto)
é mão sem habilidade:
reaprende a cada linha,
cada instante, a recomeçar-se.




PEÇA QUE A GENTE PASSA: INCUBUS.






“Aí, painho,
bota Anna Molly
pra eu ver.” (João)

20 anos sem Lua

A terra era boa, o canto era de vento suave, mas o silêncio inimigo homem teimava em viver naquele arruado de casas coloridas. Faltava a música, faltava o cantador e, enquanto ele não vinha a mando de Deus, os homens se desentendiam e brigavam de foice com tanta ferocidade, que era preciso se viver em eternas rezas profundas para afastar o mal que pudesse dar veneno à brisa suave, à água que dormia nos açudes. Já não bastava a maldade das secas, que não deixavam de vir, e açoitavam o verde do chão, que era o verde dos olhos das moças bonitas da região? Era preciso que viesse a mando de Deus um cantador de voz de muita força para afastar do lugar tudo que tivesse ranço de maldade e cheiro de pólvora. E ele veio, um moleque de olhos de vidro, sorriso permanente nos lábios e na garganta a cantiga mais bonita, montada em todos os tons de suave paz. A cidade era Exu, lá dentro das fronteiras de Pernambuco, que teimava em querer manter a tradição de valentia, fazendo irmão brigar. E era gente da terra, que naquelas desavenças não via nem deixava ver quanta beleza escondida em cada canto. Luiz Gonzaga veio vindo numa nuvem branca e era como se fosse anjo aquele menino mulato, que acabara de descer para louvar sua gente, namorar a beleza da menina de cintura fina, cintura de pilão, e ensinar ao homem rude a arrastar o pé ao ritmo do baião, seu baile, seu folguedo, seu descanso do trabalho de plantar e de colher. E o destino pensando que era preciso um homem armado para manter a lei frente aos homens rebeldes fez Luiz um homem soldado, mas logo depois era o próprio destino que se corrigia e compreendia que aquele anjo de asas brancas saberia impor a paz e o amor entre seus irmãos apenas com as rimas da canção que trazia no peito. E o que ele fez foi cantar. E o que ele faz até hoje é cantar e Exu neste hoje dorme sob um céu de suave carícia para o corpo do homem cansado, um céu estrelado e belo. Quantos homens maus – aqueles que furam os olhos do assum preto – teimam em mostrar rebeldia, logo se aplacam e se fazem quietos, pois a cantiga se espalha, levada pela voz de seu cantador, nas asas do vento, nos caminhos das nuvens brancas. E mesmo que o anjo um dia vá-se embora tudo o que é pássaro habitante de sua cidade já sabe de cor as suas cantigas. (Fernando Lobo)

É preciso refletir sobre a saga de Luiz Gonzaga no Sul maravilha, não como um fenômeno isolado – artistas populares do Nordeste, desde o início do século, têm feito sucesso aqui, isto é, fora do seu território. Mas Luiz Gonzaga conseguiu transformar o seu êxito num fato transcendente, como o de divulgar e incorporar solidamente na região Sul (a partir de Rio e São Paulo), os gêneros musicais nordestinos. Essa tarefa, que o sanfoneiro-cantor começou em meados dos anos 40, não tem qualificativo nem similar. O fato, não nesse volume de grandeza, é claro, não é novo. No Rio, ao lado das manifestações da música urbana carioca, sempre se puderam ouvir e cultivar com mais freqüência gêneros regionais do Nordeste, do que as músicas do Centro ou da parte mais meridional do país. Os contingentes de negros baianos, que vêm para o Rio nas últimas décadas do século passado, imprimem na terra carioca o bolo e indelével rastro cultural de seus cultos, cantos e danças; e, a partir, então, dos seus ranchos primitivos, misturam-se, engrossam e se multiplicam os blocos, os cordões de rua, que vêm desaguar nas escolas de samba de hoje. Mais adiante, em 1906, o cego pernambucano Manoel de Lima, cantor e violonista, faz sucesso na exposição nacional do primeiro centenário da abertura dos portos, na Praia Vermelha. EM 1913, o carioca toma-se de encanto pelo Luar Do Sertão e Cabocla de Caxangá, de outro extraordinário violonista e compositor nordestino, João Pernambuco, de parceria com o grande maranhense Catulo da Paixão Cearense. E nessa vaga vão descendo do Nordeste os chamados reis da embolada, Minona Carneiro e Manezinho Araújo, além de Augusto Calheiros, a “Patativa do Norte”, e o agilíssimo bandolinista Luperce Miranda, que vem de Recife em 28. Impossível registrar o grande número de outros excelentes músicos, que vêm do Nordeste e que aqui continuam tocando, interpretando e divulgando os gêneros de suas regiões de origem. A extraordinária dupla Jararaca & Ratinho teve o privilégio de apresentar o baião, mas sem a repercussão obtida pro Luiz Gonzaga. É justo, também, assinalar no Sul a Presença personalíssima do pernambucano Jackson do Pandeiro, já falecido, e do maranhense João do Vale: na obra dos dois, a vigorosa manifestação tão genuína e marcante da música regional popular de seus estados de origem. (Ilmar Carvalho)

Décio Pignatari diz: "Os autores de hoje são todos parecidos"


Bili com Limão Verde na Mão, tendo sido encomendado, e em outra época, é algo à parte do projeto estético que o sr. traçou?


Eu tinha meu projeto de prosa. Primeiro, o livrinho de contos, que foi O Rosto da Memória. Depois o romance pequeno, Panteros, que tem muitos elementos autobiográficos e é ligado a um universo que foi até a minha juventude, em Osasco. E depois o grande romance. Esse ainda está na cabeça. Era Obra em Obras: O Brasil. Tinha a pretensão de ter o país como personagem, uma espécie de épica crítico-cômica, mas eu desisti. Estou pensando em que tipo de experimentação de linguagem e que tipo de prosa fazer.

Se já não é um épico sobre o Brasil, o que será?


Quero fazer uma espécie de "arqueologia" de comportamentos, sentimentos e histórias do início do século 20, numa cidade que começava, com a chegada dos imigrantes, a industrializar-se. Como James Joyce voltando-se para sua Dublin, eu me voltei para onde eu me criei, Osasco. Mas a ideia é mais oswaldiana, era muito mais uma retomada da experiência do Memórias Sentimentais de João Miramar, do Oswald de Andrade. Eu me lembrei de todos aqueles migrantes, da presença da ideologia anarquista. Desde criança eu ouvia falar muito desse mundo. Eu, hoje, vou inventar uma Osasco. Aquela sumiu, abrasileirou-se. Acabou virando uma cidade industrial, como se esperava, mas também um grande subúrbio, não tão organizado como deveria. Junto, desapareceram as relações entre as pessoas, as famílias, o tipo de sexo, amor, tudo mudou; entrou-se num certo tipo de estabilidade.

Essa "arqueologia" tem a ver com a sua própria biografia. Tudo o que um autor escreve passa pela sua experiência pessoal?

Na prosa, realmente, a experiência conta; onde se contam histórias, mesmo em Joyce, por exemplo, a experiência do autor conta bastante. Mas esse universo da visão subjetiva não me interessa; eu não me importo. Como eu digo, prefiro aquela linha do Oswald, que se perdeu no romance brasileiro — por causa do romance nordestino, que era um romance, no fundo, realista, o Brasil esqueceu o outro universo que estava existindo.

A prosa regionalista marcou um retrocesso?

Não um retrocesso, ela talvez devesse ser feita. No movimento romântico, o José de Alencar já tinha tentado os vários regionalismos. Isso faz parte do processo histórico brasileiro, que é atrasado. Ele está em desacordo com o relógio. Quando o romantismo já tinha morrido, com a publicação, em 1857, de Madame Bovary, de Gustave Flaubert, ele estava começando no Brasil. Nossa visão ainda é regionalista, a coisa da terra. Os cursos de letras sempre ficaram para trás, sempre rejeitaram as obras experimentais. No Brasil, ainda se continua achando que a história é que faz a obra. Não é.

Em 2010, sua poesia completa 60 anos. Com esse seu projeto de prosa, o sr. já não escreve poesia?

Não. Tenho feito algumas traduções, pouca coisa. Traduzi a Ode à Melancolia, do John Keats, e um trecho de Santo Agostinho. Sempre gostei muito das Confissões — traduzi o chamado Êxtase, que é a conversa dele com a mãe, Santa Mônica, onde Santo Agostinho descreve o que eu chamei de "fenomenologia do silêncio". Ele vai eliminando todos os ruídos do mundo para chegar ao silêncio, e do silêncio chegar a Deus.

A poesia concreta foi um momento apenas?


A poesia concreta fez realmente o que tinha que fazer. Foi a primeira e única revolução internacional nascida no Brasil. O fato de não se fazer mais exatamente poesia concreta não interfere no que ela mudou. A poesia em versos é uma raridade hoje. Já a influência da poesia concreta, não.

Faz sentido falar num legado?

Legado tem uma aparência estática. O que acontece é que, quando há uma revolução, como no caso do cubismo, essa revolução é dinâmica, gera alterações em todas as áreas. E sofre metamorfoses. A prosa brasileira, quer se queira ou não, mudou de Guimarães Rosa em diante. Mas não é legado. Você nota influências que se manifestam. Dinamicamente.

O que há de novo hoje no panorama literário?

Depois da poesia concreta, não surgiu nada mais de diferente. Hoje entramos numa era de quantidade. A era da globalização é a da quantificação. Não existe nenhum movimento especial. A prosa ganhou força porque, se você conquistar um mínimo de mercado, pode viver do que faz, mesmo no Brasil. Mas nossos romancistas tomam por modelo sujeitos medianos. Os escritores brasileiros que se julgam de vanguarda imitam o tal Thomas Bernhard, por exemplo — que é uma prosa mais-ou-menos. Estamos vivendo um período magmático. Todas as artes e ideias estão voltando a um magma primitivo de onde eventualmente nascerá alguma coisa nova. A produção é enorme, em todas as áreas. Mas é tudo parecido.

Ao mudar-se para Curitiba em 1999, o sr. mencionou a busca de um local mais propício para a criação intelectual. Isso aconteceu?

Eu saí de São Paulo devido ao sufoco da cidade, estava farto de viver naquele emaranhado. Resolvi ir para um lugar mais salutar. Mas não sei se vingou a ideia de uma cidade mais inspiradora. Curitiba virou uma metrópole, mas, como em boa parte do mundo, o universo cultural é provinciano. Não há publicações nem informações muito atuais sobre os eventos culturais que ocorrem no mundo. Mas é muito agradável.

O sr. lê autores contemporâneos?

Para falar a verdade, leio a prosa brasileira em diagonal. E mesmo os autores estrangeiros. Minha biblioteca hoje está closed. Mas também é natural. Não acompanho com tanta curiosidade como antes, agora eu tenho uma alta seletividade. Em minha "preguiça octogenária", prefiro ouvir música a ficar acompanhando a prosa. Eu me dedico muito pouco à leitura.

Entre as suas preferências, o sr. citou Santo Agostinho e falou de uma "fenomenologia do silêncio". O sr. caminha para o silêncio?

O silêncio de fato, para mim, é fundamental. Para citar Paul Valéry: "Paciência, paciência — paciência no infinito azul! Cada átomo de silêncio é a chance de um fruto maduro". Espero cultivar esse silêncio criativo e, de vez em quando, sair do silêncio para criar umas migalhas disso e daquilo. Que, na fase magmática em que estamos, é o máximo que eu posso fazer.


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