sexta-feira, 12 de junho de 2009

O canhão do Canhoteiro.


Éramos todos garotos, entre oito e dez anos, e nosso campo de futebol era a área cimentada do Mercado Novo, que ficava em frente à quitanda de meu pai. A pelada era depois das quatro da tarde, quando já tínhamos voltado da escola.

Pereba, Carroca, Espírito e eu, também conhecido como Periquito, podíamos ser considerados sofríveis, para não dizer pernas-de-pau. Os dois craques eram Esmagado e Canhoteiro que, aliás, iam no futuro se tornar estrelas do futebol profissional.


Mas entre Esmagado e Canhoteiro, havia uma diferença: Canhoteiro era gênio. Sem desfazer do talento de Esmagado, que se tornaria um ídolo do futebol maranhense, a genialidade de Canhoteiro já se revelava, ali, de maneira inequívoca.


Ele era o mais novo do grupo e ainda chupava dedo. Lembro-me bem de sua figura segurando a ponta da camisa e dois dedos, enfiados na boca. Era assim, desse jeito, que ele saía driblando todo mundo, como se a bola ficasse presa em seus pés. Na verdade, o mais comum de seus dribles era correr com a bola (que era pequena, de borracha), batendo no chão e na sola de seu pé esquerdo. Era canhoto e daí ser chamado, já naquela idade, de Canhoteiro.


O pai dele, seu Cecílio, via com preocupação a mania do filho pelo futebol. É que nós, os outros, aparecíamos ali para a pelada, mas dávamos conta das lições de casa, enquanto Canhoteiro não apenas era tarado por jogar bola como não queria pensar noutra coisa. Seu Cecílio, que vivia de vender mingau de milho e tapioca, numa banca do Mercado Novo, não queria esse mesmo destino para o filho.


Mal sabia ele que estava ali, na obsessão do filho pela bola, o futuro do menino e da família. Adolescente, ele se tornaria jogador profissional e logo logo uma glória do futebol maranhense. Seu Cecílio passou a sorrir e até mesmo a ir vê-lo jogar. Alegria maior foi a notícia de que Canhoteiro ia jogar num dos maiores times do país, o São Paulo Futebol Clube; alegria, diga-se a verdade, com um travo de tristeza, já que o filho passaria a viver numa cidade distante.


Já àquela altura, eu me metera com a poesia e me mudara para o Rio de Janeiro. Ignorava o destino de Canhoteiro, até ler que ele havia sido convocado para a seleção brasileira. Cheguei a pensar que se tratava de outro jogador com o mesmo apelido, mas, para minha alegria, uma foto ao lado tirava qualquer dúvida: era ele mesmo, meu amigo de infância, que se havia tornado ídolo da torcida sãopaulina e considerado, por seus dribles endiabrados, o Garrincha do Morumbi.


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