Para começar, fale um pouco sobre o DVD Toca Brasil, como esse trabalho foi concebido, e a importância dele em sua trajetória artística. O mesmo está saindo pela via independente, não é isso? O que te fez buscar esse caminho?MARKU RIBAS- Quando percebi no tempo em que gravei na Phillips (hoje, Universal Music) que de 100% gerado pelo disco ficavam apenas 14% no país para gerenciar tudo que eles queriam fazer aqui, ganhavam um dinheirão, desperdiçavam até um certo ponto e o resto ia para as matrizes, vi que não poderia continuar nessa. O que ocorre? É preciso equacionar bem, como se faz na música, na arte, onde você escolhe acordes, divide os tempos, tira verso, põe verso. Teu companheiro dá palpites, troca um acorde e outro, até gravar. É uma elaboração, como se faz uma correção de texto. E na parte financeira para uma produção de disco, cinema ou teatro, é a mesma coisa que se tem de levar em conta, para se fazer isso de forma mais justa. Com esse evento do Itaú, que tem na sua iniciativa social e artística fenomenalmente uma posição de cidadã, porque usa recursos do sistema financeiro que não são poucos, objetivando a evolução da arte, eles propiciam realizar um evento que vale dinheiro, porque quando você coloca cinco câmeras, uma grua com câmera elevada que capta imagens especiais, cenografia, pessoal do som muito competente, isso tudo engrandece o espetáculo. E num ambiente calmo, gentil, tranqüilo. Tinham até um adesivo fluorescente verde colocado no chão do palco para me guiar quando eu precisava entrar em cena no escuro para colocar um instrumento. O som saiu muito bom, dividimos muito as opiniões de timbre e volumes.
E como ocorreu a parte comercial do produto DVD, como ele está sendo comercializado, e como funcionam as porcentagens para cada um dos envolvidos?
MARKU RIBAS- Proporcionando toda essa infraestrutura, o banco quase te obriga a encontrar um selo para sair com o DVD, pois é a grande oportunidade de lançar músicas, no meu caso quase todas inéditas. Aí, me associei à Mais Brasil, de Belo Horizonte, são os companheiros da Cria Cultura, que tem uma estrutura muito boa e criaram a editora para edições musicais e o selo Mais Brasil para o lançamento de DVDs e CDs. E temos a distribuição feita pela Tratore. Estamos atualmente no Top 20 de vendagens de DVDs, na internet. Agora estamos entrando na fase de divulgar o produto nos programas de tevê, na mídia em geral. Tocam nele o maestro Tiquinho, no trombone, o Bruninho Buarque (que toca com a Céu e o grupo Barbatuques) na percussão e o gaúcho Xandelle na guitarra. O DVD é muito autêntico, cara-a-cara, assino tudo embaixo. As músicas traduzem tudo. Eu tive de assumir 50% para mim como autor, músico, minha personalidade, meu nome, sou autor das músicas, arranjador etc. Dei 20% para o Eduardo Bid, que é o produtor, e 30% para a Cria, para conseguir viabilizar o projeto.
Recentemente saiu uma coletânea intitulada Zamba Ben, com uma seleção de suas músicas. Como você a avalia? Encara como uma boa iniciação para quem não conhece a sua obra?
MARKU RIBAS- Essa compilação foi lançada pelo selo Dubas Música, que é do Ronaldo Bastos, um grande letrista que fez coisas com o Milton Nascimento, Beto Guedes. O Ed Motta, admirável músico e meu amigo, bolou essa coletânea, escolheu as músicas, fizeram a remasterização, pagaram os direitos às editoras direitinho, valorizaram na nossa negociação. Ed é humilde, diz que se surpreendeu comigo ao me ver tocar ao vivo em Londres e Nova York. Aí, foi atrás do meu trabalho. Eles pegaram músicas boas que soam atuais. Escrevi para o encarte do CD informações sobre cada faixa, e também sobre a minha vida e carreira. Se eu fosse você, iria procurar essa coletânea, mesmo, pois é muito boa!
Você teve algumas experiências ao lado do Mick Jagger, dos Rolling Stones, inclusive gravando com essa banda. Como rolou essa história toda? É verdade que você não recebeu um tostão por ter gravado com eles?
MARKU RIBAS- Conheci o Mick Jagger em 1968, quando ele foi jantar em um restaurante no Rio de Janeiro onde eu estava, e conversamos. Anos depois, em 1984, eu trabalhava em um musical do Oscar Castro Neves, e me avisaram que estavam fazendo no hotel Copacabana Palace a seleção para participar de um videoclipe do Mick Jagger para a música Just Another Night, do disco solo dele She’s The Boss. Acabei sendo escolhido para viver o baterista no clipe, dirigido pelo Julien Temple. O percussionista Café, que tocou com o Djavan, também participa. Aí, o Mick perguntou se eu estaria na Europa no ano seguinte, e por coincidência, eu iria para Paris naquele período. Ele me convidou para gravar com os Rolling Stones. Fui para Paris com a peça do Oscar, com 62 integrantes. Aí, ele mandou um carro de luxo me buscar, e fui com o Mário, um amigo meu que tocou comigo no grupo Batuki, gravar. Participei da faixa Back To Zero, do CD Dirty Work (1986), toquei tambor marroquino de pele de peixe e cerâmica e uma cuíca de boca, a gravação ocorreu no estúdio da EMI em Paris. Não cobrei dinheiro, não, pois tinha um monte de burocracia para poder receber. Foi uma cortesia que fiz para eles. Hoje, teria cobrado, e até mais caro. (risos) Não tem o crédito no disco, o que me deixou magoado, acho que isso é pior do que não ter recebido.
Seus shows são sempre muito elogiados, e não se restringem a um único formato. Como você os planeja?
MARKU RIBAS- Procuro adequar o meu show aos espaços onde toco, e é a partir daí que escolho como será a formação. O violão você precisa tocar sentado, já a guitarra é em pé. Quando toco de pé, posso me dedicar mais à parte de coreografia, de dança. Tenho o show que você pode pagar, desde um trio, quarteto, eu sozinho, tenho versatilidade para me adaptar aos mais diversos tipos de situação.
Você tem um projeto musical envolvendo músicos muito conhecidos e em vias de ser concretizado. Fale um pouco sobre ele, e quando o mesmo será viabilizado.
MARKU RIBAS- Esse projeto é gravar um CD com João Donato no piano, Maurício Einhorn na gaita e o Raul de Souza no trombone. O projeto chama-se Croas e Loas e em função dele visitaremos oito cidades. A utilização de lei de incentivo já está aprovada, e o patrocinador para viabilizar tudo também está a caminho, acho que isso será concretizado em breve.
Sua participação no filme Chega de Saudade, da Lais Bodanski, foi muito elogiada. Qual a importância do mesmo em sua trajetória como músico e ator, e como foi trabalhar ao lado de Elza Soares, que já gravou músicas suas?
MARKU RIBAS- A Elza é uma entidade, uma mulher brasileira que deve ser muito respeitada por toda a sua história, o seu favelismo. Uma mãe solteira na favela, negra, com um marido bêbado que lhe batia todos os dias, e aí ela se rebela contra tudo isso, até conhecer Garrincha, a quem ela ajudou muito financeiramente e como mulher, ao contrário das críticas injustas que recebeu na época. E uma cantora de personalidade forte, como o foram Monsueto, Noite Ilustrada, aqueles negões que cantam de um jeito diferente, que não dá para ser igual, cantam de forma rascante e que trazia toda aquela revolta natural do sofrimento que vivenciaram. Quando o Ary Barrozo perguntou em um programa de rádio de que planeta a Elza vinha, ela respondeu que era do planeta fome! (risos). Respeito muito ela, admiro-a como artista, suas posições e atitudes. Esse filme nos aproximou mais ainda. A Laís sempre foi muito gentil conosco, nos dirigiu muito bem. Gostei de fazer o filme, cuja trilha sonora ganhou como a melhor do cinema brasileiro em 2008.
Sua primeira experiência em cinema foi em Paris, e logo com um diretor famoso, o Robert Bresson. Como isso ocorreu?
MARKU RIBAS- Morei em Paris entre 1970 e 1971. O Bresson tem uma importância fundamental, inovou para que uma indústria de cinema, sendo mais autêntica, pudesse ser mais barata, mais objetivamente construída, tirou aquelas câmeras pesadíssimas de Hollywood, aquela estrutura enorme, e fez a câmera na mão, o cinema mais objetivo, caminhando com o ator pelas ruas, sentindo a sensibilidade cara-a-cara, entrando nos becos. Esse filme analisa quatro noites de sofrimento sobre o amor, uma senhorita linda que se apaixona por alguém que irá voltar dali a um ano no mesmo lugar, na mesma praça e no mesmo horário. Durante quatro noites, ela está lá, mas ele não vem. Ocorre algo surpreendente na quarta noite, e ela, sozinha, é percebida por um pintor sensível, francês, estudante de pintura, que vê nela uma musa, se aproxima, a vê melancólica e conversa com ela. Aí, entra a cena de eu e o meu grupo na época, o Batuki, do qual fazia parte o Mário (o mesmo que foi comigo na gravação com os Rolling Stones em 1985), tocando dentro de um barco que descia o rio Sena. O casal fica absorvido pela música, vem em direção ao cais, e a música virou uma protagonista no roteiro. No mesmo ano, fiz outro filme por lá com o cineasta Jean-Mark Tibaut, Revolucion, no qual representei o Luis Carlos Prestes.
Aliás, é verdade que a trilha sonora desse filme nunca foi lançada, e que você tem as fitas masters da mesma?
MARKU RIBAS- É verdade. As músicas foram gravadas em 1970 no estúdio do Michel Magne, que ficava a 19 quilômetros de Paris, na estrada de Lyon, chamava Chateau de Rouville. Está na minha mão, estou esperando negociações para poder lançá-lo com prensagem, remasterização, capa nova, divulgação, isso tudo.
Você teve outras experiências interessantes em termos de cinema. Fale sobre elas, e também qual é a importância para você de atuar como ator.
MARKU RIBAS- Vivi o papel do Carlos Marighela no filme Batismo de Sangue, do Helvécio Ratton, ao lado de Caio Blatt, Ângelo Antonio, Cássio Gabus Mendes, Daniel de Oliveira, uma turma boa. Gosto muito de cinema. No momento, gravo participação no filme do Fábio Barreto, Lula O Filho do Brasil, vivendo um sindicalista aposentado que era uma espécie de consciência do movimento. Será uma participação curta, mas contextualizada, ele vigiava e pegava no pé dos caras, para manter a coisa longe do peleguismo. A cena é gravada na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Acho fundamental a documentação da história do Brasil, dessa coisa da Ditadura, da “Redentora”, para que nunca mais ocorra algo assim neste País, e esses filmes sobre nossa história tem esse papel.
Por sinal, uma das razões pelas quais você saiu do país no final dos anos 60 foi a Ditadura Militar, não é isso?
MARKU RIBAS- É verdade. Fui preso no dia 27 de outubro de 1968 no Leblon, no Rio de Janeiro, pelo Exército Brasileiro. Uma experiência injusta. Eu fazia críticas em músicas como Alerta Geral, que na época chamava-se Canto Certo e que foi gravada pela Alcione em 1978, no seu LP Alerta Geral, que depois virou também nome do programa de televisão que ela apresentou na Rede Globo. Eles proibiram de forma absurda porque não havia conteúdo para ser proibido, era apenas uma sátira musical, uma crítica inteligente e bem-humorada. Outra música que me causou problemas foi a Nunca Vi, com os versos “nunca vi país democrata ter tanto rei, tanto rei, tanto rei, rei do rock, do samba, da bola, enquanto isso, outra criança chora, e o palácio anuncia outro rei”. Vivi na França e também quatro anos no Caribe.
Fale um pouco sobre a sua forma de atuar, como ator.
MARKU RIBAS- Procuro incorporar o personagem que faço, sair da pessoa que você conhece, e aí, você não me vê mais, você vê o personagem lá. Tenho feito vários projetos, como um ditador de república das bananas em Uma Nova Bandeira Para a Nação, do jovem cineasta Paulo Marcelo Tavares do Valle, da Faap. A escola do cinema no Brasil é muito boa, temos um cabedal desde Humberto Mauro, aproveitamos bem as lições dos irmãos Lumiére e desenvolveu-se o Brasil do cinema competente, porque em outras áreas não somos, mesmo.
A sua formação como músico é riquíssima em termos culturais e de intercâmbios. Dá para fazer um pequeno resumo de tudo isso?
MARKU RIBAS- A surpresa do chamado original, atávico, autóctone, que são sinônimos do mesmo sentimento, as pessoas que tem cultura própria onde nasceram, já ali. As manifestações folclóricas, a música erudita, eu tive a sorte de presenciar tudo isso com o meu pai, meu avô, meu bisavô, que era mouro. Meu pai, como médico, tinha muito interesse pela vida. Ele gostava de cantar coisas de Caruso, Carlos Gardel, Vicente Celestino, Orlando Silva, fazia serenatas nas horas vagas. Captei a diversidade das coisas, até do cantochão, da música nas igrejas, a confluência indígena, com influência negras e com o meu avô materno português. Sou barranqueiro da gota, como existem os cariocas da gema, os paulistanos etc. Represento uma cultura do rio São Francisco que tem semelhanças de espectro com o Rio Vermelho da China, o Rio Nilo da África, o Mississipi americano, são sentimentos iguais em lugares díspares, mas com uma vivência muito igual de depender da pescaria, da chuva, do sol, da enchente.
E como isso tudo foi se desenvolvendo? Você sente influências de outros artistas no seu trabalho e do seu trabalho no dos outros?
MARKU RIBAS- Faço sons com as mãos, no rosto, na testa, na bochecha, desde que era criança, alguma coisa eu aprendi com a minha mãe. Uma verdadeira sinfonia corporal. Aí, descobri o gutural, os sons onomatopaicos que traduzem não palavras ou línguas, mas sentimentos. Fui incorporando isso tudo enquanto ouvia grandes violonistas como Dilermando Reis, Manoel da Conceição, Baden Powell, Manoel da Conceição Mão de Vaca, Rosinha de Valença, Paulinho Nogueira, e um gênio da minha região, o Deoclécio, que morreu cedo tragicamente e que fazia cada “aranha” nos acordes que a gente não tinha a menor noção do que era, grande guitarrista e violonista. Sou parceiro de Erasmo Carlos, Walter Queiróz, João Donato, Djalma Correa. Tenho essa noção do violão cheio, violão magnífico, que se toca em todas as regiões do instrumento. Sou ainda um aprendiz de tudo, sim, mas tenho o bom senso e a sensibilidade de ter colocado alguns craques no jogo, como o baixista Artur Maia, o violonista Romero Lubambo, o tecladista Jotinha Moraes, que começaram tocando e gravando comigo. Vejo influências minhas em Eduardo Dussek, João Bosco, Tunai, Ed Motta e João Donato, entre outros.
Marku, sua história de vida é riquíssima. Já pensou em escrever uma biografia contando tudo isso?
MARKU RIBAS- Boa pergunta. Já estou fazendo isso, uma autobiografia que intitulei Marku Por Marco Antonio, e para a qual vou procurar patrocínio, editora etc. Para quem não sabe, meu nome de batismo é Marco Antonio Ribas. Criei o personagem Marku para homenagear a tribo Cariri Macu, da minha região, onde tem um sítio arqueológico de 2.500 anos com resquícios históricos da vivência dessa tribo indígena na barranca do Rio São Francisco, no Norte de Minas Gerais, entre Pirapora e Buritizeiros. Já escrevi contando coisas que ocorreram comigo entre o meu nascimento em 1947 até 1977. Acho que depois farei um segundo volume, contando todo o resto. Nasci em um 19 de maio com eclipse total do sol, que tem toda uma influência cósmica, elétrica, na espiritualidade, também. Vou contar histórias nesse livro que farão muita gente cair de costas (risos). Por exemplo, como era quando eu cheguei em São Paulo em 1967 e gravei logo de cara um LP pela Continental. Eu namorava a passadeira e lavadeira para livrar a passagem e a lavagem de roupa. (risos) Ia às cinco da manhã às rádios para fazer a divulgação do disco, que na época era chamada de “caitituagem”. Também estou escrevendo outro livro, Moemas e Moemas, que será de poemas sobre amor, a vida etc.
Você tem um problema com o Marcelo D2 em relação a direitos autorais e conexos. A quantas vai essa história?
MARKU RIBAS- O Marcelo D2 está usando a minha gravação de Zamba Ben não como um sampler, simplesmente, como ele declara no disco A Procura da Batida Perfeita, mas como um plágio. Ele usa a minha música o tempo todo na dele. A Maldição do Samba é o Zamba Ben lá dentro, o meu violão, o baixo do Cláudio Bertrami, o som dos músicos que participaram dessa minha gravação. Todo mundo está lá, e não recebem direitos conexos, e nem eu, como autor. Ele não me pediu autorização, a editora Arlequim comeu mosca, também. Está em litígio na justiça, mas está demorando, três anos já se passaram. Ele gostou tanto que já colocou essa música em três discos dele, virou o carro-chefe dele. Zamba Ben é um avanço, uma porrada, música criativamente brasileira para dançar, com contexto internacional que não fosse batuque ou samba, somente.