sexta-feira, 30 de julho de 2010

Assassinos por natureza, Oliver Stone.

Oliver Stone é um cineasta que abraça seus projetos com paixão e fúria. Muita gente aponta o gosto pela polêmica como uma das características inatas ao diretor norte-americano, mas esse detalhe é conseqüência, e não causa, da maneira como ele aborda um projeto de longa-metragem. A atitude de Stone é muito rara em Hollywood, e talvez por isso ele seja identificado, atualmente, como um diretores mais autorais que surgiram nos EUA desde a geração Spielberg-Scorsese-Coppola. Se há algum filme que tenha a cara de Oliver Stone, que resuma e classifique seu estilo bombástico e apaixonado, este filme é “Assassinos Por Natureza” (Natural Born Killers, EUA, 1994).

A saga do casal de assassinos em série Mickey (Woody Harrelson) e Mallory (Juliette Lewis) foi lançada em 1994, abrindo um enorme rastro de polêmica. O filme era irresponsável? Glorificava dois seres desprezíveis que o protagonizavam? Incentivava pessoas a matar? Esse tipo de discussão, como se sabe, não é de todo inédita em Hollywood. Filmes diversos, de “Taxi Driver” a “
Clube da Luta”, enfrentam periodicamente acusações semelhantes. Não é coincidência que esses filmes tenham muito em comum. Todos denunciam os valores distorcidos que formam a base moral da vida nas grandes metrópoles, a partir da segunda metade do século XX.

O filme de Oliver Stone trata do tema da violência urbana com uma dose cavalar de ironia, o que faz pensar de imediato que os acusadores do longa-metragem são cegos, mau humorados ou simplesmente burros. Não, Oliver Stone não glorifica a violência em momento algum. Ele critica, do seu modo radical e hiperativo, a obsessão muito norte-americana sobre serial killers, bem como o mundo das celebridades instantâneas geradas por uma mídia faminta por escândalos, cozinhando os dois temas em uma só história que, nas entrelinhas, não passa de uma história de amor temperada com muito sangue.

A história de Mickey e Mallory foi escrita pelo cineasta
Quentin Tarantino, quando ele ainda era balconista de locadora. Ela foi vendida a Stone, que a distorceu, amplificou e reescreveu sucessivamente, junto com David Veloz e Richard Rutowski, até criar esse incrível híbrido de gêneros, que Tarantino condenou. “Assassinos Por Natureza” é um caldeirão de linguagens cinematográficas e narrativas. O filme usa imagens capturadas em 35mm (formato profissional), Super 8 (amador), preto-e-branco, videotape (TV) e até mesmo animação, desenho animado mesmo, em duas dimensões. Do ponto de vista narrativo, também não tem um formato fixo, preferindo saltitar entre diversos tipos de narração: trechos de telejornais, reportagens de TV, documentários rústicos, ficção clássica séria e até sitcoms mordazes(séries da TV norte-americana).

A narrativa é hiperativa, e também não tem uma ordem cronológica definida; vai e volta no tempo sem muita ordem. O trabalho hercúleo de Oliver Stone foi organizar essa grande bagunça, algo que ele conseguiu fazer com muita habilidade e um senso de humor negro absolutamente impagável. Vemos a infância de Mallory como se fosse uma série de TV, com músicas alegres e flores sobre a mes ade jantar, enquanto ela sofre abusos e maltratos por um pai abjeto. Depois vemos o sádico assassinato dele por Mickey. Assistimos à dupla enveredar pelas poeirentas estradas do deserto norte-americano, matando por diversão, e fazendo questão de assumir os crimes. Eles querem fama.

A cobertura bombástica da imprensa sensacionalista (personificada pelo repórter Wayne Gale, numa bela interpretação de Robert Downey Jr) transforma a dupla em celebridades. De repente, os adolescentes dos EUA querem ser Mickey e Mallory. Camisetas com fotos dos dois viram sucesso de vendas. Fãs-clubes são formados. “Assassinato em massa é ruim, mas se eu tivesse que ser uma assassina em massa, queria ser Mickey e Mallory”, diz uma jovem entusiasmada à TV, mostrando como funciona o culto tresloucado a esse tipo de celebridade. Ela não quer ser Mallory; quer ser Mickey e Mallory, como se os dois fossem uma única entidade cool. É isso: no filme de Oliver Stone, assassinato é cool.

Óbvio que ele não está falando sério, mas o longa-metragem tem uma mensagem – e o público a entendeu. Nenhum jovem com distúrbios mentais saiu matando gente nas ruas por causa do longa de Oliver Stone. O filme tem grandes atuações (Juliette Lewis, com sua doçura perversa, é o maior destaque). Tem também uma edição alucinada de Brian Berdan e Hank Corwin, que dá um ritmo vertiginoso ao filme e faz seus 121 minutos parecerem apenas 30; e uma direção de fotografia genial de Robert Richardson, que garante uma unidade formal impecável, mesmo sabendo-se que o cineasta experimentou diferentes formatos de película para registrar a ação. Isso sem falar na trilha sonora soberba de Trent Reznor, que alterna momentos de candura (Leonard Cohen) e agressividade (Rage Against the Machine).

“Assassinos Por Natureza” não é um filme normal. Não é diversão descerebrada; tem uma mensagem social. Oliver Stone quer que o público entenda a mensagem, e age como uma espécie de boxeador do cinema: ele esmurra a cabeça do espectador, com suas imagens impactantes, até enfiar a mensagem cérebro adentro, por bem ou por mal. Se há problemas nesse estilo, há também uma quantidade fenomenal de boas idéias. A maior parte dos diretores acredita que a boa direção deve ser invisível, como um árbitro de futebol, e que o grande filme é absorvido naturalmente pela platéia, sem chamar a atenção para a sua técnica. Nesse sentido, Oliver Stone pode ser considerado um mau diretor, porque ele torce e distorce a narrativa até o limite. Mas tem domínio absoluto daquilo que faz, e isso é inegável.

Rodrigo Carreiro.

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