No Brasil, é praticamente impossível falar de Shakespeare sem falar de Bárbara Heliodora. Como surgiu o seu interesse e a sua paixão pelo escritor?
Bárbara Heliodora: Gosto muito de teatro e, em matéria de bom teatro, não há outro igual. Comecei a ler Shakespeare, me habituei e cada vez que leio gosto mais. O texto é de uma riqueza muito grande, sugerindo sempre a cena. Quando lemos, é possível ver aquela ação viva, os personagens são maravilhosos. De maneira que, quando me perguntam porque gosto de Shakespeare, sempre digo: “já leu?”. Para mim, basta ler para ver o quanto ele é maravilhoso.
Quando você ganhou a sua primeira obra de Shakespeare, aos 12 anos de idade, você mal compreendia a língua inglesa. Com o passar do tempo, você ficou fascinada com a beleza e a imaginação das obras dramáticas de escritor. Qual o segredo de Shakespeare?
Heliodora: Exatamente, havia aprendido um pouco de inglês no colégio, mas estava muito por fora, só mais tarde pude ler realmente. Sempre digo que o segredo de Shakespeare é que ele passou a vida tendo um grande caso de amor com a humanidade. Esta paixão pelo ser humano me admira. Quando ele cria um personagem “mal”, ele tenta compreendê-lo, o que é fantástico. Ele não justifica a maldade, mas cria um personagem que tem algum tipo de problema na personalidade. Não é piegas nunca, nem quando gosta, nem quando não gosta. A compaixão pelos sofrimentos, alegrias e amores do ser humano é que o fazem de tal modo fascinante.
Você diz que Shakespeare é considerado um autor popular. No entanto, criou-se em torno dele a reputação de ser difícil e inacessível. O que deu origem a essa compreensão errônea de Shakespeare?
Heliodora: Ele era um autor popular. Escrevia numa cidade de 300 mil habitantes, com um teatro de dois mil lugares. Todo o espectro social da Inglaterra assistia às peças dele. Acontece, em primeiro lugar, que tivemos uma tradição lamentável, que durou até relativamente poucas décadas. No sistema de ensino, o professor dizia: “eu entendo, mas você não pode entender, porque é muito difícil para você, meu aluno”. Foi criada esta barreira artificial. E, além disso, não havia montagens. As traduções eram pouquíssimas. Tudo isso resultou em um falso mito de dificuldade e distância quando, na realidade, ele sempre escreveu para os atores e para o público.
Uma vez te perguntaram, em uma entrevista, se você seria uma boa atriz e você respondeu que não. Por que?
Heliodora: Porque não tenho vontade de pisar ao palco e ser olhada por todo mundo. Sou uma espectadora nata. Nasci para olhar, e não para ser olhada pelos outros. Para mim, o grande prazer é ver o espetáculo. Nunca tive nenhuma vontade de ir para a cena. Para ser um bom ator, a pessoa tem que ter um imenso prazer em pisar no palco. E esta não é a minha praia.
No site que criou para você na Internet, sua filha diz ter sido educada por uma mãe fantástica, que a criou sob o signo da palavra generosidade. Como crítica de teatro, você se considera uma mulher generosa?
Heliodora: Acredito que sim. Quando gosto, sou até excessiva nos elogios. A generosidade tem que aparecer exatamente para estimular o que é bom. Lembro-me que, desde o início da minha carreira como critica, discutia muito com o Pascoal Carlos Magno. Ele dizia: “é preciso estimular estes moços”. E eu respondia: “Pascoal, não podemos elogiar o que é ruim, estaremos prejudicando. Eles vão reincidir no erro, pensando que está certo”. Se você elogiar tudo, você realmente não está colaborando para que a pessoa tome consciência de certos enganos e tente melhorar. A generosidade deve ter limites, mas quando gosto do espetáculo, me derramo em elogios.
Como e por que alguém se transforma em crítico? Para que serve a crítica?
Heliodora: A crítica é a última fase da criação artística. Sempre me lembro de uma coisa: a arte é artificial. Você só não pode criticar a natureza. A natureza “é”, não foi criada. Todo o resto, se foi criado, é passível de análise. É claro que, se a crítica for negativa, a pessoa pode ficar chateada. Mas os artistas, em todas as artes, esperam que sua obra seja apreciada e comentada. Não tenho dúvida de que eles querem. A crítica é: “isto aqui foi criado e teve este resultado”. É uma apreciação necessária que completa o ciclo criativo da obra.
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