terça-feira, 4 de novembro de 2008

AGORA É QUE SÃO ELAS [PAULO LEMINSKI]


CONTRA CAPA



Ficção, re-ficção, uma história que desvenda o processo de todas as histórias, AGORA É QUE SÃO ELAS, uma novela com começo, meio e fim (não necessariamente nessa ordem, é claro).
Um romance pra tocar no rádio.


l

Aos 18 anos, pensei ter atingido a sabedoria.
Era baixinha, tinha sardas e tirei-lhe o cabaço na primeira oportunidade.
Não ficou por isso.
A lei falou mais forte. E tive que me casar, prematuro como uma ejaculação precoce.
Nem tudo foram rosas, no princípio.
Nos pulsos ainda me ardem as cicatrizes de três mal sucedidas tentativas de suicídio.
Mas eu não posso ver sangue. Sobretudo, quando meu.
Assim decidi continuar vivo.
Principalmente porque o mundo estava cheio delas.
De Marlenes. De Ivones. De Déboras. De Luísas. De Sônias. De Olgas. De Sandras. De Edites. De Kátias. De Rosas. De Evas. De Anas. De Mônicas. De Helenas. De Rutes. De Raquéis. De Albertos. De Carlos. De Júniors, De... (ihh, acho que acabo de cometer um ato falho). De Joanas. De Veras. De Normas.


2

De Norma, me lembro bem.
Como esquecer com quantas bocas se faz uma daquelas, aquela multidão de abismos em que ela consistia? Aquilo sim é que era uma buceta convicta. Cair ali era como, bem...

3

Com aquela cara de homem fingindo estar interessado no papo de uma mulher apenas porque está com vontade de comê-la, com aquela cara de mulher costurando e bordando pensamentos apenas porque está a fim de ser comida por ele, cheguei, caprichei, relaxei, lembrei tudo que tinha aprendido em Kant e Hegel, repassei toda a teoria dos quanta, a morfologia dos contos de magia de Propp, o vôo do 14-bis, cheguei e não perdoei:
— Tem fogo?



4


O tem fogo saiu meio esquisito. Nem parecia que eu tinha estudado três anos de mecânica celeste, dois de escultura em metal e tinha sido, podem perguntar, um jogador pra lá de razoável na minha equipe.
Não, balido baldio, urro estrangulado, você parecia um tem fogo imbecil qualquer, um tem fogo dito por um corretor de qualquer uma dessas coisas que precisam de correção, a vida emocional dos cangurus, as problemáticas trajetórias de Urano, os particípios passados dos verbos da segunda conjugação.
Apesar de você, jamais vou esquecer, deus nenhum me deixe, o fatal é que cheguei e disse aquilo, aquele palavrão que significava a irremediável intromissão da minha vida na vida daquela figura, gesto cujas conseqüências os presentes vão poder, a seguir, apreciar em suas devidas dimensões.


5

Uma dessas confusões sorridentes onde as pessoas riem porque sabem que vão morrer no fim, e todo mundo disfarça a evidência de que tudo já está mortinho da silva, o vaso no centro da sala, a árvore estampada na cortina, e até os Stones na radiola já exalam aquele fedor típico de múmia de faraó da vigésima dinastia, uma festa dessas em que alguém te chega, cigarro ereto, e fulmina:
— Tem fogo?
Seriam Stones ou Ella, como lembrar, tantas bucetas depois, como evitar este ponto de interrogação?




6

— Tem fogo?

Isso lá é jeito de chegar numa dona, conversar com uma senhora, hein, seu isso e aquilo, que pensou ter atingido a sabedoria? Mulher tem que ser abordada com vinte e cinco canhões de bolhas de sabão, princesa e flor do oriente, rosa de incenso, filé minhon da parte esquerda do meu cérebro, abre os braços, isto é, os pássaros, isto é, faça-se a luz, paradise me now...


7

— A juventude pode acabar com uma pessoa.

— Eu já vi essa religião. Deus morre durante a viagem.
— Jotaerre?, dos Jotaerres de Birmingham!, mal posso acreditar que estou aqui, eu devo estar sonhando.
— Vendo o apetite com que uma mulher chupa teu pau, nunca te ocorreu que pode não ser uma má idéia?
— A lei, meu caro, só proíbe certos crimes porque são ótimos negócios.
— Inteligência em homem é que nem pau duro, mulher alguma resiste.
— O crédito? É o câncer do mundo.
— Qual é a ilusão que você me recomenda?
— A inflação mundial, dinheiro produzindo dinheiro, sem passar pela produção, abstrações produzindo abstrações, sistemas puros, quero dizer, sem relação alguma com a realidade, porra, você me entende!
— Milhões, milhões, milhões, um começou a gritar, uma idéia é a coisa mais cara que existe.
E virando para todo mundo, todo mundo tinha cara, a começar por mim, de pânico, com aquelas luzes quem conseguia não ficar muito pálido, o pavor abaixo da pele, a bomba, a última guerra, o fim de.
A idéia mais cara que existe.



2 comentários:

Anônimo disse...

Deus abençoe as eternas divas!!!

Luisa disse...

Amei!

Powered By Blogger