terça-feira, 17 de agosto de 2010

NÃO RECOMENDO: ALEXEI BUENO.

Trecho do livro “Uma história da poesia brasileira”, de Alexei Bueno, em que o autor destrata moralmente a poesia de Bruno Tolentino.

Após um rumoroso processo pela publicação de um livro inteiramente plagiado, em 1957, Infinito Sul – cujo título era de Sílvio Castro e os poemas de Celina Ferreira, Walmir Ayala, Afonso Félix de Souza e outros – e a publicação de Anulação e outros reparos, em 1963, o poeta carioca Bruno Tolentino (1940-2007) se afastou por três décadas do Brasil, retornando em 1993. A sua volta marcou a entrada na cena literária nacional do maior mitômano nela aparecido pelo menos desde a chegada de Antônio Botto, o poeta português, muito amigo de Fernando Pessoa, que aqui desembarcou nos anos de 1950, casado, apesar dele mesmo se intitular “o primeiro paneleiro oficial de Portugal”, e distribuindo elogios bombásticos sobre a sua obra, assinados pelos maiores autores universais da época, mas todos escritos por ele mesmo. Em pouquíssimo tempo Tolentino declarou em público que fora casado com a filha de Bertrand Russell (que deveria ter idade para ser sua avó), com a neta de Rilke, com a neta de René Char, além de ter sido astrólogo em Los Angeles por doze anos, ter vivido uma década em Alexandria, ter trabalhado como genealogista na Inglaterra, ter sido secretário pessoal de Auden, ter dado aulas por onze anos na Universidade de Oxford, e finalmente, isso um pouco depois, ter sido encarcerado por tráfico de drogas na Ilha do Diabo, para nem falar da sua origem na alta aristocracia, na sua mansão familiar e suas preceptoras inglesas, tendo nascido, na verdade, na mais banal classe média tijucana, filho de militar, e tendo vivido a adolescência num pequeno apartamento do mesmo bairro e em Niterói. Só na terra onde foi escrito “O homem que sabia javanês” tal conjunto de afirmações seria deglutido naturalmente como o foi, inclusive pela grande imprensa. A mitomania em si não desqualifica qualquer artista, mesmo um homem de gênio como o cineasta Mário Peixoto tinha fortes traços mitômanos, e isso tudo serve apenas como um índice da impossibilidade de se conhecer a biografia de um indivíduo que, somados os eventos pública e notoriamente por ele narrados, deveria ter perto de trezentos anos de idade. Após manter uma ruidosa polêmica com os concretistas, justamente num dos melhores aspectos deles, a tradução de poesia, reestreou com As horas de Katharina, em 1994. Com Os sapos de ontem, de 1995, atacando novamente os concretistas paulistas, se revelou um satírico interessante. Os deuses de hoje, do mesmo ano, compunha-se de poemas políticos, justificados por uma falsíssima luta sua contra a ditadura militar – mais um falso exilado – e não alcançou maior repercussão. Seguiram-se A balada do cárcere, em 1996, O mundo como Idéia, de 2002, e A imitação do amanhecer, de 2006, escrito em pretensos alexandrinos que nunca o foram. Toda a poesia de Bruno Tolentino é vazada numa musicalidade característica, dominada por uma espécie de vício do enjambement que chega a criar poemas quase inteiros sem que uma oração termine no final de um verso. Essa espécie de “realejo de enjambements”, monocórdio ao extremo, perpassa por quase tudo o que escreveu, lançando mão de uma técnica bastante defeituosa: versos de pé-quebrado, especialmente pelo uso e abuso de ectlipses, elisões romanas e inúmeras rimas consoantes que não o são. Vez por outra, em meio dessa grafomania versificatória tediosa e obsessiva, espécie de música de feira, surge um grande momento lírico, que não salva o essencial vazio de fundo que domina o conjunto, sem se falar da total inadequação entre um periódico coloquialismo e o tom geralmente elevado do verso. A sua poesia, na verdade, e qualquer leitor médio o percebe, é conduzida pelas rimas e pelo ritmo, e não o contrário, como qualquer poesia digna desse nome. Verdadeiro personagem de romance, com um talento verbal e histriônico espantoso, mas de repertório curto, um dos fatos mais interessantes da sua imponderável biografia é ter voltado para o Brasil dizendo-se exilado da ditadura militar e trazendo mesmo um livro sobre o assunto, após o fracasso do qual terminou seus dias – há quem diga que não morreu, quem garanta que ele está vivo – venerado pela mais rançosa extrema direita nacional.

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