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Dos arquitetos, Miles Davis é, sem dúvida, o mais conturbado. É amado e odiado em proporções enormes. É um dos jazzistas mais populares da história, só perdendo, talvez, para Armstrong (até mesmo os roqueiros mais incautos já ouviram ou leram seu nome em algum lugar). Revolucionou o gênero um punhado de vezes com suas viradas radicais de sonoridade. Com seu faro de líder, descobriu e cooptou alguns dos músicos mais importantes das últimas décadas. Criou um estilo próprio ao trompete, que até hoje rende imitadores/seguidores de melhor e de pior qualidade.
Ao mesmo tempo, o trompetista suscitou não poucos arroubos de ódio de outros jazzistas e de críticos. As mesmas revoluções sonoras que promoveu foram massacradas. A pecha de traidor do jazz por pouco não pegou nos anos setenta e oitenta. O que para os seus admiradores era inovação, para os detratores era o mais claro sinal de oportunismo.
A personalidade de Miles pouco ajudou no juízo público: era uma pessoa desagradável, grosseira e, acima de tudo, racista. Em sua autobiografia (redigida por Quincy Troupe, atualmente fora de catálogo no Brasil), a palavra “brancos” é tão freqüente quanto “música”. Quase sempre ela vem acompanhada de adjetivos pouco favoráveis, como "loucos", "putos" e "merdas".
Quando, no começo da década de 60, músicos como Ornette Coleman, Cecil Taylor e Don Cherry começaram a praticar uma música improvisada e sem limites formais, muitas vezes até atonais – o chamado free jazz –, Miles caiu em cima: “O pessoal engolia aquilo porque engole qualquer coisa que não entende se é bastante badalada. Quer estar na onda, quer sempre estar por dentro da coisa nova, para não parecer quadrado. Os brancos são especialmente assim, sobretudo quando um negro faz alguma coisa que eles não entendem. Não querem admitir que um negro faz alguma coisa da qual não sabem nada. Ou que ele possa ser um pouco mais – ou muito mais – inteligente que eles”.
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