quarta-feira, 29 de outubro de 2008

SE DEBRUCE: DEBUSSY


A PRODUÇÃO PIANÍSTICA DE CLAUDE DEBUSSY DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Danieli Verônica Longo Benedetti
danieli-longo@uol.com.br
Departamento de Música - USP/ECA

Resumo
Esta Dissertação de Mestrado foi realizada no Departamento de Música da ECA/USP entre os anos 2000/2002 e financiada pela FAPESP. O presente trabalho visou pesquisar e analisar as implicações que a Primeira Guerra Mundial provocou na última fase criadora de um dos maiores compositores do século XX.
Este capítulo da história da humanidade, a Primeira Grande Guerra, marcou profundamente as últimas obras de Claude Debussy que, nacionalista confesso, traduziu com a sua música angústias e tragédias.

Palavras - chaves: Guerra – piano – nacionalismo

Abstract
The purpose of this work is to research and analyze the implications that World War I had on the works of one of the greatest french composers of the 20th century.
This chapter in the history of humanity, World War I , had a deep impact on Claude Debussy's last works. As a true nationalist he translated into music sorrows and tragedies.


A produção musical de Claude Debussy está classificada em obras da juventude, obras de maturidade e obras de síntese. As obras da juventude vão desde 1880, com a composição do Trio em Sol, escrita para piano, violino e violoncelo, quando ainda era aluno do Conservatório Nacional de Paris, até a sua saída antecipada da Villa Médicis em 1887, onde obteve em 1884 o Premier Prix de Roma em composição, láurea máxima do Conservatório Nacional de Paris, com a Cantata L´Enfant Prodigue. As obras consideradas de maturidade foram compostas após sua volta a Paris do frustrante período passado em Roma como bolsista do governo francês na Villa Médicis, e foram escritas entre 1887 e 1913. As obras de síntese, nas quais encontraremos as peças pianísticas que fazem parte desta dissertação, foram criadas entre 1914 e 1917, período que coincide com o início da Primeira Guerra Mundial e com o final da vida do compositor. O presente trabalho foi organizado em três partes:
A primeira parte abordou a Primeira Guerra, situando o compositor dentro desse contexto histórico europeu tão complexo do final do século XIX e início do século XX.
A trajetória artística de Debussy foi marcada pela aproximação com a literatura e as artes plásticas. A parte inicial trata ainda dos movimentos estéticos que, às vésperas do conflito estariam provocando um cisma sem precedente em todas as formas de expressão artística na Europa e, conseqüentemente, no resto do mundo.
A segunda parte vem mostrar os efeitos causados pela Guerra na vida e na obra do compositor, que foi invadido por um extremo patriotismo, e a influência deste nacionalismo nas obras escritas naquele período.
Os efeitos provocados pela Guerra em Debussy resultam em um nacionalismo exagerado, e vários de seus escritos desse período, como os artigos publicados pelas revistas especializadas da época e suas correspondências, testemunham o culto a um sentimento de repugnância a toda e qualquer forma de expressão cultural que viesse de terreno inimigo, em particular da Alemanha. Como exemplo cito trecho de uma carta endereçada a Igor Stravinsky em 24 de outubro de 1915 onde o compositor coloca abertamente todo o deu sentimento de ódio em relação aos alemães:
...Nestes últimos anos, quando senti os miasmas austro-germânicos se expandirem
sobre a arte, eu desejaria ter mais autoridade para gritar minha inquietude, para advertir sobre o perigo que corremos, sem desconfiar. Como não adivinhamos que essas pessoas tentavam a destruição da nossa arte, como eles preparavam a destruição de nossos países? O ódio que sinto por esta raça vai até o último dos alemães! Existirá um último alemão? Pois estou convencido que os soldados se reproduzem entre eles. (LESURE, 1980: 266)

Assim sendo, Debussy buscaria inspiração em uma geração de músicos franceses esquecidos durante o Romantismo e que marcaram a História da Música com uma escola nacional, a do século XVIII, pois seria no início desse século que, com François Couperin e Jean Philippe Rameau, a escola francesa conheceria o seu apogeu.
Os primeiros traços desta febre de tentar ressuscitar os músicos e a música francesa do século XVIII acontecem no final do século XIX, com Suíte Bergamasque (escrita em 1890 e revisada logo antes da sua publicação, em 1905), Pour le Piano (1901) e Hommage à Rameau, peça tirada do primeiro caderno das Images para piano (1905). Debussy torna-se então um militante, difundindo em alta voz a “ideologia ramista”. Como crítico, escreve vários artigos, nos quais prega a volta de uma música francesa inspirada em seus ancestrais, como o famoso artigo escrito em novembro de 1912, intitulado “Jean-Philippe Rameau”, encomendado por seu amigo André Caplet, que se encontrava em tournée pelos Estados Unidos2. Neste artigo Debussy coloca Rameau como “uma das bases mais seguras da música”.
Para Debussy, Rameau é o antídoto da música italiana e alemã, e, sob a égide patriótica, Debussy milita a favor de uma espécie de elitismo. Ele teme “que nossos ouvidos tenham perdido a faculdade de escutar com uma atenção delicada esta música que proíbe a si mesma qualquer ruído desgracioso, mas reserva a acolhida de uma polidez encantadora aos que sabem ouvi-la.” (DEBUSSY, 1987: 205)
Nesta volta ao passado, Debussy também redescobre a sonata pré-clássica. Ele tem a intenção de escrever uma série de seis sonatas “pour divers instruments”, “na forma antiga, flexível, sem a grandiloqüência das sonatas modernas” (LESURE, 1980: 262), mas só pode terminar três delas, a Sonata para piano e violoncelo, a Sonata para violino e piano e a Sonata para flauta, viola e harpa. Estas foram publicadas, a seu pedido, com a primeira página impressa em caracteres do século XVIII:

“SIX SONATES POUR DIVERS INSTRUMENTSCOMPOSÉES PAR
CLAUDE DEBUSSY/MUSICIEN FRANÇAIS”

Na Sonata para flauta, viola e harpa, Debussy inova, colocando instrumentos cuja associação não se costumava fazer; e a instrumentação das três sonatas restantes estava já claramente fixada. A quarta deveria ser para oboé, trompa e cravo. A quinta foi prevista para instrumentos a vento (trompete, clarinete, fagote) e piano. A sexta tomaria a forma de um concerto composto por todos os instrumentos usados nas cinco sonatas.
Outra técnica esquecida durante três quartos de século é usada nas sonatas, o da capo, uma reprise, onde o final da sonata volta a repetir o motivo do início. Um outro exemplo do da capo acontece no oitavo Étude (Pour les agréments3) no qual, no compasso 30, ele retorna exatamente como no compasso 1.
Por volta de 1900, Debussy tinha abandonado os movimentos e nuances escritos em língua italiana. Os rubato, morendo, stringendo, molto calmato, molto marcato e ritenuto4 foram substituídos por lent et dolent, comme une buée irisée, strident, estompé, expressif ET un peu supliant, presque plus rien, scintillant, incisif et rapide5. No Segundo Livro dos Prelúdios, que data de 1912-1913, o compositor volta parcialmente às indicações em italiano e, nas composições da pesquisa em questão, mais da metade das nuances são escritas em italiano.
A reação clássica e a guerra reconduzem Debussy aos laços da tradição. Assim sendo, outro fenômeno que se pode notar é a volta à sintaxe harmônica clássica, ou seja, a integração desta harmonia, do modalismo e da politonalidade à gramática acadêmica. Possivelmente Debussy não teria escrito quinze anos mais cedo os acordes que abrem a Sonata para violoncelo e piano, ou os que caracterizam o último de seus doze estudos.
Em sua fase anterior, o compositor inova, espalhando sua música em três pautas; ele se afasta do tonalismo, não por espírito de contradição, mas por uma necessidade auditiva. E, na última fase, sua música é graficamente mais concisa; ele afirma o tom de uma forma como nunca poderíamos imaginar; descobre o prazer quase gramatical de justificar as agregações paralelas, de revalorizar as quartas e sextas ou os encadeamentos conforme o ciclo de quintas. As obras não são por isso menos prodigiosas; parece-me que ele quis mostrar, em suas produções, que o tempo de “desobediência” tinha passado. A terceira parte será dedicada à análise da produção pianística de Claude Debussy durante a Guerra, que abrange as seguintes obras: Six Epigraphes Antiques, Berceuse Héroïque, Page d´album, En Blanc et Noir, Sonata para piano e violoncello, Estudos6, Noel des enfants que n´ont plus de maisons, Elégie e Sonata para violino e piano.
Quanto aos motivos que me levaram a delimitar este período da obra de Debussy, pode-se dizer que, primeiramente, foi a necessidade de divulgar suas últimas composições, tão ausentes do repertório das salas de concertos no Brasil; também o desejo de aprofundar uma reflexão sobre o momento vivido pelo compositor quando escreveu essas obras, além do contexto histórico em que elas foram produzidas. Isto porque a Primeira Guerra Mundial pode ser considerada ponto de partida para uma nova forma de pensar a arte em todos os seus domínios.

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