quinta-feira, 27 de maio de 2010

ÍTALO CALVINO NASCEU EM CUBA!


“Não é verdade que já não me lembro de nada, as lembranças ainda estão lá, escondidas no novelo cinzento do cérebro, no úmido leito de areia que se deposita no fundo da torrente dos pensamentos...” Os pensamentos de Italo Calvino, mergulhados na vivência e saber, nos assombram e demarcam caminhos que iluminam a sabedoria. Calvino traçou muitos caminhos pela vida afora. Um deles é “O Caminho de San Giovanni” (Ed. Cia. das Letras), composto por narrativas escritas entre 1962 e 1977, ou seja, fragmentos, lampejos que transitam entre a memória e a reflexão.

“O Caminho de San Giovanni”, que abre o livro, evoca a adolescência passada em San Remo, as divergências entre pai e filho, a natureza bucólica e a paixão pela cidade. “Autobiografia de um espectador” é o escritor descobrindo o cinema, sua adoração pelo imaginário de Hollywood. Calvino ainda revela a confluência do seu mundo com o mundo do circo de Fellini, mundo desenhado a partir do humor poético, crepuscular e angélico.

“Lembranças de uma batalha” narra os tempos de guerrilheiro antifascista na Ligúria. Calvino volta-se no tempo, “perscrutando o fundo do vale da memória”, para recuperar os sons, imagens e palavras que o infernizaram na época da Segunda Guerra. Em “La poubelle agrée” descobrimos o humor de Calvino a partir dos gestos banais, como pôr o lixo fora de casa. Para encerrar, “Do opaco”, um texto poético que tenta desvendar “o lugar geométrico do eu” no mundo, “o eu que só serve para que o mundo receba continuamente notícias da existência do mundo, um engenho de que o mundo dispõe para saber se existe”.

Os exercícios de memória de Calvino não apresentam a verve do ficcionista, do fabulista que se encontra em “Palomar” ou nas “Cidades Invisíveis”, quando o autor dedica-se a renovar a arte literária. Em “O castelo dos destinos cruzados” ou em “Se um viajante numa noite de inverno”, o ficcionista reflete sobre o ato de escrever num mundo já conquistado, “colonizado por palavras”.

Italo Calvino é discípulo espiritual de Jorge Luis Borges. Calvino, ao decifrar Borges, decifra-se como uma esfinge: “Em cada texto, por todos os meios, Borges fala do infinito, do inumerável, do tempo, da eternidade ou da presença simultânea ou da dimensão cíclica dos tempos”. Calvino também reflete sobre as coisas que acontecem no tempo múltiplo, templo plural, tempo de uma ação que acontece no presente, mas que se bifurca entre o passado e o futuro.

As narrativas do autor de “Os amores difíceis” são reinvenções de um aventureiro da literatura. Calvino é autor de idéias, cerebral e livresco. Reinventor de lendas medievais. Toda sua literatura é uma reescritura (paródia). Adepto da ficção absurdamente elaborada. De estilo imprevisível, alterna humor, erudição, deslumbramento e ironia. É um descobridor do fantástico no real. A ficção mapeia a história de humor e amor. Nada que não esteja fora dos interstícios da realidade. Apesar de que toda literatura aspira ao fictício.

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