Nesse disco todos os aspectos e
influências da sua música que apareceram isoladamente nos discos anteriores
misturam-se. Afrobeat, ghettotech, dub, samba, bossa-nova, tropicalismo,
pós-produção e efeitos… Tem um pouquinho de cada coisa permeando. Foi uma
decisão consciente?
Lucas Santtana – Não, muitas coisas nos discos acontecem
durante o processo. E como você está muito mergulhado nele fica difícil de ter
esse controle todo… Toda essa percepção (ainda mais quando você é também o
produtor do disco). Acho bastante saudável não ter essa consciência, senão vira
uma peça publicitária e não um disco onde você está buscando sons e idéias sem
saber se vão dar certo mesmo ou não. Isso que você falou eu só percebi muito
tempo depois dele estar pronto. Acho que isso é natural, porque quando você tem
um trabalho autoral, o que torna ele autoral dentre outras coisas é justamente
o acúmulo de algumas idéias que já foram visitadas. E que vão
sedimentando essa autoralidade.
Agora que esse disco saiu assim,
você imagina que pode ser uma ruptura, te obrigando a abrir um novo caminho no
próximo?
Lucas Santtana - Eu procuro não me tornar escravo
de nada. Todos os meus discos até agora foram diferentes entre si, mas isso não
pode virar uma regra. Todos os meus discos acabam tendo uma amarração estética,
um mote que permeia todo o disco, mas isso também não pode virar uma obrigação.
Isso rolou assim até agora naturalmente, por um desejo meu de explorar e
aprender com alguns universos musicais bem definidos, como o dub, o voz e
violão, o baile funk e a liturgia rítmica dos tambores.
Na verdade, já sei exatamente como será meu
próximo disco, até já conversei com um amigo nosso em comum, mas até lá muita
coisa vai rolar, então talvez esse disco não seja o próximo, fique para depois
porque pode aparecer outra coisa mais urgente. Enfim, uma das coisas boas de
não ser um artista muito popular é ter essa liberdade de fazer o que quer na
hora que quer, da expectativa com a aceitação não ser algo nocivo.
A Anna Dantes, mãe do meu filho e dona da
Editora Dantes, é muito boa em entender e definir coisas. Ela criou esse termo
incrível, “Setor X”, que acabou virando uma revista e um projeto estadual de
cultura no Rio. Fazendo uma analogia, acho que a minha geração na música
popular brasileira é a geração X, porque ninguém consegue catalogá-la. Eu não
toco muito em rádio no Brasil mas toco no programa do Gilles Peterson para 20
milhões de ouvintes em todo mundo. A Céu não toca no Faustão nem no Esquenta,
mas toca no Jools Holand para uma audiência mundial também. Nós entramos em
trilha de novela mas não pagamos jabá para isso. Ou seja, a gente vive nas
entrelinhas do sistema, não é mainstream
e não é indie. Por isso quando você me pergunta em “novo caminho”, em penso que
essa geração vive num novo caminho o tempo todo. Hahahahaha!
A impressão que dá é que o disco
é bastante empurrado pelo baixo e bateria, ocupando papel central em todas as
faixas, em torno dos quais outros elementos pousam como camadas. Ou isso pode
ter a ver com ouvir de fone?
Lucas Santtana - Pode ter. Essa parada de baixo e
bateria é uma escola jamaicana da qual sou entusiasta, você sabe. Mas nesse
disco eu até segurei a bateria em alguns momentos, justamente para não encobrir
certas camadas. Por exemplo em “É sempre bom se lembrar”. Falei para o Buguinha
pensar no Ringo Star na mixagem, da bateria no refrão não entrar alta e
rasgando, mas entrar como aquelas baterias dos Beatles, que tocam para a música
como um todo e não apenas para o ritmo.
As letras nesse disco estão mais
herméticas, ao mesmo tempo que um formato de crônica, histórias. Quais tem sido
os comentários a respeito disso?
Lucas Santtana – Tenho recebido e-mails e mensagens de
pessoas contando que o disco ajudou muito elas a entender processos pessoais de
relacionamento que estão vivendo agora ou já viveram, e as letras do disco
ajudaram a ter essa compreensão. Clarearam as idéias. As primeiras mensagens
dessas até me assustaram, porque pensei, “pô, o que é que eu vou responder?”.
Como letrista (que eu não sou), acho que esse
disco é um passo a frente para mim. Não acho elas nada herméticas, pelo
contrário. Não compactuo com esse desejo de tornar o mundo mais medíocre. Não
educo meu filho assim. E os filhos dos outros que passam por perto também não
educo assim.
Fico impressionado como o Josué e os colegas
dele da escola Sá Pereira tem uma cultura geral aos 9 anos muito superior a
nossa nessa idade. Pena que isso se dá apenas em poucas escolas particulares,
mas ao mesmo tempo, se isso acontece lá é porque pode acontecer em qualquer
escola, é só implementar. Isso vale para o resto também, ainda acredito na
inteligência das pessoas, na sensibilidade delas, nos seus sentimentos. E a
minha música vem disso e vai para isso.
Som sempre!
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