Em 1907, um
jovem provinciano recém-chegado a Viena, vindo de Linz, inscreveu-se para o
concurso de admissão na Escola de Belas-Artes da Schillerplatz. Adolf Hitler,
então com 18 anos, desembarcara na capital austríaca com vários rolos de
desenho embaixo do braço e com uma enorme esperança de se ver no futuro um
artista consagrado. O resultado foi-lhe um choque. "Com pouca
inventiva" e "insuficiente experiência de desenho" disseram. No
ano seguinte, em 1908, renovaram-lhe a frustração.
Começava ali
o que ele, no Mein Kampf (Minha Luta), chamaria de "os
cinco anos mais tristes da minha vida". Mas não foram tão infelizes assim.
Viena antes da Guerra de 1914 era uma das cidades mais fascinantes da Europa.
Na Ringstrasse, a avenida-anel que a envolvia, podia admirar-se as belíssimas
construções, privadas ou públicas, tais como a Ópera, a Universidade, o
Parlamento ou aRathaus, erguidas em estilos diversos, do barroco, ao
neorenascentista. Os cafés de Viena eram envolventes redemoinhos de idéias e
modas. Como pode-se ver na aquarela de Reinhold Volker do Griensteidl Café,
sede da Jung Wien, que era
freqüentada por escritores, artistas, estudantes, e um número diverso e
impreciso de curiosos que vinham usufruir do convívio com aquela gente
talentosa, disfarçando a presença lendo jornais.
Neles, não
era difícil deparar-se com o poeta Hugo von Hofmannsthal, que compunha os
libretos de Richard Strauss, com Stefan Zweig, ou com o teatrólogo Arthur
Schnitzel, o favorito de Sigmund Freud, e mesmo, eventualmente, com o próprio
dr. Freud. Além deles, mantendo a tradição de ser a cidade mais musical de toda
a Europa, Viena orgulhava-se do grande Gustav Mahler, dos compositores
vanguardistas Arnold Schöenberg e Alban Berg, e dos pintores Gustav Klimt e
Oskar Kokoschka, voltados a enaltecer o sensorialismo e o psiquismo tão em moda
naqueles tempos.
O esticismo
dos vienenses era quase doentio (é de F. Wickhoff, o historiador da arte, o
conceito de Kunstwissenschaft,
o conhecimento pela arte). O culto à opera, às belas-letras e à música em geral
era generalizado. Num conhecido ensaio, o psicanalista Bruno Bettelheim
atribuiu aquilo tudo a uma espécie de fuga coletiva da decadência. Por detrás
dos ouropéis da capital austríaca, sentia-se a inapelável decomposição do
Império dos Habsburgo, abalado por toda a ordem de agravos. Desde a Revolução
de 1848, e mais ainda depois da derrota perante a Prússia em 1866, ninguém mais
duvidava do seu fim próximo.
Perambulando
embevecido pela cidade, o jovem Hitler também percebeu que aquilo não iria
durar muito. O império era "uma vaso rachado". Ao lado da bonomia e
da tolerância da elite refinada, grassava entre as massas um profundo
sentimento de ódio racial e étnico. Os austro-alemães, ainda que majoritários
em cargos e postos, sentiam-se ameaçados, pois a progressão do avanço
democrático reduzia-lhes o controle sobre as instituições políticas. As
minorias nacionais, e suas dez línguas reconhecidas, que compunham aquela
colcha de retalhos étnica que era o Império Austro-húngaro - para Hitler, um
gigantesco mosaico incestuoso -, batiam os alemães em cinco por um. O futuro,
segundo os racistas, era-lhes adverso. Seus líderes maiores, Karl Lueger, o
prefeito social-cristão da cidade, e Georg Schönerer, o chefe dos
pangermanistas anti-semitas, foram os inspiradores diretos de Hitler, a quem
imitou inclusive na adoção do tratamento de Führer (líder), e o cumprimento "Heil"
(salve!).
De tanto
freqüentar o Burgteather (Hitler disse que assistiu "Tristão e
Isolda" de Wagner mais de 30 vezes!) veio-lhe, depois, a idéia de levar a
estética wagneriana à política, com a organização de atordoantes desfiles
embandeirados, com fanfarras e címbalos ao fundo, à luz das tochas, que ele
incorporou à liturgia nazista. A cruz suástica, ele tomou da revista racista Ostara, que era vendida na
esquina da Felberstrasse, onde ele tinha um quarto alugado. Quando decidiu-se
enfim ir para a Alemanha e tentar a vida em Munique, em 1912, Hitler carregava
na algibeira de pintor pobre e de arquiteto imaginário o explosivo arsenal
ideológico e cenográfico da sua revolução do rancor.
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