A “VANGUARDA” (avant-garde) como movimento artístico ou literário é um fenômeno relativamente recente. Personalidades inovadoras, artistas que se adiantaram a seu tempo, que romperam com os estilos consagrados, não são raros na história da arte desde quando se tornou possível identificar a autoria da obra. Eurípides, Giotto, Dante, Rembrandt, são exemplos disso. Miguel Ângelo, nos últimos anos de sua vida, deu a suas obras um tratamento inusitado, antecipou-se à época moderna. Todos esses fenômenos se decifram dentro da dialética histórica, na interação de fatores culturais, políticos e biográficos. Mas tais personalidades não caracterizam uma “vanguarda” artística, tal como foram o Impressionismo, o Simbolismo, o Cubismo, o Futurismo, o Dadaísmo e dezenas (ou centenas?) de outros “movimentos artísticos” da época contemporânea. Aliás a expressão avant-garde – discutível sob inúmeros aspectos – se torna mais usual a partir do século XX e reflete a pretensão dos movimentos artísticos, de caráter coletivo, que estariam na “vanguarda” das artes, abrindo novos domínios à expressão estética.
Como a preocupação renovadora desses movimentos é predominantemente formal, a expressão avant-garde tende a designar obras em que preponderam a pesquisa e a invenção estilística. Assim, tomada em sentido geral a expressão, Joyce seria mais avant-garde que Proust ou Kafka; Pound mais que Eliot; Mallarmé mais que Apollinaire.
Mas como surge o fenômeno dos “movimentos artísticos” de intenso dinamismo renovador? Qual a origem dessa tendência à “ação coletiva” que, a partir de Romantismo, irrompe na história da arte? Um dado se constata de saída: o início de tal fenômeno coincide com o surgimento, na Europa do século XVIII, de uma nova força social – a burguesia. Essa classe, que detém a riqueza em suas mãos, parte então para ganhar o poder político. Surge um público novo para a arte.
No século XVII, observa Sartre, saber ler é ter o instrumento necessário para adquirir os conhecimentos sagrados e seus inúmeros comentários; saber escrever é saber comentar. O escritor não percebe nenhum outro público além do círculo fechado dos que sabem ler. “O público de Corneille, de Pascal, de Descartes, é Madame Sévigné, o cavaleiro de Méré, Madame Grignan, Madame Rambouillet, Saint-Évremond”.2 Assim, diz ainda Sartre, “a homogeneidade do público baniu, da alma dos autores, qualquer contradição”.3 Tudo muda, a partir do momento em que, exigindo a liquidação dos privilégios da nobreza e clamando por novos valores, a burguesia põe em marcha a sua revolução. E nessa luta o fundamental é a conquista da liberdade de pensamento e expressão que irá permitir à burguesia a sua união como classe e a adesão de outros setores da sociedade em torno das novas idéias. “Desde então, reivindicando para si e enquanto escritor a liberdade de pensar e de exprimir seu pensamento, o autor serve necessariamente aos interesses da classe burguesa.”
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