
Se a estrutura social do Brasil rural se alterou após a supressão da escravidão, o dualismo colonial continuou a existir. Mudando os proprietários, a pirâmide de camadas e de estatutos sociais não apresentou grande mudança em relação ao passado no conjunto do país. Nas cidades em formação, o isolamento e a mobilidade dos trabalhadores assalariados impediam os negros de conservar suas crenças e seus cultos. A estrutura social continuava a ação desagregadora do regime escravocrata. Para o negro, sobrava apenas a magia: magia ofensiva contra o branco, magia curativa para os enfermos. Além dos fatores citados acima, também a mistura de negros, caboclos e brancos nos mesmos bairros permitiram a manutenção da magia como arma individual ou como substituto da medicina, mas não permitiram a organização de cultos africanos institucionalizados. Para o autor, a memória coletiva não podia funcionar por falta de grupos estruturados. Houve uma desagregação das crenças e dos ritos.
A macumba é a expressão daquilo em que se tornam as religiões africanas no período de perda dos valores tradicionais; o espiritismo de Umbanda, ao contrário, reflete o momento da reorganização em novas bases, de acordo com os novos sentimentos dos negros proletarizados, daquilo que a macumba ainda deixou de subsistir da África nativa.
A macumba preserva tradições africanas, mas não possui uma eficácia no que se refere à inserção social do grupo de libertos. A umbanda, por sua vez, é uma reorganização social, uma religião institucional, que possibilita a inserção social, mantendo algumas tradições africanas, mesmo que sincretizadas e ressignificadas.
Ressaltamos a questão da inserção social, pois dentro de uma leitura banto a religião encontra-se inserida na vida cotidiana, não havendo diferenciação entre as esferas. Portanto, para o autor, a macumba é a principio a introdução de certos orixás e de ritos iorubas na cabula. É uma solidariedade, que não é de classe, mas da miséria, das dificuldades de adaptação ao mundo novo, do desamparo. Além deste primeiro sincretismo, juntou-se também o catolicismo popular e, depois, o kardecismo. A macumba nasce desta fusão, refletindo o mínimo de unidade cultural necessária à solidariedade dos homens, em face de um mundo que não lhes traz senão insegurança, desordem e mobilidade. Ela é o reflexo da cidade em transição, no qual os antigos valores desapareceram sem que os substituíssem aos valores do mundo. A macumba acaba perdendo todo caráter religioso, para terminar em espetáculos ou se prolongar em pura magia.
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